quarta-feira, 23 de julho de 2008

Instantes


Onde ancorar neste mundo?

Cansaço físico... o mental é maior!

A porcaria do ardor eterno nos olhos... é a modernidade!

Ler é difícil... durmo em minutos!

Então, tomei umas brejas... amorteci!

Massagem e cafuné em meu filho... sirvo pra algo!

Bee Gees cantando... a lágrima não veio... segue o ardor...

Fazer o quê!


Wmofox

terça-feira, 8 de julho de 2008

O Caminho de Santiago: o passo hoje foi a máquina fotográfica



As conchas do caminho.

Pois é, nunca fui de fotografar minhas caminhadas e andanças por aí.

Mas, como disse meu primo Jorge Luiz, uma viagem como essa merece registros fotográficos.

Para mim, as lembranças estarão registradas em meu ser. Mas não posso ser egoísta e não querer compartilhar com as pessoas próximas e amigos um pouquinho daquilo que vi, já que a experiência vivida é mais difícil de expressar.

Tenho tempo para aprender a mexer com a "bichinha", já que não sou muito apto a esses negócios de tecnologia.

Passo a passo, de prestação em prestação, uma hora me pego lá em Madri, iniciando minha viagem de trem rumo à saída de minha caminhada, do outro lado dos Pirineus. (daqui a meses...)


Post Scriptum (16/4/19):



Eu não pude fazer o Caminho de Santiago, mas estive em Madri no ano seguinte a esta postagem. Fui a trabalho, representando os sindicalistas brasileiros da CUT, a um curso da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Fiquei duas semanas na Itália e uma na Espanha. Estive inclusive na estação de trem de Madri, quando embarquei para Toledo, numa rápida visita de ida e volta no mesmo dia. Bati muitas fotos com minha pequena máquina Sony DSC W120.

Nunca antes na história deste país...


Presidente Lula.
Essa frase do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva é bastante simbólica. Para o bem e para o mal.

Em geral, seus adversários políticos a usam para achincalhar qualquer coisa que o governo faça.

Por outro lado, ela deve ser usada mesmo cada vez que nós, cidadãos desta ex-colônia, nos surpreendemos com coisas nunca antes vistas nem imaginadas como possíveis nestas terras.

Quem poderia imaginar o Sr. Daniel Dantas ser preso? Quem em sã consciência imaginaria liberdade de atuação da Polícia Federal para prender por aí dezenas de políticos e prefeitos de tudo quanto é partido?

Aos desavisados, eu recomendaria a leitura do livro "O mapa da corrupção no governo FHC" de Larissa Bortoni e Ronaldo de Moura, editado pela Fundação Perseu Abramo.

Ele relembra e faz um apanhado de como a corrupção era tratada no Brasil até 2002, mais notadamente no período do desmanche do Estado pela tucanagem.

O meu maior receio é todo esse nosso sonho de um país melhor ser interrompido nas eleições de 2010. A possibilidade de voltarmos a ter o país gerido pela mão da elite conservadora existe. Mas, sigamos avançando e lutando para que o povo brasileiro saiba como não cair nas armadilhas eleitoreiras dos donos do poder econômico, traduzidos nos partidos PSDB e DEM, além de muitos coronéis espalhados pelo PMDB.

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Post Scriptum (julho/2013):

Pois é, às vezes, acreditamos que mudanças no status quo são possíveis. 

No momento deste artigo, vivia a euforia do banqueiro Dantas encarcerado. O tempo nos mostrou que os amigos dos donos do poder não ficam presos... 

O tempo nos mostrou que corrupção só é apurada e julgada se for aquela que tenha relação com pessoas e partidos que não estão na seara do poder secular da casa-grande no Brasil.

O "mensalão" do PSDB mineiro ninguém sabe, ninguém viu! O propinoduto do PSDB no metrô paulista, ninguém sabe, ninguém apura, ninguém do PIG publica, ninguém viu!

O receio agora é para 2014...

Concluo quase por mudar o título deste artigo eufórico lá de 2008. Seria algo como "Quase sempre como antes na história deste país..."

