domingo, 16 de junho de 2013

Cismando sobre os Desejos


Refeição Cultural


Fernando Pessoa.
Desejos de leitura

Não tenho escrito muito nestes dias. Sequer tenho conseguido ler como gostaria.

Apesar disso, reli no fim de semana passado o livro Uma abelha na chuva (1953), do português Carlos de Oliveira. Neste fim de semana, também fiquei às voltas com a Literatura Portuguesa. Hoje reli o livro de poemas Mensagem (1934) de Fernando Pessoa.

Ambos pertencem ao programa de uma das últimas matérias que fiz na USP em 2010. Acabei procurando e achando em casa o pacote de fotocópias da matéria e o desejo que me deu foi de pegar todos os textos teóricos e lê-los juntamente com as 5 obras analisadas naquele semestre.

Mas aí quando dou por mim e começo a tomar gosto pela leitura, o fim de semana já se foi e eu não tenho vida civil (vida própria) durante a semana. Só tenho agenda do dirigente sindical.

Minha vida está indo e eu não consigo ler mais nada. E pensar que, se eu morrer a qualquer instante, terei deixado a existência como um grande frustrado porque sei ler, não sou cego, tenho os livros e o acesso a eles e não consigo ler absolutamente nada que desejo e anseio.


Desejos alheios de consumo

Eu fico observando as pessoas ao meu redor e fico chocado e deprimido com o que vejo.

Fico me perguntando do que está valendo a luta que faço diariamente para contrabalançar o sistema capitalista, criador de fetiches da matéria, que está destruindo o único planeta que temos, pelo esgotamento e criação de bugigangas para substituir outras a cada instante.

Filme Wall.E

Como pode um proletário com salário de mil reais, ou menos, comprar um tênis de 650 reais por ser “de marca”? Como pode este mesmo proletário gastar dois mil reais para comprar um aparelho de telefone móvel? A marca de tênis, aliás, é líder mundial em exploração de mão de obra escrava e subcontratação pelo mundo afora. E mais: NÃO adianta eu falar isso para esses proletários! Não adianta!

Vale dizer que existem bons tênis de cem reais. Também existem aparelhos de telefone móvel por cento e poucos reais. Esses proletários trocam de aparelhos eletrônicos enquanto os que tinham ainda funcionariam por muito tempo. Pouco importa o planeta Terra se transformar num planeta lixo inviável à vida - lembram do filme Wall E (2008)?

Eu não pagaria 650 reais em um tênis mesmo se eu ganhasse 10 mil por mês, simplesmente porque o tênis não vale esse dinheiro.

O que vale a minha ideologia, se o meu exemplo de não consumir coisas “de marca” como a prioridade na compra não funciona sequer com a minha família?

Os jovens viraram baterias para a alienante rede mundial de computadores. Não é só o crack e outras drogas que estão matando o cérebro dos seres humanos. A quantidade de informação inútil também está. E pensar que praticamente já digitalizaram todo o conhecimento humano na rede mundial! Mas os donos do poder sabem que ninguém usa isso.


Desejo de comunicação e a incomunicabilidade contemporânea

Durante milênios, os seres humanos sonharam em poder usufruir da plena liberdade de expressão. No entanto, durante esses mesmos milênios, o direito de comunicação ficou restrito aos donos do poder, porque eles detinham o direito de escolher o que poderia ser comunicado ou não a qualquer receptor que fosse.

Na idade média, o alemão Gutenberg inventou a máquina de impressão. A partir dali, começaria uma revolução na multiplicação dos materiais escritos de comunicação. Mas o direito de imprimir continuou nas mãos dos estados e dos donos do poder.

Até o século passado (XX), seguia mais ou menos na mesma a questão de quem conseguia acesso a impressão e distribuição dos textos. Aos pobres mortais, só se fosse apadrinhado por alguém dono do poder ou pelo Estado.

Veio então o advento da rede mundial de computadores – a internet.

Hoje, qualquer um teria “em tese” direito a acessar e a distribuir suas produções textuais e seus pensamentos.

Cena do filme Fahrenheit 451
Se antes, livros de ficção como Fahrenheit 451 (1953), de Ray Bradbury, pensavam sociedades distópicas onde era proibido ter livros e ler o que bem se entendesse das produções humanas, hoje não é preciso mais tal tipo de preocupação por parte dos donos do mundo. 

Tudo está disponível e a atenção de praticamente toda a humanidade é pasteurizada em querer as mesmas coisas – a exceção é para aquele bilhão de gente que só tem a preocupação em o que vai comer naquele dia para não morrer de fome.

Hoje, qualquer um tem mais direito de se comunicar. No entanto, não há quase ninguém disposto a ouvir, a prestar atenção em - algo como a diferença entre os verbos ingleses to hear e to listen to. O mundo é burburinho e tuc tuc tuc nos ipods, iphones, tablets, jogos virtuais, facebooks etc... as pessoas, as pessoas são baterias como aquelas do filme Matrix (1999).


Poster de Mad Max (1979).
Desejo finalizar

Finalizo esta refeição cultural indigesta, pensando em mais ficções famosas – filmes e livros –, que parecem, a cada dia, mais próximos de se realizarem.

O mundo está estabelecendo o padrão chinês de mão de obra precarizada – terceirização total sem direito algum. Aqueles que não forem os 5% detentores de todo o poder econômico e político (os Alfas e Betas), serão os subumanos gamas e ipsilones do Admirável mundo novo (1932), de Aldous Huxley.

O mundo caminha para vivermos aquele mundo da série de filmes Mad Max (1979 a 1985). E para ficar em um bem atual: O livro de Eli (2010). Lembram da cena em que o
Poster do filme.
personagem reflete sobre o tempo em que as pessoas tinham tudo e não davam valor a nada – tudo era descartável e tinha em abundância. No mundo após a última guerra, se mata por um copinho de plástico descartável...


Chega!

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