quarta-feira, 31 de julho de 2013

Black - Pearl Jam


Instantes...

Buscando formas de proteger minha psique, meu ser, contra tudo e todos...

Para isso, hei de ouvir música... hei de ler poemas... hei de não ser o autômato num mundo automático...

Vamos com essa bela música de Pearl Jam.

O amor, o ódio, a luta, a vitória, a derrota, o olhar, o abraço, tudo nos tatua... a vida!



Black – Pearl Jam

Hey, oh

Sheets of empty canvas, untouched sheets of clay
Were laid spread out before me as her body once did
All five horizons revolved around her soul
As the Earth to the Sun
Now the air I tasted and breathed has taken a turn

Oh, and all I taught that was everything
Oh, I know she gave me all that she wore
And now my bitter hands chafe beneath the clouds
Of what was everything?
Oh, the pictures have all been washed in black, tattooed everything

I take a walk outside
I'm surrounded by some kids at play
I can feel their laughter, so why do I sear

Oh, and twisted thoughts that spin round my head
I'm spinning, oh, I'm spinning
How quick the Sun can, drop away
And now my bitter hands cradle broken glass
Of what was everything?

All the pictures have all been washed in black, tattooed everything
All the love gone bad turned my world to black
Tattooed all I see, all that I am, all that I'll be, yeah

Uh huh, uh huh, oh

I know someday you'll have a beautiful life, I know you'll be a star
In somebody else's sky, but why, why, why
Can't it be, can't it be mine
We, we, we, we, we belong together! Together!

domingo, 28 de julho de 2013

Onde está o amor?


Where's The Love?
Onde estão o amor, a solidariedade e o companheirismo?

Refeição Cultural

Com versos da música do Black Eyed Peas
(tradução letras.mus.br e minha)


"What's wrong with the world, mama?
People living like they ain't got no mamas
I think the whole world addicted to the drama
Only attracted to things that'll bring you trauma"

(O que está errado com o mundo mamãe?
As pessoas estão vivendo como se não tivessem mães
Acho que todo mundo está envolvido no drama
Apenas atraídos por coisas que vão lhes trazer trauma)



"Where's the love? (The love)
Where's the love? (The love)
Where's the love, the love, the love?"


Assisti a uma entrevista do verdadeiro Patch Adams e fiquei tocado por suas palavras, por sua franqueza. Fiquei "pensativo". Patch faz a mesma crítica que alguns de nós pensadores fazemos em relação ao risco do pensamento humano morrer. As pessoas estão deixando de pensar. Leia aqui o texto "Pensar dói"?

O vídeo veio até mim por sugestão de uma amiga, a Bel, que trabalhou conosco na Contraf-CUT por muito tempo. É interessante como as coisas nos vêm assim nas teias das relações que compõem a vida humana em sociedade.


"Overseas, yeah, we try to stop terrorism
But we still got terrorists here living
In the USA, the big CIA
The Bloods and The Crips and the KKK

But if you only have love for your own race
Then you only leave space to discriminate
And to discriminate only generates hate
And when you hate then you're bound to get irate, yeah"

(No além-mar, sim, a gente tenta parar com o terrorismo
Mas ainda temos terroristas vivendo aqui
Nos EUA, a grande CIA
Os Bloods os Crips e os KKK

Mas se você só tem amor pela sua própria raça
Então só sobra espaço para discriminar
E discriminar só gera ódio
E quando você odeia, então, você tende a ficar irado, yeah)


Patch Adams, Klemperer e Crash...


Patch Adams em 2008. Wikipedia.
A entrevista de Patch Adams (no Roda Viva em 2007, disponível na internet) se somou ao livro que estou lendo sobre as artimanhas do nazismo para convencer através da linguagem (LTI) uma nação inteira a ser nazista. A entrevista e o livro do filólogo Klemperer (publicado em 1947) se somam ao filme Crash (2004) que vi novamente uma madrugada dessas, o filme me impactou muito quando o vi pela primeira vez - desnuda que as sociedades e o mundo estão doentes.

Entrevista, livro e filme se somam às minhas próprias experiências recentes no trabalho de militância sindical lutando contra o capitalismo e contra sua ideologia de direita. E ao mesmo tempo tenho que cuidar de mim mesmo porque o "fogo amigo" da política quer destruir a este militante, talvez para ocuparem seu lugar ou para o militante não mais incomodar...

