domingo, 30 de setembro de 2012

Filme: Fitzcarraldo - Werner Herzog, 1982

Capa da coleção Folha.


FILME: FITZCARRALDO – WERNER HERZOG

SINOPSE (da Coleção Folha Cine Europeu)

Fitzcarraldo

O obstinado irlandês Fitzcarraldo (Klaus Kinski) tem um sonho: construir uma casa de ópera em plena selva amazônica. Mas, para chegar a uma área onde poderá explorar borracha e obter o dinheiro necessário, ele terá que transportar um navio morro acima. “Fitzcarraldo” reflete a personalidade do diretor alemão Werner Herzog (1942). 

Rebelde por natureza, o alemão tem fascinação por homens que, tomados por uma obsessão, desafiam uma natureza hostil. Baseado em história real do século 19 e ponto alto da parceria entre Herzog e Kinski, “Fitzcarraldo” teve uma das filmagens mais tumultuadas da história. A impressionante cena do navio foi feita sem efeitos especiais.
  • Diretor: Werner Herzog
  • Nacionalidade: Alemanha
  • Filme: Fitzcarraldo
  • Duração: 157 min.
  • Nacionalidade: Ale/Peru
  • Gênero: Drama
  • Ano: 1982
  • Protagonista: Klaus Kinski, Claudia Cardinale, José Lewgoy
  • Aúdio: Alemão 2.0
  • Legendas: Português
  • Formato da tela: Widescreen Anamórfico 1.66:1

Um dos posters do filme.


SINOPSE (da Wikipedia)

Brian Sweeney Fitzgerald ("Fitzcarraldo", na pronúncia dos nativos), fã do tenor italiano Enrico Caruso, sonha em construir uma casa de ópera na remota cidade de Iquitos, no alto Amazonas. Fitzgerald já havia investido numa Estrada de Ferro, a Transandina, e falhara. Tentava conseguir os recursos com um novo empreendimento, uma fábrica de gelo. Graças a esses negócios improváveis, ele foi chamado de "Conquistador do Inútil". Finalmente, consegue dinheiro de sua amante, dona do bordel da cidade, e compra um grande barco fluvial, tentando encontrar uma nova rota para transportar a borracha, de terras que conseguiu a autorização governamental para explorar.
Com o navio, Fitzgerald se dirige ao local onde quer explorar a borracha. Alucinado, transpõe morros e matas com o barco, à custa de vidas humanas e muito sofrimento.

Cena fantástica do filme. Ela é real.

COMENTÁRIOS

O filme me fez pensar sobre a questão dos grandes feitos dos homens e os custos evidentes destes feitos, ou para a própria pessoa ou para os outros.

Por que vivemos em um mundo com voos intercontinentais e com tudo quanto é parafernalha tecnológica que facilita a existência humana em relação ao nosso próprio meio ambiente?

Porque desde a mais tenra origem animal humanoide que evoluiria ao atual homo sapiens sapiens existem pessoas que não se importaram com nenhum limite teórico preconizado e saíram em busca de superar a impossibilidade aparente por uma nova possibilidade apoiada por uma máquina ou algum conhecimento humano novo.

Essa coisa que são os humanos é sempre fascinante – para o bem e para o mal. O ser humano tanto pode superar todos os limites para destruir a tudo e a todos em busca de um desejo como pode criar maravilhas capazes de salvar milhões e milhões de seres vivos.

A ópera de Caruso é o antídoto para o rufar dos tambores dos índios.

A feitura do filme deve ter sido algo estupendo e acredito ser verdadeiro tudo o que li e pesquisei sobre os exageros do diretor Werner Herzog. Mas o filme nos deixa vidrado durante seus 157 minutos em meio à Floresta Amazônica, aos rios caudalosos de lá, e é claro, às óperas interpretadas por Caruso.

Não tive ainda a oportunidade de estar algum tempo em Manaus, apenas sobrevoei e pousei lá. Mas a magnitude das águas e da floresta nos deixa reflexivos sobre a nossa condição humana e sobre o cuidado que devemos ter com aquele ambiente.


É um belo filme e creio que vou colocá-lo de vez em quando no vídeo para ver um pouco das imagens. Dez!

Três tesouros perdidos - Machado de Assis


CONTOS DE MACHADO DE ASSIS, 1858 (1)

Sou um dos apaixonados pela obra de Machado de Assis. Ela é extensa e há sempre algo a desvendar e conhecer. Acabei de ler um conto que não conhecia. É de 1858 e foi publicado originalmente no jornal A Marmota.

CURIOSIDADES:

Talvez valha a pena destacar para os jovens leitores o que seria um cabriolé - uma espécie de veículo puxado a cavalo. O conto também faz referência ao Tiradentes - considerado mártir da "independência" do Brasil. Por fim, entre os anos de 1855 e 1861 Machado publicou textos literários neste periódico que circulou na corte fluminense.

NOMES MACHADIANOS

Neste primeiro conto publicado por Machado ainda em 1858, não temos os destaques dos nomes das personagens. Aqui, o sr. X se surpreende com a presença em sua casa do sr. F casado com a dona E. O sr. F tem por amigo P.

Essa técnica no romance traz uma ambientação que o autor usou também nas crônicas para dar certo sentido de verdade nos casos narrados.

Eis aí um modelo de cabriolé que chegou ao RJ em meados do século XIX.