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Post Scriptum (16/4/19):

OPINIÃO:

Pois é! Reler neste momento esta postagem é recordar um instante da história deste país miserável, deste povo miserável. Durante um átimo de tempo em sua existência, o Brasil experimentou com Lula e o PT o melhor momento de sua história de cinco séculos. Os avanços progressistas, a soberania, o respeito internacional, a liberdade, a distribuição de renda pelo emprego e pelo Estado, a felicidade do povo, as oportunidades para todos, a revolução democrática com o PT e o lulismo, sem guerras e violência.

Tudo isso acabou em 2016 com um golpe de Estado. 

Veio o impeachment de Dilma; o governo dos bandidos com Temer, "com o STF e tudo"; o fim dos direitos trabalhistas e sociais; a prisão política sem crime de Lula; a eleição de Bolsonaro em eleições fraudulentas sem a participação de Lula e com manobras no judiciário; veio a destruição do país em 100 dias de desgoverno do clã Bolsonaro, que governa para os Estados Unidos e Israel, para os banqueiros, para os empresários, para os ruralistas, para o 1% lesa-pátria. 

As instituições do poder de polícia e judiciário, que cito na postagem, fortalecidas por Lula e pelo PT, foram centrais na desestabilização dos governos democráticos e populares, responsáveis pela perseguição parcial ao PT e representações do campo popular. Foram responsáveis pela destruição da economia do país, através da Lava Jato, uma operação destinada a destruir o Brasil.

É isso! Que fique o registro de que fomos felizes por alguns anos de PT e Lula.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Mais uma pegada do Caminho



As conchas do caminho.

Hoje fui tirar o passaporte brasileiro para poder entrar na Espanha.

A caminhada para Santiago de Compostela anda lenta. Estou com muitas montanhas no caminho até chegar ao destino inicial da caminhada lá na Espanha. Mas vamos caminhando pela vida.

Chego lá.


Post Scriptum (12/4/19):

Olhando esta postagem, vejo o quanto a vida dá voltas. Eu fui para a Espanha em 2009, nem foi preciso tirar passaporte. Fui a trabalho, representando os trabalhadores em um curso da Organização Internacional do Trabalho. Fiquei duas semanas na Itália e uma semana na Espanha, na capital Madri.

Hoje tenho 50 anos e não fiz o caminho de Santiago de Compostela.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Artigo - Campanha salarial dos bancários 2008


Sec. de imprensa 2006/09.
Estamos começando as discussões da campanha salarial dos bancários de 2008.

Como ocorre normalmente, é provável que as questões que mais chamarão a atenção de trabalhadores e dirigentes sindicais sejam as cláusulas econômicas, como saber qual é o índice e qual é a PLR – Participação nos lucros e resultados - reivindicados.

A Contraf-CUT tem iniciado as discussões com seus parceiros – federações e sindicatos. Como nas últimas campanhas, achamos que devemos lutar por aumento real no índice, participação maior dos bancários nos lucros e resultados – PLR - com uma regra geral que valha para todos, e com a busca da contratação total daquilo que os bancários recebem ao longo do ano, ou seja, o salário fixo direto, indireto e variável.

Será importante avançarmos na discussão de reivindicar novos patamares de salário para o trabalhador bancário que deve começar por uma discussão efetiva de aumento no piso inicial, além de aumento nos pisos das principais funções. Além disso, precisamos exigir dos banqueiros a criação de planos de previdência complementar, com contribuição paritária, com base em toda a remuneração do trabalhador bancário, para garantir seu poder de compra no futuro.

A Contraf-CUT está buscando este ano, como nos anteriores, construir uma mesa única de bancários para fazer o enfrentamento aos banqueiros e governo. Isso é fundamental para não pôr em risco os direitos gerais e fortalecer a CCT – Convenção Coletiva de Trabalho dos bancários -, a melhor convenção de uma categoria no país. A tendência é que ocorram mesas específicas concomitantes para assuntos específicos dos bancos públicos.

Essa reflexão é fundamental por parte dos bancários e sindicatos, pois os banqueiros dão sinais de que não lhes interessa mais a CCT da categoria. Alguns bancos têm mostrado resistência a ela e prefeririam isolar seus trabalhadores em Acordos Coletivos – ACT.