Lembrei-me de uma música maravilhosa. Perfeita. Vejam a letra dela na internet com a tradução. Falo da música do Black Eyed Peas - Where's The Love?. Partes de seus versos ilustram e convidam à reflexão neste texto...


O ato de olhar nos olhos das pessoas

Acordei pensando na entrevista de Patch e refleti se ando olhando com atenção nos olhos das pessoas. Sempre tive este hábito. Quem vê os olhos das pessoas, não fica observando roupas, bens, defeitos ou estética. Mas o sistema nos faz ficar embotados muitas vezes...

Patch se veste de maneira não comum, que chama a atenção, justamente para as pessoas ficarem incomodadas e de alguma forma iniciarem diálogo ou lhe perguntarem porque está daquela forma. Assim, ele pode responder e dizer sobre coisas simples como o amor, a tolerância, falar da solidariedade e contra o capitalismo e a hipocrisia humana, buscar criar amizades (o filme deturpa sua ideia: a amizade cura e não o riso). O mais importante na vida é a amizade. A mensagem é CUIDAR DAS PESSOAS!


"Can you practice what you preach?"

(Você consegue praticar o que prega?)

Saí para buscar pão. Já no elevador, olhando com atenção uma vizinha ao cumprimentá-la, conversamos sobre o tempo. Ao passar pela portaria, e olhar com atenção nosso porteiro, conversamos também. Ao subir a avenida, respondi ao rapaz morador de rua que não tinha nada para lhe dar naquela hora. Conversei de forma prazerosa tanto com a atendente da padaria quanto com a caixa que recebeu a conta. Voltando pela avenida, pude dar um pãozinho ao rapaz que me pedira quando passei na ida. Ele disse que estava com fome. Lá no fim da avenida, próximo de casa, outro rapaz me gritou da calçada. Fui até ele e conversamos. Ele me pediu alguma coisa e também lhe dei um pão.

Patch diz que o seu país, os Estados Unidos, é uma nação fascista. O capitalismo é nojento e vai destruir o ser humano. Concordo com ele. Nós não precisamos acumular dinheiro e bens. As pessoas precisam de amor, carinho, respeito e tolerância com o diferente.


Para muitos de nós, é só sermos como nossas mães nos criaram

"Badness is what you demonstrate
And that's exactly how anger works and operates
Man, you gotta have love just to set it straight
Take control of your mind and meditate
Let your soul gravitate to the love, y'all, y'all"

(Maldade é o que você demonstra
E é exatamente assim que a raiva funciona e opera
Cara, você tem que ter amor para endireitar-se
Tome conta da sua mente, e medite
Deixe sua alma levitar para o amor)


Fiquei pensando também nas palavras de Patch quando ele diz que sua mãe criou a ele e seu irmão para serem boas pessoas. Só isso.

Meus pais também me criaram para ser uma boa pessoa. Então, qual a dificuldade no mundo? Por que tanta merda por aí? Por que as pessoas só querem se dar bem, acumular tudo o que puder e que dane-se quem não tiver a mesma "sorte" e "oportunidade"...


A construção do ódio no Brasil

"Wrong information always shown by the media
Negative images is the main criteria
Infecting the young minds faster than bacteria
Kids wanna act like what they see in the cinema"

(Informações erradas sempre mostradas pela mídia
Imagens negativas são o critério principal
Infectando as mentes jovens mais rápido do que bactéria
As crianças querem agir como elas veem no cinema)



Desde a campanha eleitoral para a presidência da república em 2010, disputada entre Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), existe por parte da oposição ao PT e por parte da Imprensa Comercial (PIG) a exacerbação da intolerância e a construção do ódio no povo brasileiro.

O nível da campanha trouxe um ódio e intolerância que, se havia no país, era ao menos de forma acanhada e tímida. Era meio-que politicamente incorreto odiar o outro - o negro, o nordestino, o homossexual, o ateu ou praticante da fé não católica, o gordo, o magro, o não adequado aos padrões estabelecidos por grupos dominantes.

A "novilíngua" (1984, de Orwell) construída nesta década de governos Lula e Dilma prega que ser do Partido dos Trabalhadores é ser do mal, é ser corrupto... Sendo que nunca se apurou, investigou e condenou tanto a corrupção como nesta última década. São construções ideológicas e midiáticas para possíveis justificativas golpistas futuras.