TRÊS TESOUROS PERDIDOS

Uma tarde, eram quatro horas, o sr. X... voltava à sua casa para jantar. O apetite que levava não o fez reparar em um cabriolé que estava parado à sua porta. Entrou, subiu a escada, penetra na sala e... dá com os olhos em um homem que passeava a largos passos como agitado por uma interna aflição.
Cumprimentou-o polidamente; mas o homem lançou-se sobre ele e com uma voz alterada, diz-lhe:
— Senhor, eu sou F..., marido da senhora Dona E...
— Estimo muito conhecê-lo, responde o sr. X...; mas não tenho a honra de conhecer a senhora Dona E...
— Não a conhece! Não a conhece! ... quer juntar a zombaria à infâmia?
— Senhor!...
E o sr. X... deu um passo para ele.
— Alto lá!
O sr. F... , tirando do bolso uma pistola, continuou:
— Ou o senhor há de deixar esta corte, ou vai morrer como um cão!
— Mas, senhor, disse o sr. X..., a quem a eloquência do sr. F... tinha produzido um certo efeito, que motivo tem o senhor?...
— Que motivo! É boa! Pois não é um motivo andar o senhor fazendo a corte à minha mulher?
— A corte à sua mulher! não compreendo!
— Não compreende! oh! não me faça perder a estribeira.
— Creio que se engana...
— Enganar-me! É boa! ... mas eu o vi... sair duas vezes de minha casa...
— Sua casa!
— No Andaraí... por uma porta secreta... Vamos! ou...
— Mas, senhor, há de ser outro, que se pareça comigo...
— Não; não; é o senhor mesmo... como escapar-me este ar de tolo que ressalta de toda a sua cara? Vamos, ou deixar a cidade, ou morrer... Escolha!
Era um dilema. O sr. X... compreendeu que estava metido entre um cavalo e uma pistola. Pois toda a sua paixão era ir a Minas, escolheu o cavalo.
Surgiu, porém, uma objeção.
— Mas, senhor, disse ele, os meus recursos...
— Os seus recursos! Ah! tudo previ... descanse... eu sou um marido previdente.
E tirando da algibeira da casaca uma linda carteira de couro da Rússia, diz-lhe:
— Aqui tem dois contos de réis para os gastos da viagem; vamos, parta! parta imediatamente. Para onde vai?
— Para Minas.
— Oh! a pátria do Tiradentes! Deus o leve a salvamento... Perdôo-lhe, mas não volte a esta corte... Boa viagem!
Dizendo isto, o sr. F... desceu precipitadamente a escada, e entrou no cabriolé, que desapareceu em uma nuvem de poeira.
O sr. X... ficou por alguns instantes pensativo. Não podia acreditar nos seus olhos e ouvidos; pensava sonhar. Um engano trazia-lhe dois contos de réis, e a realização de um dos seus mais caros sonhos. Jantou tranquilamente, e daí a uma hora partia para a terra de Gonzaga, deixando em sua casa apenas um moleque encarregado de instruir, pelo espaço de oito dias, aos seus amigos sobre o seu destino.
No dia seguinte, pelas onze horas da manhã, voltava o sr. F... para a sua chácara de Andaraí, pois tinha passado a noite fora.
Entrou, penetrou na sala, e indo deixar o chapéu sobre uma mesa, viu ali o seguinte bilhete:
“Meu caro esposo! Parto no paquete em companhia do teu amigo P... Vou para a Europa. Desculpa a má companhia, pois melhor não podia ser. — Tua E...”
Desesperado, fora de si, o sr. F... lança-se a um jornal que perto estava: o paquete tinha partido às oito horas.
— Era P... que eu acreditava meu amigo... Ah! maldição! Ao menos não percamos os dois contos! Tornou a meter-se no cabriolé e dirigiu-se à casa do sr. X..., subiu; apareceu o moleque.
— Teu senhor?
— Partiu para Minas.
O sr. F... desmaiou.
Quando deu acordo de si estava louco... louco varrido!
Hoje, quando alguém o visita, diz ele com um tom lastimoso:
— Perdi três tesouros a um tempo: uma mulher sem igual, um amigo a toda prova, e uma linda carteira cheia de encantadoras notas... que bem podiam aquecer-me as algibeiras!...
Neste último ponto, o doido tem razão, e parece ser um doido com juízo.

FIM

sábado, 29 de setembro de 2012

Filme: A Doce Vida - Federico Fellini, 1960

Capa do filme da coleção da Folha.


Filme: A Doce Vida – Federico Fellini, 1960


(sinopse da Coleção Folha de Cine Europeu)


A Doce Vida

Na Roma dos anos 1950, o jornalista de fofocas Marcello (Marcello Mastroianni) passa os dias entre festas e badalações, mas sente-se vazio e sonha em escrever sobre assuntos sérios. Esta é “A Doce Vida” de Federico Fellini (1920–1993), monumento da grandeza do cinema italiano dos anos 1960.

O diretor começou a carreira dentro da tradição Neorrealista, mas com este drama inaugurou o estilo “felliniano”, termo que descreve situações e personagens exagerados e extravagantes. O filme inicia a longa parceria entre Fellini e Mastroianni e fez história com sua estrutura moderna e fragmentada, enfatizando imagens fantásticas e barrocas. A cena de Anita Ekberg na Fontana de Trevi entrou para a história.