Contextualização histórica

Até a década de 80 havia diversos ACTs de bancários pelo país. Também o Salário Mínimo era regionalizado na época, o que ocasionava grandes disparidades e migrações rumo às capitais, principalmente para São Paulo.

Em 1992, os bancários assinaram a 1ª CCT no país. Foi e é a maior conquista de uma categoria profissional: são direitos iguais para todos os trabalhadores (de empresas e regiões). Passamos a ter pisos nacionais. 

Nos bancos públicos federais seguiram os ACTs. Na época, o papel dos bancos públicos e suas fontes de recursos eram diferentes e o poder de compra dos salários era bem maior.

Durante a década de 90, com a implantação do neoliberalismo e a ideia de Estado Mínimo, começou-se a política de arrocho salarial nas empresas públicas e seus sucateamentos para a privatização e doação do patrimônio público nacional.

Após 2003, com a unidade de bancários de bancos públicos e privados, houve maior correlação de forças entre bancários e banqueiros e também por novas relações de diálogo com o então recém-eleito governo Lula, foi possível trazer os direitos da categoria aos bancos públicos. Por exemplo, o fim do congelamento e reajustes nos salários e comissões, cesta de direitos, aumentos reais de salário, PLR que não havia.

Essa unidade possibilitou também a recuperação de direitos (isonomia) aos pós-98 nos bancos públicos e avanços de direitos novos para todos da categoria como, por exemplo, a 13ª cesta alimentação.

Mesa única ou várias mesas?

Hoje existem duas mesas de bancários: Contraf-CUT e Contec.

Alguns sindicatos e forças políticas têm tentado criar novas mesas com os banqueiros. Em primeiro lugar, é necessário dizer que eles têm o direito de fazê-lo.

Em segundo lugar, é necessário também perguntar: isso é interessante para os bancários que eles representam e para a categoria em que estão inseridos? Não.

Vamos contextualizar: o que é mais forte? 6 mil bancários de determinada base enfrentando os banqueiros ou 420 mil na mesma luta?

Isolamento é derrota para os trabalhadores. Recentemente, os metalúrgicos (que não têm CCT e sim ACT), tiveram uma redução em seu piso de 1480 reais para 1207 reais. A GM ameaçava fechar a fábrica lá – São José dos Campos – e abrir em um lugar de mão-de-obra mais barata.

A Contraf-CUT defende que todos os bancários devem ter uma pauta comum da categoria deliberada na 10ª Conferência Nacional dos Bancários, com a participação de todos os sindicatos, federações e centrais. É natural que as representações devem corresponder ao perfil e tamanho de suas bases.

Qual o modelo de remuneração que queremos?

Quando falamos em remuneração do trabalhador bancário, não podemos isolar o tema como se não houvesse relação entre o trabalho realizado e o modo de produção capitalista onde ele se insere.

O que queremos? Maior renda variável ou mais salários?

Mais renda variável focada na “competência” individual ou remuneração baseada em salário-base por função desempenhada mais adicionais por níveis de responsabilidade?

Essa pergunta é fundamental porque os sistemas não convivem juntos.

Os bancos tiram suas diretrizes empresariais e encaminham a sua força de trabalho para seu atingimento. Resta aos trabalhadores, a verdadeira força produtiva, fazer o contraponto quando acharem necessário.

Ou seja, quem administra é o banco. Mas com organização no local de trabalho e correlação de forças, é possível reverter algumas situações e avançar em conquistas.

Remuneração variável e perdas? Variável e metas e assédio? Variável e jornada?

Adianta falar em perdas ou recomposição no índice quando o salário fixo não é mais a remuneração principal? Qual o efeito de reclamar de metas abusivas e assédio se a remuneração principal na estrutura do banco é a remuneração variável? 

Ou ainda, adianta falar em cumprimento de jornada quando a atividade principal do trabalho bancário se transformou em vender produtos? Isso tem efeito inócuo, pois os gerentes de contas começam a atender “seus clientes” às 7h da manhã e lá pelas 22h ainda o estão fazendo.

Os bancários devem lutar por maiores salários, pisos para as principais funções e valores dos adicionais de função baseados em antiguidade e mérito nas carreiras.