Finalizo com mais um trecho da música - tenho que ter esperança e buscar a unidade

"Yo', whatever happened to the values of humanity
Whatever happened to the fairness in equality
Instead in spreading love we spreading animosity
Lack of understanding, leading lives away from unity

That's the reason why sometimes I'm feeling under
That's the reason why sometimes I'm feeling down
There's no wonder why sometimes I'm feeling under
Gotta keep my faith alive till love is found
Then ask yourself..."

(E aí, o que quer que tenha acontecido com os valores da humanidade
O que quer que tenha acontecido com a justiça na igualdade
Ao invés de espalharmos amor estamos espalhando animosidade
A falta de conhecimento está deixando a vida longe da unidade

É por isso que às vezes eu me sinto pra baixo
É por isso que às vezes eu me sinto pra mal
Eu não teria por que ficar me sentindo pra baixo
Eu tenho que manter minha esperança viva até que o amor seja encontrado
Então, pergunte a si mesmo...

Onde está o amor?)

sexta-feira, 26 de julho de 2013

LTI - Análises de discursos de Hitler e Mussolini, por Klemperer



A leitura do capítulo oito - Dez anos de fascismo -, do livro de Victor Klemperer sobre a Linguagem do Terceiro Reich, trouxe reflexões interessantes.

O filólogo analisa a fala e os gestos de Mussolini, no poder italiano antes de Hitler na Alemanha. Denuncia que Hitler e o nazismo copiaram símbolos e gestos do fascismo.


(em 1932) DEZ ANOS DE FASCISMO

O capítulo começa  com Klemperer explicando o engano de um jovem alemão ao confundir o significado de fascismo.

"Era um rapaz inteligente, devia ter sido membro da juventude hitlerista e com certeza coleciona selos. Conhece o emblema do fascismo italiano, que aparece nos selos da época de Mussolini: um feixe de varas com um machado no meio, que os lictores carregavam à frente de certos magistrados romanos. De mais a mais, ele já devia ter encontrado essa palavra em seus tantos anos de latim. Mas não conhecia o significado da palavra 'fascismo'. Os colegas ajudaram-no: 'Vem de fascis [feixe]'. Quantos outros devem desconhecer o verdadeiro significado desta palavra, se um estudante de ensino médio, educado no sistema nazista, não o conhece?...". (p. 101)


Klemperer analisa uma projeção em filme sonoro na manhã do dia 23 de outubro de 1932. O filme se chama Dez anos de fascismo.

"Pode-se ver como o Duce, relaxando depois de cada pequena pausa, volta a dar à face e ao corpo uma expressão de energia máxima e de tensão. A exaltação do pregador aparece no tom de voz de ritual eclesiástico, lançando frases curtas, como fragmentos litúrgicos, diante das quais obtém reações emocionadas de todos, sem qualquer esforço mental, mesmo que não captem o sentido das palavras, ou justamente por não terem capacidade para captá-lo.

A boca é gigantesca. De vez em quando faz gestos tipicamente italianos com os dedos. A massa, exultante, grita entusiasmada. Assobia de maneira alvoroçada, especialmente quando o nome de algum inimigo é mencionado. Repete o gesto da saudação fascista, o braço estendido para o alto". (p. 102)


Klemperer começa a explicar o Nazismo como cópia do Fascismo Italiano

"Führer é a tradução alemã de Duce, a camisa marrom é uma variação da camisa negra italiana, a saudação alemã é uma imitação da saudação fascista. Da mesma forma que todas as demais cenas do filme, a própria cena do discurso do Führer diante do povo reunido copia o modelo de propaganda italiano. Em ambos os casos a intenção é aproximar o chefe e o povo - o povo todo, não somente seus representantes". (p. 103)


Usando Rousseau para explicar a política nos limites da urbe

"Não é voz corrente que a política é a arte de governar a pólis, a cidade? Para Rousseau, o estadista é a pessoa que discursa para o povo, para as pessoas reunidas no mercado. Para ele, competições esportivas e
Mussolini, o Duce.
artísticas, das quais o povo participa, são instituições políticas e meios de propaganda. Essa foi a grande ideia da Rússia soviética - graças às novas invenções tecnológicas, como o rádio e o cinema -, que expandiu o método dos antigos e de Rousseau a um espaço ilimitado e permitiu que o estadista, também governante, se dirigisse 'a todos' realmente a cada um, mesmo que esses 'todos' sejam milhões de pessoas separadas por milhares de quilômetros".
(p. 103)



Com o rádio, o cinema e os meios de comunicação de massa surge a comunicação direta com milhares e milhões