Diretor: Federico Fellini
Nacionalidade: Itália
Filme: A Doce Vida
Duração: 174 min.
Nacionalidade: Itália
Gênero: Drama
Ano: 1960
Protagonista: Marcello Mastroianni, Anouk Aimée, Anita Ekberg, Magali Nöel
Áudio: Italiano 5.1
Legendas: Português
Formato da tela: Widescreen Anamórfico 1.66:1


Sinopse da Wikipedia (cuidado, pois revela partes do filme)

Sinopse
O filme passa-se em Roma e conta a história de Marcello Rubini, um jornalista especializado em histórias sensacionalistas sobre estrelas de cinema, visões religiosas e a aristocracia decadente, que passa a cobrir a visita da atriz hollywoodiana Sylvia Rank, por quem fica fascinado.
Através dos olhos deste personagem, Fellini mostra uma Roma moderna, sofisticada, mas decadente, com os sinais da influência estadunidense. O repórter é um homem sem compromisso, que se relaciona com várias mulheres: a amante ciumenta, a mulher sofisticada em busca de aventura, e a atriz de Hollywood, com a qual passeia por Roma, culminando no ponto alto do filme, a famosa sequência da Fontana di Trevi. (vale a pena clicar no link e ler sobre a fonte dos trevos)
Outra sequência famosa do filme é a da abertura, na qual o jornalista, num helicóptero que transporta uma estátua de Jesus até o Vaticano, encontra uma mulher tomando sol numa cobertura e pergunta pelo seu número de telefone. O barulho dos motores impede que ambos possam se entender. A temática da falta de comunicação se repete ao longo de todo o filme.
Dentre os momentos mais importantes do filme, está aquele no qual duas meninas atraem uma multidão, ao fingirem ver uma aparição da Virgem Maria nos subúrbios de Roma; e quando o personagem Steiner, um intelectual e colega de Marcello, que vive com a sua família numa aparente harmonia, comete o assassinato dos seus próprios filhos (um casal de crianças) e se suicida em seguida. Após a morte de Steiner, Marcello embarca numa vida de orgias e, numa destas ocasiões, pela manhã, caminha pela praia em busca de um monstro marítimo morto, o final simbólico do filme.

Fontana di Trevi - fonte: Wikipedia.

COMENTÁRIOS E IMPRESSÕES

Assisti ao filme esta semana. São praticamente três horas de grandes cenários entre castelos e monumentos e fortes críticas, já nos anos 60, a uma sociedade burguesa vazia e inútil, consumidora de luxo e extravagâncias em meio aos miseráveis e não incluídos na sociedade.

O filme de Federico Fellini aborda a alta sociedade italiana no pós-guerra.

É engraçada a sensação que tive ao assistir algo dos anos 60 que me trouxe a mesma impressão que senti em 2009 quando estive na Itália e andei por duas semanas pelas ruas de Turim.

Me pareceu que o povo ali, pelo menos na cidade burguesa de Turim, vive alheio ao resto do mundo. Tudo é muito bonito, limpo, lindo. As ruas, as pessoas, as coisas. No entanto, a Itália vive hoje uma crise econômica fortíssima e dá a impressão quando vemos os programas de televisão de lá que está tudo às mil maravilhas.

Quando visitei Milão, teve uma cena que fotografei. Estou acostumado a ver aquilo por aqui. Lá é a mesma merda, infelizmente. Havia um senhor na entrada da famosa Galeria Vittorio Emanuele II de 1867 procurando algo na cesta de lixo. A postagem faz referência a “Opulência e Beleza”. Ali diz a sensação que senti na visita à Itália e que relembrei durante a sessão do filme de Fellini.

Anita Ekberg, a diva.

BELEZAS DO FILME

- a cena de Anita Ekberg na Fontana di Trevi realmente é algo magistral. Vale a pena clicar no link acima e ler sobre a história da fonte romana.

- outro belo momento do filme é quando o amigo intelectual do jornalista toca no órgão de uma bela igreja “Tocata e Fuga” de Bach.

- a tomada aérea da cidade de Roma, se aproximando da cidade do Vaticano é muito legal.

- eu gosto muito de filmes preto e branco. Várias cenas tomadas nos cenários romanos me agradaram muito.


FINALIZANDO...

O próprio título do filme é uma forte e irônica crítica a toda a decadência da burguesia italiana e da cópia do estilo americano de ser.

O que é pior... tão atual!!!

domingo, 23 de setembro de 2012

Filme: “A árvore da vida” (2011) de Terrence Malick

Poster do filme.


Sentidos em “A árvore da vida” (2011) de Terrence Malick

SINOPSE (Wikipedia)

The Tree of Life é um filme estadunidense de 2011, escrito e dirigido por Terrence Malick e estrelado por Brad Pitt, Sean Penn e Jessica Chastain. O filme mostra as origens e o significado da vida através dos olhos de uma família da década de 1950 noTexas, tendo temas surrealistas e imagens através do espaço e o nascimento da vida na Terra. The Tree of Life estreou no dia 16 de maio no Festival de Cannes, vencendo a Palma de Ouro de Melhor Filme, depois de ter sido desenvolvido por Malick há décadas e ter sido adiado várias vezes. Foi lançado no dia 27 de maio de forma limitada nos Estados Unidos, recebendo críticas muito positivas e elogios aos seus aspectos técnicos e méritos artísticos.


SENTIDOS...

Imagem, imagens, sons, perguntas...


Qual seria o sentido do filme A árvore da vida? Qual seria o sentido da vida?