PCCS/PCS

Não adianta falar em Plano de Carreira, Cargos e Salários ou Plano de Cargos e Salários se tivermos em mente a imediatez da PLR e da PR (o que é bem pior).

Se os bancários dos bancos públicos acharem que não precisam atender ao povo, receber contas, abrir CPF, pagar saques de FGTS e demais funções do gênero e que devem concordar em SÓ atender cliente “bom” e encarteirado, também estarão dando anuência ao sistema da remuneração variável que pede a meta individual (mas que demite aquele que não cumpri-la).

Devemos reivindicar novos patamares de salários e não utilizar um índice de perdas, porque a produtividade do sistema financeiro dos últimos 20 anos não foi repassada para aqueles que a produziram: os bancários.

Além do piso maior, também devemos ter um PCS padrão na CCT. Os aditivos se encarregam da especificidade.

Piso inicial do Dieese

Como nosso objetivo é contratar de fato, podemos até assinar o piso do Dieese na CCT de forma a atingirmos em duas campanhas seu valor. Ou seja:

Ao piso da categoria será acrescido 50% da diferença entre o piso bancário em 2008 e o piso do Dieese de setembro/2008. Em 2009 será efetivado na data-base o piso do Dieese definitivamente.

PLR OU PR

As maiores conquistas de PLR são frutos de coletividade e generalidade.

A PLR de 1995 foi conquistada com regras claras para todos com % de salário + valor fixo. Com limites mínimos e máximos para banco e bancários (tetos estabelecidos pelos patrões).

Os bancos públicos federais desde o início (1998-2002) só tiveram programas de PR, sem acordos coletivos. Milhares de bancários ficavam sem receber nada e as diferenças entre base e topo dos valores chegavam a 100 vezes.

Em 2003, com as greves históricas nos bancos públicos federais exigindo o cumprimento da CCT da categoria, os bancários começam a trazer a PLR nos moldes da CCT da Fenaban. BB e Caixa Federal são obrigados a distribuir mais de 6,25% (limite do Dest) do lucro líquido. Bancários unidos começam a lutar por uma PLR maior para todos.

Em 2005, na conferência nacional da categoria, tiramos uma proposta de PLR mais ousada: pagar um acréscimo de valor linear, além da regra geral que já existia. Avançamos somente no BB e tivemos um modelo de valor adicional proporcional à rentabilidade nos privados.

Os bancos agora estão focando os acordos próprios e isso enfraquece os bancários. É muito importante lutarmos por uma PLR coletiva na CCT para não perdermos direitos como o fato dela ser universal.

Algumas proposições e percepções minhas para debate

Devemos caminhar para só discutirmos as cláusulas econômicas e sociais da CCT e da PLR geral durante a data-base (setembro).

Exemplos de direitos que precisam ser estendidos a todos os bancários: 5 dias de abono-assiduidade e porcentagem de pagamento linear (PLR como no BB) nos demais bancos.

Sou contrário às mesas concomitantes durante a data-base. Fortalecer a CCT deve ser a prioridade. Os direitos específicos são ADITIVOS a CCT.

Deve haver congressos dos bancos em outro período (por exemplo, março). O congresso viria seguido de todo o rito com pauta entregue, calendário de luta, mesa de negociação, assembleias, aceitação de avanços ou greve por banco.

Deve-se valorizar as mesas de negociação permanente com a estrutura que lhes acompanham, ou seja, os sindicatos (com OLT e mobilização) organizados nas federações, que indicam os membros das COE (Comissão Organizativa dos Empregados), que assessoram a Contraf-CUT nas negociações.

Direito de greve: devemos exigir e processar os bancos que não respeitarem seus funcionários colocando códigos de falta sem justificativa. É direito do bancário fazer greve e os bancos são obrigados a tipificar a falta corretamente.