"O discurso, uma das ferramentas e compromissos do estadista, reconquistou ou até ampliou o status que tinha em Atenas, pois agora o orador, em vez de se dirigir somente a Atenas, dirige-se a um país inteiro, e na verdade a muito mais do que um só país". (p. 103)


Discurso foca o sentimento e não o intelecto, sendo mais popular... pode virar demagogia ou sedução

"Agora, o discurso ocupa uma posição mais importante, e sua essência mudou. Dirigido a todos, não apenas a representantes do povo, precisa ser compreensível a todos, isto é, precisa ser mais popular. O que é mais popular é mais concreto. Quanto mais o discurso se dirige aos sentimentos, quanto menos se dirige ao intelecto, mais popular ele é. Quando deliberadamente começa a deixar de lado a inteligência, entorpecendo-a, ultrapassa a fronteira e se transforma em demagogia ou sedução". (p. 103)

O filólogo também explica que o cenário onde se realiza o discurso - uma praça, um teatro, com bandeiras e estandartes, com gritos e retornos da multidão, faz parte do efeito que se quer produzir de sedução e convencimento coletivo. A encenação e o tom da voz faz toda a diferença.


Discursar e falar: alemães tinham certa aversão a oradores

"Na língua alemã, a partir das palavras Rede [discurso] e reden [falar] pode-se formar o adjetivo rednerisch [discursador, eloquente], que não tem boa fama. Discursar é sempre uma atividade suspeita, uma daquelas em que alguém 'quer tirar vantagem'. Poderíamos quase falar de uma aversão congênita dos alemães ao orador". (p. 104)


Oratória x Retórica

"As línguas latinas, em contrapartida, são muito cautelosas com essa questão; valorizam o orador e distinguem cuidadosamente a oratória e a retórica. Para essa línguas, o Orator [orador] é o homem honesto que se empenha em convencer as pessoas com a clareza da palavra, dirigindo-se aos corações e às mentes dos ouvintes. A oratória é um elogio que os franceses fazem a um Bossuet ou a um Corneille, grandes clássicos do púlpito e do teatro. A língua alemã também teve oradores deste porte, como Martinho Lutero e Schiller. O ocidente encontrou um adjetivo especial para o orador de gênero declamatório e duvidoso: 'retórico'. Ele nos remete à sofística da Grécia Antiga e à época de sua decadência, pois elabora frases capciosas, feitas com intenção de enganar". (p. 104)


O filólogo analisa discursos de Mussolini e de Hitler

Primeiro, Klemperer conclui que Mussolini estava muito mais para um retórico que para um orador.

"Será Mussolini um Orator ou um Rhetor [retórico] de seu povo? É certo que se aproxima mais daqueles que usam a retórica do que do orador. No decorrer de sua funesta evolução, decaiu por completo para o gênero da retórica". (p. 105)

Depois explica que nunca viu ao vivo um discurso de Hitler porque era proibido a judeus. Mas ele ouviu por auto-falantes instalados nas ruas e na fábrica.

"(...) Diante da fachada iluminada do hotel da estação principal de Dresden, de onde um alto-falante transmitia o discurso, uma multidão delirante se apertava. Os balcões estavam ocupados por homens da SA, de pé, segurando grandes bandeiras com a suástica (...) Não obstante, naquela época eu já tinha exatamente a mesma impressão que me acompanhou até o fim. Que diferença havia em relação ao modelo de Mussolini!". (p. 106)


Hitler era um retórico


Hitler discursando. Foto: Wikipedia.
"Era visível o esforço físico que o Duce fazia para imprimir energia às frases, o empenho para manter a massa aos seus pés, mas em sua língua materna ele se expressava livremente, a ela se entregava, apesar do desejo de dominar. Mesmo tropeçando entre a oratória e a retórica, o Duce permanecia um orador, sem contorções nem convulsões. Hitler queria sempre aparecer, ou como bajulador ou cheio de sarcasmo - dois registros pelos quais gostava de transitar. Hitler falava, ou melhor, gritava em convulsões. Até mesmo no máximo da exaltação é possível manter certa dignidade e algum bem-estar interior, um sentimento de autoconfiança e de estar em harmonia consigo mesmo e com os demais. Esses aspectos faltavam a Hitler, que desde o começo era um retórico consciente, retórico por princípio. Não se sentia seguro nem mesmo em uma situação de triunfo, fustigava com seu linguajar os adversários e as ideias contrárias. Não tinha compostura, sua voz não possuía musicalidade, o ritmo de suas frases açoitava a si mesmo e aos demais (...) Nunca fui capaz de compreender como conseguiu conquistar as massas, cativá-las e mantê-las presas sob seu jugo por tanto tempo com uma voz desafinada e esganiçada, com frases mal construídas na sintaxe alemã, empregando uma retórica claramente contrária ao caráter da língua alemã". (p. 106/107)