Eu não sei por que tanta gente não compreendeu o filme. Ou melhor, o filme é para ser sentido e, ao longo dos seus 140 minutos, o telespectador vai contatar sua árvore da vida em suas reminiscências e visões de mundo e da existência.

Foram 140 minutos em que vi imagens na tela que me levaram às imagens e perguntas de minha existência.


“Na vida há dois caminhos a seguir: o da Graça e o da Natureza” foi o que ensinaram na infância para aquela típica mulher de família (Jessica Chastain) e mãe de três filhos num Estados Unidos dos anos 50 (American way of life e self made man).


Este telespectador que vos fala ficou vidrado no filme o tempo todo.


VIAJEM NAS IMAGENS!

Espaço sideral, fundos de rios e mares, interior dos corpos, da Terra...


Durante 2/3 de minha existência, acreditei na concepção da vida com explicações metafísicas das religiões. Hoje, entendo tudo isso como mitologias necessárias aos humanos em diferentes estágios de suas vidas.

Até vinte e poucos anos, alimentei o desejo de deixar meu corpo físico e sair em busca do conhecimento de tudo, de todo o Universo. Na época, eu cria em vida após a morte, que éramos mais que corpo físico, que tinha um corpo astral etc.

O tempo inteiro, o filme me permitiu viajar – como se fosse aquele ser consciente sem corpo físico que desejei no passado. Viajar pelos lugares que sonhava. Fui no espaço, fui no interior dos corpos, viajei no tempo, vi dinossauros, mergulhei, vi vulcões, a Terra em formação. Viajei!

Poster do filme.

A ÁRVORE DA (MINHA) VIDA

Em família, em sociedade. Os porquês, why?...


Além de me proporcionar a viagem pelos mundos possíveis, durante os 140 minutos de filme também busquei respostas às perguntas ecoadas na cabeça do filho mais velho Jack (Sean Penn), da mãe (Jessica Chastain), do próprio diretor (Malick)...

Minha criação com meus pais, meus problemas adolescentes com meu pai, os problemas adolescentes de meu filho, os choros de minha mãe, de meu pai, os meus, os do meu filho, os da mãe dele... A árvore da vida segue...


A MUDANÇA TRAUMÁTICA NA INFÂNCIA

Na minha, na de meu pai, na de meu filho, na de todo mundo...


Aquela cena da família O’Brien deixando a casa e os garotos olhando para trás... o mundo deles mudando.

Meu pai já me contou isso em sua vida: a partida e a mudança na infância e adolescência.

Nunca me esqueci de minha partida deixando meu mundo aos 10 anos de idade, meus amigos, minha casa. Aos 17 anos deixei de novo meu mundo, meus pais...

Meu filho deixou seu antigo mundo aos 5 anos...

Um mundo de partidas. Uma vida de mundos partidos.

Poster do filme.

AS FRUSTRAÇÕES DE NÃO TER SIDO

O Sr. O’Brien não foi músico, não fui intelectual nem professor...


Me lembro de quando era garoto de meu pai dizendo que eu deveria sempre andar com os bons pra vencer na vida.

O conceito que aquele homem simples que fora padeiro, vendedor de enciclopédias da Barsa e taxista tinha de ‘os bons’ significava que era pra eu andar com os burgueses.

Eu tentei por algumas vezes, mas eu sempre tive nojo de burguês. Acabei indo andar com gangues e com a molecada pobre de onde vivi na adolescência.

Meu pai queria que eu fosse presidente (acho que presidente de alguma coisa). O Sr. O’Brien (Brad Pitt) queria ser músico. Eu quis ser uma espécie de intelectual (talvez um professor universitário).

Na verdade acabei sendo bancário e depois sindicalista. Não fui contador. Não fui professor de educação física. Não fui professor de letras.


O ENCONTRO DE PASSADO E PRESENTE NO FILME

Visões entre pais e filhos no ontem e no amanhã...


O filme encontra o filho Jack no presente com seus pais no passado. A busca da compreensão. A busca do perdão.

Na viagem, no tempo, na nossa árvore da vida, é possível ver meu jovem pai, meu velho filho olhando pra trás e vendo o jovem pai, as tristezas... a compreensão tardia, a dor..., o perdão. O mundo, o Universo, a eterna árvore da vida...


PS (POST SCRIPTUM)
Gostei muito de uma crítica que encontrei na internet de Thiago Siqueira do site Cinema com Rapadura. Vale a pena a leitura.
http://cinemacomrapadura.com.br/criticas/221712/a-arvore-da-vida-o-poder-da-setima-arte-em-obra-existencialista/

Visita ao CCBB SP: Impressionismo - Paris e a Modernidade

Le Bassin aux Nymphéas, Harmonie Verte, 1899, Claude Monet


Neste sábado, visitamos o CCBB SP. Eu estava devendo para minha esposa irmos à exposição dos impressionistas que está para terminar daqui a duas semanas (em 7 de outubro).

Jeunes Filles au Piano, 1892, Pierre-Auguste Renoir 

Já havia passado pelo CCBB algumas vezes nestes dias da exposição com filas bem pequenas, mas não era justo eu ir sozinho sem combinar em casa.

Régates à Argenteuil, 1872, Claude Monet

Olha amig@s, ficamos 2 horas e quarenta minutos na fila. Eu fiquei quebrado pela espera. Apesar da demora, entramos e valeu a pena!