William Mendes
Secretário de Imprensa da Contraf-CUT

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Crítica: São Bernardo (1934) - Graciliano Ramos




Leitura do livro de Graciliano Ramos e do ensaio de Lafetá sobre o livro

Análise crítica e discussão do ensaio “O mundo à revelia”, de João Luiz Lafetá (sobre São Bernardo, de Graciliano Ramos)


Introdução

Uma das principais questões a respeito da crítica literária é definirmos qual seria sua principal função. Ao longo de sua história – do século XIX até nossos dias – ela já serviu para discutir qual o papel da literatura, serviu para debater a própria arte literária, serviu para justificar alguns autores e obras e rejeitar outros (sob a ótica do status quo), teve o importante papel de exegese, instigou grandes debates sobre a obra ser fechada em si mesma ou ter relação com o mundo exterior e seu contexto e, nos dias atuais, já é confundida como apresentadora de bons ou maus produtos para o consumidor de livros.

Acredito que um dos papéis da crítica literária seja o de facilitar a leitura de uma obra, de modo a fazer o leitor chegar o mais próximo possível daquilo que o autor procura transmitir. É evidente que a leitura, do ponto de vista de cada leitor, sempre terá algo de subjetivo. Porém, uma boa crítica literária pode ajudar sobremaneira no percurso da leitura de uma obra. Essa ajuda ao leitor pode ocorrer antes, durante ou após a leitura da obra.

Com a mercantilização capitalista da literatura contemporânea, a crítica literária ficou um pouco prejudicada, pois o que mais temos hoje são resenhas e resenhistas ao invés de críticos literários. Passou-se a confundir resenhas e indicação de livros para aquisição nas mega livrarias com análise da obra e técnicas literárias envolvidas em sua confecção.


O ensaio de Lafetá

O texto do autor é dividido em cinco partes.

1. Dois capítulos perdidos

Lafetá se desculpa da paráfrase longa (justificada pela fascinação ao estilo) e destaca a qualidade da técnica narrativa:

“o que ressalta primeiro, naturalmente, é a maneira direta de tratar o assunto. Há algo para ser dito e se vai até lá sem rodeios, há um projeto a ser cumprido e se tenta cumpri-lo de imediato” - e observa adiante:  “energia – é o que ressuma destas três primeiras páginas”.

O leitor é jogado “diretamente na ação, no meio dos fatos”.

Lafetá explica que o personagem narrador Paulo Honório surge quase por inteiro no primeiro capítulo, sem dizer explicitamente ao leitor que é “um homem empreendedor, dinâmico, dominador, obstinado, que concebe uma empresa, trata de executá-la, utiliza os outros para isso e não se desanima com os fracassos”.

Ou seja, leitor, esse é o “eu” da história: “à imagem de seu estilo, é direto e sem rodeios, concentrado sobre si mesmo e sobre seu trabalho, decidido, brusco”.

Ao contrário da opinião do narrador da história, o crítico afirma não terem sido os dois capítulos perdidos:

Sua figura dominadora e ativa está criada. Fomos já introduzidos em seu mundo... um mundo que se curva à sua vontade”.

Conclui a primeira parte do ensaio destacando a coesão da técnica narrativa “totalmente imbricados surgem, à nossa frente personagem e ação. Paulo Honório nasce de cada ato, mas cada ato nasce por sua vez de Paulo Honório... este caráter compacto e dinâmico, esta ligação íntima entre o homem e o ato (espelhada pela linguagem direta, brutal, econômica, pelo ritmo rápido dos dois capítulos), esta interação entre o ser e o fazer vão compor a construção do romance”.


2. A posse de São Bernardo

Explicando a distinção teórica entre “sumário narrativo” e “cena”, os dois modos básicos de narrar, Lafetá relaciona o uso do sumário inicial não para destacar vários eventos em um tempo vasto e sim para marcar a atitude do narrador “sem nenhuma análise psicológica, mas graças à modulação do tom narrativo, ficamos conhecendo o caráter violento e maciço do herói”.

Durante os primeiros capítulos, vemos a história do protagonista ser narrada de seu nascimento até a conquista da fazenda São Bernardo, entre os capítulos três a oito, através de maior uso de sumários, onde a velocidade do tempo narrativo é acelerada. Lafetá explica a perfeição do casamento personagem/ação:

Daí a coesão da narrativa, que une indissoluvelmente personagem e ação. Pois Paulo Honório, representante da modernidade que entra no sertão brasileiro, é o emblema complexo e contraditório do capitalismo nascente, empreendedor, cruel, que não vacila diante dos meios e se apossa do que tem pela frente, dinâmico e transformador. ‘A construção de um burguês: eis o conteúdo da primeira parte de São Bernardo’. Observou com acerto Carlos Nelson Coutinho”.