Ao fim do capítulo, Klemperer busca respostas para o carisma de Hitler com o povo alemão

Já em 1944/45,  quando era racional perceber que a Alemanha estava derrotada, bastava o Führer ou alguém falando sobre ele e dizendo sobre nova artimanha bélica e o povo acreditava.

"O Führer tinha dito, e o Führer não mentia. Acredita-se mais nele do que em propostas ajuizadas". (p.108)


Como se explicar o sucesso retórico de Hitler?

"(...) Existe uma explicação psiquiátrica bastante difundida, com a qual estou de acordo, mas quero completá-la com outra, de caráter filológico.

"Naquela noite do discurso do Führer em Königsberg, um colega que já tinha visto e ouvido Hitler diversas vezes disse-me que ele terminaria em uma espécie de insanidade religiosa. Também creio que ele desejava tornar-se o novo salvador do povo alemão. Havia nele o conflito permanente entre a exaltação megalômana de um César e a mania persecutória, estados patológicos que se reforçavam mutualmente. Essa doença infectou o corpo do povo alemão, enfraquecido e psiquicamente destruído pela Primeira Guerra Mundial.

"Falando como filólogo, acredito que o efeito da retórica desavergonhada de Hitler foi tão avassalador justamente porque atingiu uma língua que até então fora poupada dessa retórica, a qual se disseminou com a virulência de uma epidemia desconhecida. Na essência, ela era tão pouco alemã quanto o braço estendido e o uniforme fascista - substituir a camisa preta pela marrom não é uma invenção muito original -, bem como a decoração e os adornos das manifestações populares." (p. 108)


Conclusão do capítulo por Klemperer

"Mesmo assim, o que o nazismo absorveu dos dez anos de fascismo que o precederam, ainda que tenha sido causado por corpos estranhos, não se compara à ignóbil intoxicação especificamente nazista: o nazismo tornou-se uma doença especificamente alemã, uma degeneração virulenta da carne alemã. Reinfectado a partir da própria Alemanha, o fascismo - certamente criminoso, mas não tão bestial - sucumbiu junto com o nazismo". (p. 109)


COMENTÁRIO FINAL

O advento dos meios de comunicação de massa alteraram substancialmente a extensão do poder da oratória e da retórica. Falar para milhares e milhões, ao invés de somente às multidões em assembleias e praças é algo extremamente poderoso.

Sem falar no poder imagético de verdade que tem a comunicação visual.

Vimos o poder da comunicação de massa no século 20 e estamos vivendo no início do século 21 a era das grandes corporações que detêm tudo. O capital, as empresas transnacionais que mandam nos países, os veículos de comunicação que implantam ideologias dos poucos donos do poder nas mentes dos "consumidores" das necessidades criadas pelo capitalismo mundial.

Estamos danados!

Apesar de acertos e erros dos mandatos federais dos governos do Partido dos Trabalhadores entre 2003 e 2013 no Brasil, os donos dos meios de comunicação (P.I.G.), após dez anos tentando achar a fórmula para derrotar os projetos de mudanças sociais em andamento, achou no mês de junho a chave. Acertou o discurso em meio à turba, que sempre esteve em disputa pelos projetos de poder, à esquerda e à direita.

É isso! No Brasil, nada será como antes após as manifestações de junho de 2013...


Bibliografia:
KLEMPERER, Victor. LTI - A Linguagem do Terceiro Reich. Editora: Contraponto. 1ª edição, 2009.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

LTI - A Linguagem do Terceiro Reich (excertos)



Victor Klemperer (1952). 
Wikipedia
Seguindo na leitura do livro do filólogo judeu alemão Victor Klemperer, publicado em 1947, fico impressionado com o quanto são atuais seus estudos sobre como o nazismo se estabeleceu entre o povo alemão.