La Salle de Danse à Arles, 1888, Vincent Van Gogh

Só a arquitetura do prédio é uma atenção à parte. É maravilhoso! A gente percebe as pessoas admirando o prédio, além da exposição em si.

Vejam o interior do CCBB SP. Aqui temos o teto com os lances dos andares.

Eu gosto muito do estilo de Cézanne, Gauguin e Van Gogh. Minha esposa tem preferência por Renoir e Monet. Mas gostamos muito do impressionismo. Além do estilo de pinceladas fortes e rápidas, me encanta o pontilhismo.

Nature Morte à la Soupièree, 1877, Paul Cézanne

A ARTE E O PÚBLICO

A questão que mais me emocionou e agradou, foi ver tanta gente simples na exposição. O povo brasileiro é um grande apreciador de arte. Acho uma bobagem os pseudo-intelectuais ficarem falando mal das pessoas simples.

Palais des papes avignon - Paul Signac

Obrigado CCBB e Banco do Brasil pela exposição gratuita. As obras são de encher os olhos e permitir que as pessoas de todas as classes sociais possam desfrutar disso é um ponto positivo pra vocês.

CCBB SP - o prédio é de 1901, adquirido pelo BB no século 20 e
virou centro cultural  a partir de 2001.


Fonte de algumas imagens dos quadros: site Casa Vogue.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Teoria do medalhão - Conto de Machado de Assis, 1881


Machado de Assis. Foto de Marc Ferrez.

Por que reli o conto? Por acaso, a esmo.

Terminado o primeiro dia de greve da categoria bancária, resolvi ler um conto machadiano após chegar a minha casa por volta das 22 horas.

Escolhi a esmo o livro de Machado de Assis "Papeis Avulsos I" porque eu havia separado o livro para meu filho ler o conto O Alienista (por pedido da escola). O jovem acabou não lendo o texto sugerido pela escola, pois os jogos eletrônicos são mais importantes que as obrigações da escola.

Qual a temática do conto?

A história narra um diálogo entre pai e filho na noite em que o filho completa a maioridade civil, 21 anos. As recomendações que o pai passa para o jovem são nojentas e imbecis, algo igual ou pior que os conceitos profissionais do tal Max Gehringer (programa televisivo semanal): seja uma pessoa vazia, sem ideias, não pense por conta própria e reproduza sempre as ideias dos outros ou ideias que já caíram no senso comum. (segredo de sucesso!)

Essa é a "Teoria do Medalhão" daquela sociedade brasileira carioca do século XIX na Corte Imperial. Engraçado, né! Estamos no século XXI, na sociedade contemporânea, e a teoria segue igual. Seja um "maria-vai-com-as-outras"; siga a moda; participe de algum grupinho e seja parecido com algo encaixado na sociedade:

"A aparência vale mais que o ser!"

Destaquei em negrito algumas frases e sugestões interessantes, feitas pelo pai de Janjão no conto.

Boa leitura!

William Mendes


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Post Scriptum (21/1/16):

Estou em férias e comprei um livro organizado pelo estudioso de Machado, John Gledson. Ele definiu 50 contos que entende serem fundamentais entre os quase 200 contos que Machado escreveu. Este está entre os escolhidos do estudioso.

Leitura atualizadíssima!