Cabe aqui uma informação importante de Antonio Candido quando diz em seu texto “Crítica e sociologia” que é preciso parcimônia para não exagerar na ideia de que a relação obra e ambiente é indispensável, como também não afirmar o contrário, de que não deve haver vínculo algum:

É o que tem ocorrido com o estudo da relação entre a obra e o seu condicionamento social, que a certa altura do século passado chegou a ser vista como chave para compreendê-la, depois foi rebaixada como falha de visão...”.

Vendo a forma como Graciliano Ramos constrói São Bernardo, é possível perceber o que explica o professor Antonio Candido, pois o contexto externo, social, se transforma em construção interna na obra, o que colabora para a economia da mesma e dá sentido na forma como o personagem-narrador apresenta a sua história:

Hoje sabemos que a integridade da obra não permite adotar nenhuma dessas visões dissociadas; e que só a podemos entender fundindo texto e contexto numa interpretação dialeticamente íntegra, em que tanto o velho ponto de vista que explicava pelos fatores externos, quanto o outro, norteado pela convicção de que a estrutura é virtualmente independente, se combinam como momentos necessários do processo interpretativo. Sabemos, ainda, que o externo (no caso, o social) importa, não como causa, nem como significado, mas como elemento que desempenha um certo papel na constituição da estrutura, tornando-se, portanto, interno”.

Outra técnica narrativa interessante apontada pelo crítico nesta segunda parte são as marcações temporais, como cronômetro, para gerar o efeito de crueldade e frieza com que o personagem alcança seu objetivo de tomar São Bernardo e ser seu novo dono.

Esse momento decisivo no romance é contado em cena com uma forte tensão na hora da negociação entre dívida e preço final da fazenda.

Lafetá cita V. Propp para comparar a primeira parte do romance às técnicas dos contos populares onde temos os heróis com danos a resolver ou carências a suprir. Paulo Honório irá até o capítulo oito para resolver os problemas inerentes a aquisição e estabilização da fazenda São Bernardo.


3. Madalena


Começa outro núcleo do romance. A cena passa a ser dominante. Vem agora a busca de outra posse: Madalena.

A chave do novo núcleo surge de um novo desejo do protagonista: “Amanheci um dia pensando em casar”.

A observação de Lafetá sobre a técnica de trazer o algo a mais, mesmo em uma linguagem precisa e seca, é fantástica: “A comparação entre d. Marcela e Madalena liquida, para Paulo Honório, o valor da primeira... Mas, se d. Marcela foi afastada, é a vez de Madalena penetrar nas suas preocupações; o terceiro olhar (a terceira notação) mostra não apenas a observação fria do primeiro ou a aprovação tácita do segundo, mas um certo grau de envolvimento e de fascinação: ‘A loura tinha a cabecinha inclinada e as mãozinhas cerradas, lindas mãos, linda cabeça.’ O diminutivo (mãozinhas, cabecinha) não descreve apenas, imprime à descrição um certo grau de afetividade que a repetição do adjetivo (lindas, linda) vem reforçar”.

A diferença de interesse do personagem está na linguagem para referir-se às duas raparigas.

Ao final deste objetivo, impera a mesma manipulação para apossar-se das coisas. Tudo se curva às suas vontades. O que seria um ano para o casamento se converte em uma semana.


4. Dínamo emperrado


Lafetá segue explicando a subordinação dos elementos do romance à ação e ao personagem.

Cita Antonio Candido ao lembrar a força do sentimento de propriedade que perpassa pelo enredo do romance: “De fato, o sentimento de propriedade constitui um dos elementos temáticos que unificam o livro. Paulo Honório, afirma Antonio Candido, ‘é modalidade de uma força que o transcende e em função da qual vive: o sentimento de propriedade' ”.

Aqui chegamos onde gostaríamos, que é discutir o que Candido fala a respeito da relação entre texto e contexto em seu “Crítica e Sociologia”. Lafetá observa a analogia inevitável das características internas do romance com as externas contextuais.