CAPÍTULO 1 - LTI

"praças Hitler" e "ruas Göring"

"Os criminosos de guerra estão sendo julgados, os pequenos Pgs (membros menos relevantes do Partido Nazista - Victor observa: linguagem do Quarto Reich!) são afastados de cargos, livros nacional-socialistas estão sendo retirados de circulação, as 'praças Hitler' e as 'ruas Göring' vêm sendo renomeadas. Mas a linguagem do Terceiro Reich sobrevive em muitas expressões típicas, a tal ponto impregnadas que parecem ter-se tornado permanentes na língua alemã". (p. 54)

COMENTÁRIO

No entanto, aqui em São Paulo, Capital e Estado, os logradouros - ruas, praças, pontes - todos ostentam os nomes dos torturadores da ditadura militar brasileira como "Delegado Fleury" torturador e assassino, assassinos "bandeirantes" de índios e negros como "Borba Gato", donos de impérios midiáticos como "Otávio Frias" etc. É impressionante essa cultura paulista de cultuar o que é merda!


Doutrinar via repetição. Evitar a reflexão

"Não, o efeito mais forte não foi provocado por discursos isolados, nem por artigos ou panfletos, cartazes ou bandeiras. O efeito não foi obtido por meio de nada que se tenha sido forçado a registrar com o pensamento ou a percepção conscientes.

O nazismo se embrenhou na carne e no sangue das massas por meio de palavras, expressões e frases impostas pela repetição, milhares de vezes, e aceitas inconsciente e mecanicamente. Costuma-se considerar como meramente estética e inofensiva a citação de Schiller sobre von der gebildeten Sprache, die für dich dichtet und denkt [a língua culta, que poetiza e pensa por ti]. Um verso bem redigido, em uma 'língua culta', não pode ser aceito como prova suficiente da força poética do autor. Em uma língua assim, não é difícil adotar uma aura de poeta ou de pensador". (p. 55)

COMENTÁRIO

Nesta estratégia de doutrinar pela repetição e evitar a reflexão, é inevitável não pensarmos aqui no Brasil da era pós eleição de Lula da Silva (PT) na criação ideológica de frases e expressões usadas ad nauseam pela oposição, pelos adversários do PT e pelos veículos totalitários de comunicação de massa (P.I.G.).

Exemplos claros: "mensalão", "Petismo" mudando o sentido que a palavra tinha nos anos 80 e 90 (de algo positivo para algo negativo), "PeTralhas", dentre outras.


CAPÍTULO 3 - CARACTERÍSTICA PRINCIPAL: POBREZA

Estilo obrigatório na linguagem nazista: vociferar

"O domínio absoluto que esse pequeno grupo - ou melhor, que esse homem - exerceu na normatização da linguagem se estendia por todo o âmbito da língua alemã, levando-se em conta que a LTI não fazia distinção entre linguagem oral e escrita. Para ela, tudo era discurso, arenga, alocução, invocação, incitamento. O estilo do ministro da Propaganda não distinguia a linguagem do discurso e a linguagem dos textos, razão pela qual era tão fácil declamá-los. Deklamieren [declamar] significa literalmente falar alto sem prestar atenção ao que se diz. Vociferar. O estilo obrigatório para todos era berrar como um agitador berra na multidão". (p. 65)


LTI = Invocação

"Se puder se expressar com liberdade, qualquer língua consegue dar conta de todos os anseios humanos. Elas se prestam à razão e ao sentimento, são comunicação, diálogo e monólogo, oração e súplica, ordem e invocação. A LTI só se prestava à invocação". (p. 65)


A ideia da linguagem e pensamentos únicos

"Seria também enganoso se eu dissesse que, em todos os setores, a LTI dirige-se exclusivamente à vontade. Pois quem apela para a vontade, apela sempre para o indivíduo, mesmo que se dirija a uma coletividade, a um público. A LTI pretende privar cada pessoa da sua individualidade, anestesiando as personalidades, fazendo do indivíduo peça de um rebanho conduzido em determinada direção, sem vontade e sem ideias próprias, tornando-o um átomo de uma enorme pedra rolante. A LTI é a linguagem do fanatismo de massas. Dirige-se ao indivíduo - não somente à sua vontade, mas também ao seu pensamento -, é doutrina, ensina os meios de fanatizar e as técnicas de sugestionar as massas". (p. 66)

COMENTÁRIO

Pensando as manifestações de junho de 2013 no Brasil e a frase "fazendo do indivíduo peça de um rebanho conduzido em determinada direção" é evidente que eu me lembro na hora da mídia golpista da elite (P.I.G.) pautando a massa nas ruas. 