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TEORIA DO MEDALHÃO


Publicado originalmente em Gazeta de Notícias, em 1881

DIÁLOGO


— Estás com sono?
— Não, senhor.
— Nem eu; conversemos um pouco. Abre a janela. Que horas são?
— Onze.
— Saiu o último conviva do nosso modesto jantar. Com que, meu peralta, chegaste aos teus vinte e um anos. Há vinte e um anos, no dia 5 de agosto de 1854, vinhas tu à luz, um pirralho de nada, e estás homem, longos bigodes, alguns namoros...
— Papai...
— Não te ponhas com denguices, e falemos como dois amigos sérios. Fecha aquela porta; vou dizer-te coisas importantes. Senta-te e conversemos. Vinte e um anos, algumas apólices, um diploma, podes entrar no parlamento, na magistratura, na imprensa, na lavoura, na indústria, no comércio, nas letras ou nas artes. Há infinitas carreiras diante de ti. Vinte e um anos, meu rapaz, formam apenas a primeira sílaba do nosso destino. Os mesmos Pitt e Napoleão, apesar de precoces, não foram tudo aos vinte e um anos. Mas, qualquer que seja a profissão da tua escolha, o meu desejo é que te faças grande e ilustre, ou pelo menos notável, que te levantes acima da obscuridade comum. A vida, Janjão, é uma enorme loteria; os prêmios são poucos, os malogrados inúmeros, e com os suspiros de uma geração é que se amassam as esperanças de outra. Isto é a vida; não há planger, nem imprecar, mas aceitar as coisas integralmente, com seus ônus e percalços, glórias e desdouros, e ir por diante.
— Sim, senhor.
— Entretanto, assim como é de boa economia guardar um pão para a velhice, assim também é de boa prática social acautelar um ofício para a hipótese de que os outros falhem, ou não indenizem suficientemente o esforço da nossa ambição. É isto o que te aconselho hoje, dia da tua maioridade.
— Creia que lhe agradeço; mas que ofício, não me dirá?
— Nenhum me parece mais útil e cabido que o de medalhão. Ser medalhão foi o sonho da minha mocidade; faltaram-me, porém, as instruções de um pai, e acabo como vês, sem outra consolação e relevo moral, além das esperanças que deposito em ti. Ouve-me bem, meu querido filho, ouve-me e entende. És moço, tens naturalmente o ardor, a exuberância, os improvisos da idade; não os rejeites, mas modera-os de modo que aos quarenta e cinco anos possas entrar francamente no regime do aprumo e do compasso. O sábio que disse: “a gravidade é um mistério do corpo”, definiu a compostura do medalhão. Não confundas essa gravidade com aquela outra que, embora resida no aspecto, é um puro reflexo ou emanação do espírito; essa é do corpo, tão-somente do corpo, um sinal da natureza ou um jeito da vida. Quanto à idade de quarenta e cinco anos...
— É verdade, por que quarenta e cinco anos?
— Não é, como podes supor, um limite arbitrário, filho do puro capricho; é a data normal do fenômeno. Geralmente, o verdadeiro medalhão começa a manifestar-se entre os quarenta e cinco e cinquenta anos, conquanto alguns exemplos se deem entre os cinquenta e cinco e os sessenta; mas estes são raros. Há-os também de quarenta anos, e outros mais precoces, de trinta e cinco e de trinta; não são, todavia, vulgares. Não falo dos de vinte e cinco anos: esse madrugar é privilégio do gênio.
— Entendo.
— Venhamos ao principal. Uma vez entrado na carreira, deves pôr todo o cuidado nas ideias que houveres de nutrir para uso alheio e próprio. O melhor será não as ter absolutamente; coisa que entenderás bem, imaginando, por exemplo, um ator defraudado do uso de um braço. Ele pode, por um milagre de artifício, dissimular o defeito aos olhos da plateia; mas era muito melhor dispor dos dois. O mesmo se dá com as ideias; pode-se, com violência, abafá-las, escondê-las até à morte; mas nem essa habilidade é comum, nem tão constante esforço conviria ao exercício da vida.
— Mas quem lhe diz que eu...
— Tu, meu filho, se me não engano, pareces dotado da perfeita inópia mental, conveniente ao uso deste nobre ofício. Não me refiro tanto à fidelidade com que repetes numa sala as opiniões ouvidas numa esquina, e vice-versa, porque esse fato, posto indique certa carência de ideias, ainda assim pode não passar de uma traição da memória. Não; refiro-me ao gesto correto e perfilado com que usas expender francamente as tuas simpatias ou antipatias acerca do corte de um colete, das dimensões de um chapéu, do ranger ou calar das botas novas. Eis aí um sintoma eloquente, eis aí uma esperança. No entanto, podendo acontecer que, com a idade, venhas a ser afligido de algumas ideias próprias, urge aparelhar fortemente o espírito. As ideias são de sua natureza espontâneas e súbitas; por mais que as sofreemos, elas irrompem e precipitam-se. Daí a certeza com que o vulgo, cujo faro é extremamente delicado, distingue o medalhão completo do medalhão incompleto.
— Creio que assim seja; mas um tal obstáculo é invencível.
— Não é; há um meio; é lançar mão de um regime debilitante, ler compêndios de retórica, ouvir certos discursos, etc. O voltarete, o dominó e o whist são remédios aprovados. O whist tem até a rara vantagem de acostumar ao silêncio, que é a forma mais acentuada da circunspecção. Não digo o mesmo da natação, da equitação e da ginástica, embora elas façam repousar o cérebro; mas por isso mesmo que o fazem repousar, restituem-lhe as forças e a atividade perdidas. O bilhar é excelente.
— Como assim, se também é um exercício corporal?
— Não digo que não, mas há coisas em que a observação desmente a teoria. Se te aconselho excepcionalmente o bilhar é porque as estatísticas mais escrupulosas mostram que três quartas partes dos habituados do taco partilham as opiniões do mesmo taco. O passeio nas ruas, mormente nas de recreio e parada, é utilíssimo, com a condição de não andares desacompanhado, porque a solidão é oficina de ideias, e o espírito deixado a si mesmo, embora no meio da multidão, pode adquirir uma tal ou qual atividade.