Se alinharmos todas as características examinadas – ação, energia, objetividade, dinamismo, capacidade transformadora e sentimento de propriedade – torna-se inevitável o surgimento de uma analogia entre o herói e a burguesia como classe”.

O crítico afirma “que Paulo Honório simboliza, no interior do romance, a força modernizadora que atualiza de forma devastante o universo de São Bernardo”.

A mesma relação de precificação das coisas, das posses de Paulo Honório – São Bernardo, Margarida, Madalena – é “Uma das mais sérias consequências da produção para o mercado (característica do capitalismo) é o afastamento e a abstração de toda qualidade sensível das coisas, que é substituída na mente humana pela noção de quantidade. O valor-de-uso que toda mercadoria possui é distanciado e tornado implícito pela produção de valores-de-troca”. (Ler AQUI sobre essa questão em Marx)

Veja aqui uma cena onde o proprietário fala da aquisição e remessa de Margarida, aquela que fez a vez de sua mãe e que estava desaparecida: “Ó Gondim, já que tomou a empreitada, peça ao vigário que escreva ao padre Soares sobre a remessa da negra... É conveniente que a mulher seja remetida com cuidado, para não se estragar na viagem”.

Lafetá fala da reificação das coisas do mundo na produção capitalista (contexto) e mostra como isso está relacionado ao modo de ver o mundo do personagem Paulo Honório (interno):

O homem reificado é este aleijão que ele (protagonista) nos descreve e vemos por toda parte: o coração miúdo e uma boca enorme, dedos enormes. O sentimento de propriedade, que unifica todo o romance do qual o ciúme é apenas uma modalidade, distorce o homem desta maneira radical. A vida agreste, que o fez agreste, é a culpada por Paulo Honório não ser capaz de enxergar Madalena. A vida agreste são as lutas pela propriedade, pelo rebanho, pelas plantações de algodão e mamona, pelo poder e pelo capital. O homem agreste é aquele ser no qual se transformou Paulo Honório”.

À medida em que o protagonista defende seus interesses econômicos, aumentam os conflitos com Madalena. Ela se espanta com as atitudes dele e ele se surpreende do espanto dela.

O crítico destaca bem as três partes da história com forte marcação temporal: a compra de São Bernardo; a conquista de Madalena; o diálogo final na capela antes da morte de Madalena.


5. Narrativa e busca

Análise esplêndida fez Lafetá neste desfecho onde a perda do controle do mundo por Paulo Honório (com a morte de Madalena e a revolução) se mostra até na forma com que narra sua história.

O protagonista, ao final de sua narrativa, não manda em mais nada. Até o rumo de seus passos é decidido por suas pernas e não por ele mesmo:

E os meus passos me levavam para os quartos como se procurassem alguém”.

Como diz o crítico: “É, enfim, o mundo à revelia, fora de seu controle”.

Lafetá explica a duplicidade temporal que marca o romance: os capítulos um, dois e trinta e seis (e também o dezenove) estão no tempo da enunciação; os demais estão no tempo do enunciado (os eventos que ocorreram).

Fica evidente a diferença de velocidade e a linguagem dos tempos distintos: linguagem seca e tempo rápido no tempo do enunciado; linguagem de lamentação elegíaca e compasso lento no tempo da enunciação.

O que seria a busca? Como diz Lukács sobre o romance “é a história da busca de valores autênticos por um personagem problemático, dentro de um universo vazio e degradado, no qual desapareceu a imanência do sentido à vida”.


Bibliografia

CANDIDO, Antonio. “Crítica e Sociologia”, in: Literatura e Sociedade. Coleção grandes nomes do pensamento brasileiro. Publifolha, 2000.

RAMOS, Graciliano. São Bernardo. 74ª edição. Editora Record, RJ 2002.


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Post Scriptum (14/4/19):

No fim de semana de 13 e 14 de abril, reli esta postagem, que me levou a reler o livro pela terceira vez - li entre a manhã e a noite de sábado 13. Fiz postagem a respeito do livro (ler AQUI) e reli o texto de Lafetá, estudando com atenção; e revisei esta postagem de crítica. O processo me gerou bastante reflexão.