Que diabos foi aquilo da "PEC 37" em dezenas de cartazes nas mãos de jovens pelo país afora? Massas reivindicando algo que não tinham a mínima ideia do que era... E deu certo, heim?!

"Uma língua que poetiza e pensa por ti..."


Bibliografia:
KLEMPERER, Victor. LTI - A Linguagem do Terceiro Reich. Editora: Contraponto. 1ª edição, 2009.

LTI - Linguagem do Terceiro Reich (leituras)


(atualizado em 22/8/15)

"A linguagem nazista era capaz de contaminar as pessoas, sendo usada até mesmo pelos próprios judeus. A linguagem militar, que sempre fora poderosa e autônoma, não escapou dessa 'epidemia' - termo usado por Klemperer para designar a adesão à 'novilíngua', conforme a expressão de George Orwell no livro '1984'. " (pág. 19)



O livro de Victor Klemperer que analisa a linguagem do Nazismo, linguagem que convenceu uma nação a ser nazista, é revelador e importante por nos trazer um alerta para o risco sempre existente de que tais barbáries voltem a se repetir.

O filme alemão A Onda é outro bom exemplo para as pessoas que afirmam sempre de maneira rápida e sem pestanejar que "isso não ocorreria novamente..."


Lendo e anotando excertos interessantes do livro

HEROÍSMO (EM VEZ DE UM PREFÁCIO)

Aqui o autor explica um pouco o estudo que fez da linguagem do Terceiro Reich - LTI (Lingua Tertii Imperii) - principalmente entre 1933 e 1945. O livro teria em 1947 um papel extremamente pedagógico para aquele momento de reconstrução e de "desnazificação" da sociedade alemã.


Combater o ato de pensar nazista

"O mesmo deverá ocorrer com a palavra mais importante e decisiva de todas - 'desnazificação' -, que desaparecerá quando deixar de existir a situação a que se refere. Ainda levará tempo. Não apenas a ação nazista terá de desaparecer, mas também a mentalidade nazista, o hábito de pensar nazista e justamente o seu solo mais fértil, a linguagem nazista". (p. 38)

Após explicar a deturpação do nazismo de conceitos semânticos de palavras como "heroísmo" e "heroico" Klemperer ensina:


Os nazistas não eram heróis

"- Para ser herói não basta ter coragem e arriscar a vida. Para isso serve qualquer arruaceiro, qualquer criminoso. Em sua origem, o heros [herói] é uma pessoa que realiza atos que estimulam o melhor da humanidade. Uma guerra de conquista, como a guerra de Hitler, conduzida de maneira tão atroz, nada tem a ver com heroísmo". (p. 43)


Heroísmo é sem espalhafato

"O heroísmo é muito mais puro e significativo quanto mais discreto for, quanto menos público cultivar, quanto menores rendimentos trouxer para o próprio herói e quanto menos espalhafato alcançar. O que critico no conceito nazista de heroísmo é que ele depende do aspecto promocional. Apresenta-se com soberba. O nazismo não conheceu oficialmente qualquer heroísmo honesto e autêntico. Ele o desvirtuou e o levou ao descrédito". (p. 44)


CAPÍTULO 1 - LTI

A linguagem é a expressão de uma época

"É voz corrente dizer que a linguagem é a expressão de uma época. Da mesma forma pode-se dizer que é o retrato de um tempo e de um país. O Terceiro Reich se expressa de modo terrivelmente uniforme, em todas as suas manifestações e em todo o legado que nos deixa, na ostentação desmesurada das edificações faustosas, nos escombros, no tipo dos soldados, dos homens das SA e das SS, definidos como figuras ideais em cartazes sempre renovados mas sempre muito parecidos uns com os outros, nas autoestradas e nas valas comuns". (p. 49)


A linguagem revela o homem. O gesto também.

"A linguagem sempre revela o que uma pessoa tem dentro de si e deseja encobrir, de si ou dos outros, ou que conserva inconscientemente. Este também é, sem dúvida, o significado da frase Le style c'est l'homme [o estilo é o homem]. Uma pessoa pode fazer declarações mentirosas, mas o estilo deixará as mentiras expostas". (p. 49)


COMENTÁRIO:

A explicação do filólogo é perfeita! Que o diga o apresentador da Bandeirantes Boris Casoy que ofendeu em 2009 os varredores de rua ao vivo (sem ele saber do erro de transmissão).