— Mas se eu não tiver à mão um amigo apto e disposto a ir comigo?
— Não faz mal; tens o valente recurso de mesclar-te aos pasmatórios, em que toda a poeira da solidão se dissipa. As livrarias, ou por causa da atmosfera do lugar, ou por qualquer outra razão que me escapa, não são propícias ao nosso fim; e, não obstante, há grande conveniência em entrar por elas, de quando em quando, não digo às ocultas, mas às escâncaras. Podes resolver a dificuldade de um modo simples: vai ali falar do boato do dia, da anedota da semana, de um contrabando, de uma calúnia, de um cometa, de qualquer coisa, quando não prefiras interrogar diretamente os leitores habituais das belas crônicas de Mazade; 75 por cento desses estimáveis cavalheiros repetir-te-ão as mesmas opiniões, e uma tal monotonia é grandemente saudável. Com este regime, durante oito, dez, dezoito meses — suponhamos dois anos — reduzes o intelecto, por mais pródigo que seja, à sobriedade, à disciplina, ao equilíbrio comum. Não trato do vocabulário, porque ele está subentendido no uso das ideias; há de ser naturalmente simples, tíbio, apoucado, sem notas vermelhas, sem cores de clarim...
— Isto é o diabo! Não poder adornar o estilo, de quando em quando...
— Podes; podes empregar umas quantas figuras expressivas, a hidra de Lerna, por exemplo, a cabeça de Medusa, o tonel das Danaides, as asas de Ícaro, e outras, que românticos, clássicos e realistas empregam sem desar, quando precisam delas. Sentenças latinas, ditos históricos, versos célebres, brocardos jurídicos, máximas, é de bom aviso trazê-los contigo para os discursos de sobremesa, de felicitação, ou de agradecimento. Caveant, consules é um excelente fecho de artigo político; o mesmo direi do Si vis pacem para bellum. Alguns costumam renovar o sabor de uma citação intercalando-a numa frase nova, original e bela, mas não te aconselho esse artifício; seria desnaturar-lhe as graças vetustas. Melhor do que tudo isso, porém, que afinal não passa de mero adorno, são as frases feitas, as locuções convencionais, as fórmulas consagradas pelos anos, incrustadas na memória individual e pública. Essas fórmulas têm a vantagem de não obrigar os outros a um esforço inútil. Não as relaciono agora, mas fá-lo-ei por escrito. De resto, o mesmo ofício te irá ensinando os elementos dessa arte difícil de pensar o pensado. Quanto à utilidade de um tal sistema, basta figurar uma hipótese. Faz-se uma lei, executa-se, não produz efeito, subsiste o mal. Eis aí uma questão que pode aguçar as curiosidades vadias, dar ensejo a um inquérito pedantesco, a uma coleta fastidiosa de documentos e observações, análise das causas prováveis, causas certas, causas possíveis, um estudo infinito das aptidões do sujeito reformado, da natureza do mal, da manipulação do remédio, das circunstâncias da aplicação; matéria, enfim, para todo um andaime de palavras, conceitos, e desvarios. Tu poupas aos teus semelhantes todo esse imenso aranzel, tu dizes simplesmente: Antes das leis, reformemos os costumes! — E esta frase sintética, transparente, límpida, tirada ao pecúlio comum, resolve mais depressa o problema, entra pelos espíritos como um jorro súbito de sol.
— Vejo por aí que vosmecê condena toda e qualquer aplicação de processos modernos.
— Entendamo-nos. Condeno a aplicação, louvo a denominação. O mesmo direi de toda a recente terminologia científica; deves decorá-la. Conquanto o rasgo peculiar do medalhão seja uma certa atitude de deus Término, e as ciências sejam obra do movimento humano, como tens de ser medalhão mais tarde, convém tomar as armas do teu tempo. E de duas uma: — ou elas estarão usadas e divulgadas daqui a trinta anos, ou conservar-se-ão novas: no primeiro caso, pertencem-te de foro próprio; no segundo, podes ter a coquetice de as trazer, para mostrar que também és pintor. De oitiva, com o tempo, irás sabendo a que leis, casos e fenômenos responde toda essa terminologia; porque o método de interrogar os próprios mestres e oficiais da ciência, nos seus livros, estudos e memórias, além de tedioso e cansativo, traz o perigo de inocular ideias novas, e é radicalmente falso. Acresce que no dia em que viesses a assenhorear-te do espírito daquelas leis e fórmulas, serias provavelmente levado a empregá-las com um tal ou qual comedimento, como a costureira — esperta e afreguesada — que, segundo um poeta clássico,
Quanto mais pano tem, mais poupa o corte,
Menos monte alardeia de retalhos;
e este fenômeno, tratando-se de um medalhão, é que não seria científico.
— Upa! que a profissão é difícil!
— E ainda não chegamos ao cabo.
— Vamos a ele.
— Não te falei ainda dos benefícios da publicidade. A publicidade é uma dona loureira e senhoril, que tu deves requestar à força de pequenos mimos, confeitos, almofadinhas, coisas miúdas, que antes exprimem a constância do afeto do que o atrevimento e a ambição. Que D. Quixote solicite os favores dela mediante ações heroicas ou custosas é um sestro próprio desse ilustre lunático. O verdadeiro medalhão tem outra política. Longe de inventar um Tratado científico da criação dos carneiros, compra um carneiro e dá-o aos amigos sob a forma de um jantar, cuja notícia não pode ser indiferente aos seus concidadãos. Uma notícia traz outra; cinco, dez, vinte vezes põe o teu nome ante os olhos do mundo. Comissões ou deputações para felicitar um agraciado, um benemérito, um forasteiro, têm singulares merecimentos, e assim as irmandades e associações diversas, sejam mitológicas, cinegéticas ou coreográficas. Os sucessos de certa ordem, embora de pouca monta, podem ser trazidos a lume, contanto que ponham em relevo a tua pessoa. Explico-me. Se caíres de um carro, sem outro dano, além do susto, é útil mandá-lo dizer aos quatro ventos, não pelo fato em si, que é insignificante, mas pelo efeito de recordar um nome caro às afeições gerais. Percebeste?
— Percebi.
— Essa é publicidade constante, barata, fácil, de todos os dias; mas há outra. Qualquer que seja a teoria das artes, é fora de dúvida que o sentimento da família, a amizade pessoal e a estima pública instigam à reprodução das feições de um homem amado ou benemérito. Nada obsta a que sejas objeto de uma tal distinção, principalmente se a sagacidade dos amigos não achar em ti repugnância. Em semelhante caso, não só as regras da mais vulgar polidez mandam aceitar o retrato ou o busto, como seria desazado impedir que os amigos o expusessem em qualquer casa pública. Dessa maneira o nome fica ligado à pessoa; os que houverem lido o teu recente discurso (suponhamos) na sessão inaugural da União dos Cabeleireiros, reconhecerão na compostura das feições o autor dessa obra grave, em que a “alavanca do progresso” e o “suor do trabalho” vencem as “fauces hiantes” da miséria. No caso de que uma comissão te leve à casa o retrato, deves agradecer-lhe o obséquio com um discurso cheio de gratidão e um copo d’água: é uso antigo, razoável e honesto. Convidarás então os melhores amigos, os parentes, e, se for possível, uma ou duas pessoas de representação. Mais. Se esse dia é um dia de glória ou regozijo, não vejo que possas, decentemente, recusar um lugar à mesa aos reporters dos jornais. Em todo o caso, se as obrigações desses cidadãos os retiverem noutra parte, podes ajudá-los de certa maneira, redigindo tu mesmo a notícia da festa; e, dado que por um tal ou qual escrúpulo, aliás desculpável, não queiras com a própria mão anexar ao teu nome os qualificativos dignos dele, incumbe a notícia a algum amigo ou parente.
— Digo-lhe que o que vosmecê me ensina não é nada fácil.
— Nem eu te digo outra coisa. É difícil, come tempo, muito tempo, leva anos, paciência, trabalho, e felizes os que chegam a entrar na terra prometida! Os que lá não penetram, engole-os a obscuridade. Mas os que triunfam! E tu triunfarás, crê-me. Verás cair as muralhas de Jericó ao som das trompas sagradas. Só então poderás dizer que estás fixado. Começa nesse dia a tua fase de ornamento indispensável, de figura obrigada, de rótulo. Acabou-se a necessidade de farejar ocasiões, comissões, irmandades; elas virão ter contigo, com o seu ar pesadão e cru de substantivos desadjetivados, e tu serás o adjetivo dessas orações opacas, o odorífero das flores, o anilado dos céus, o prestimoso dos cidadãos, o noticioso e suculento dos relatórios. E ser isso é o principal, porque o adjetivo é a alma do idioma, a sua porção idealista e metafísica. O substantivo é a realidade nua e crua, é o naturalismo do vocabulário.
— E parece-lhe que todo esse ofício é apenas um sobressalente para os déficits da vida?
— Decerto; não fica excluída nenhuma outra atividade.
— Nem política?
— Nem política. Toda a questão é não infringir as regras e obrigações capitais. Podes pertencer a qualquer partido, liberal ou conservador, republicano ou ultramontano, com a cláusula única de não ligar nenhuma ideia especial a esses vocábulos, e reconhecer-lhes somente a utilidade do scibboleth bíblico.
— Se for ao parlamento, posso ocupar a tribuna?
— Podes e deves; é um modo de convocar a atenção pública. Quanto à matéria dos discursos, tens à escolha: — ou os negócios miúdos, ou a metafísica política, mas prefere a metafísica. Os negócios miúdos, força é confessá-lo, não desdizem daquela chateza de bom-tom, própria de um medalhão acabado; mas, se puderes, adota a metafísica; — é mais fácil e mais atraente. Supõe que deseja saber por que motivo a 7ª Companhia de infantaria foi transferida de Uruguaiana para Canguçu; serás ouvido tão-somente pelo ministro da Guerra, que te explicará em dez minutos as razões desse ato. Não assim a metafísica. Um discurso de metafísica política apaixona naturalmente os partidos e o público, chama os apartes e as respostas. E depois não obriga a pensar e descobrir. Nesse ramo dos conhecimentos humanos tudo está achado, formulado, rotulado, encaixotado; é só prover os alforjes da memória. Em todo caso, não transcendas nunca os limites de uma invejável vulgaridade.
— Farei o que puder. Nenhuma imaginação?
— Nenhuma; antes faze correr o boato de que um tal dom é ínfimo.
— Nenhuma filosofia?
— Entendamo-nos: no papel e na língua alguma, na realidade nada. “Filosofia da história”, por exemplo, é uma locução que deves empregar com frequência, mas proíbo-te que chegues a outras conclusões que não sejam as já achadas por outros. Foge a tudo que possa cheirar a reflexão, originalidade, etc., etc.
— Também ao riso?
— Como ao riso?
— Ficar sério, muito sério...
— Conforme. Tens um gênio folgazão, prazenteiro, não hás de sofreá-lo nem eliminá-lo; podes brincar e rir alguma vez. Medalhão não quer dizer melancólico. Um grave pode ter seus momentos de expansão alegre. Somente — e este ponto é melindroso...
— Diga.
— Somente não deves empregar a ironia, esse movimento ao canto da boca, cheio de mistérios, inventado por algum grego da decadência, contraído por Luciano, transmitido a Swift e Voltaire, feição própria dos céticos e desabusados. Não. Usa antes a chalaça, a nossa boa chalaça amiga, gorducha, redonda, franca, sem biocos, nem véus, que se mete pela cara dos outros, estala como uma palmada, faz pular o sangue nas veias, e arrebentar de riso os suspensórios. Usa a chalaça. Que é isto?
— Meia-noite.
— Meia-noite? Entras nos teus vinte e dois anos, meu peralta; estás definitivamente maior. Vamos dormir, que é tarde. Rumina bem o que te disse, meu filho. Guardadas as proporções, a conversa desta noite vale o Príncipe de Machiavelli. Vamos dormir.
FIM