Casoy disse: "Que merda: dois lixeiros desejando felicidades do alto das suas vassouras. O mais baixo da escala do trabalho". Pior é a justiça brasileira que ainda aliviou para ele e a Band e o inocentou da condenação por danos morais coletivos (em 19/7/13).

Também já vi tanto político e dirigente sindical que se diz progressista e de esquerda falando cada uma...


Uniformidade absoluta da linguagem

"Livros, jornais, formulários e escritos de qualquer posto de serviço - tudo isso boiava no mesmo molho marrom, e a partir dessa uniformidade absoluta da linguagem escrita explicava-se a uniformidade da fala" (p. 51)

COMENTÁRIO meu anotado na lateral do livro:

"Minha nossa! O P.I.G. - Partido da Imprensa Golpista no Brasil - é exatamente isso! Sem a alternativa da internet e blogs progressistas estaríamos condenados à uniformidade dos meios de comunicação empresarial."


Bibliografia:

KLEMPERER, Victor. LTI - A Linguagem do Terceiro Reich. Editora: Contraponto. 1ª edição, 2009.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

LTI - A Linguagem do Terceiro Reich (Victor Klemperer)


"A língua conduz o meu sentimento, dirige a minha mente, de forma tão mais natural quanto mais inconscientemente eu me entregar a ela. O que acontece se a língua culta tiver sido constituída ou for portadora de elementos venenosos? Palavras podem ser como minúsculas doses de arsênico: são engolidas de maneira despercebida e aparentam ser inofensivas; passado um tempo, o efeito do veneno se faz notar"


Victor Klemperer, LTI



A apresentação do livro, feita pela tradutora Miriam Bettina Paulina Oelsner, é muito boa e nos instiga a ler o livro e compreender o poder e o efeito das técnicas de comunicação de massas utilizadas pelo Nazismo.

"Por meio de um estudo minucioso e metódico, Klemperer demonstra como o sentido dos conceitos foi sendo abandonado, de modo a empobrecê-los de propósito: o significado das palavras foi desvirtuado; o preparo físico foi valorizado em detrimento da capacidade intelectual; a camada social culta e instruída foi desvalorizada, estimulando o desinteresse cultural; o significado da palavra filosofia foi esvaziado por causa do perigo que o exercício do livre-pensar poderia suscitar" (p.17)

COMENTÁRIO

Sublinhei aquele trecho porque é exatamente o que virou o ser humano neste início de século XXI. Hoje o que vemos ao nosso redor são corpos tatuados, marombados ou magérrimos, sem a mínima aceitabilidade de uma ruga, uma mancha na pele, um cabelo que não seja liso (os negros que se virem!). Pensar hoje? Impossível. O máximo que se exige é ser "pescado" pelas homes com vídeos engraçados, com bundas, com mortes macabras, com denúncias muitas vezes vazias... e a pessoa retuíta, encaminha, curte, cutuca, ou comenta... e fica cada dia mais 'inteligente"!!!!


Sentidos semânticos foram mudados durante o Regime Nazista

Outro trecho da apresentação: "Outro exemplo é a palavra Heroismus [heroísmo], que deixa de ter um sentido de grandeza e abnegação para representar os que se entregavam de corpo e alma à ideologia nazista, os que matavam mais, os que obtinham mais medalhas nas competições esportivas, entre outros". (p.18)

E a tradutora Miriam Bettina finaliza a apresentação com um alerta muito, mas muito atual mesmo!

"Hoje, imersos em bombardeio de mensagens dos vários meios - eletrônicos, impressos, visuais, auditivos -, mais do que nunca é necessário analisar o discurso e suas mensagens subliminares". (p.26)


COMENTÁRIO FINAL

Quando vi este livro, estava flanando por uma grande livraria e fiquei doido para lê-lo. Comprei na hora. Imaginem se eu consegui ler mais que umas dezenas de páginas? O livro foi publicado em 1947, pelo autor judeu alemão sobrevivente do Nazismo.

Mas o tema que Victor Klemperer aborda é extremamente atual e necessário para a compreensão do que estamos vivendo no Brasil da era pós eleição de Lula da Silva (PT) em 2002 e mesmo da era da rede mundial de computadores e das redes sociais (internet = aquelas que os USA acompanham diariamente e sabem tudo o que digitamos nelas).

Estamos vivendo o mesmo processo de construção de ódios através de re-significações das palavras em nosso País e no mundo neoliberal e capitalista pós crise de 2008.


Bibliografia:

KLEMPERER, Victor. LTI - A Linguagem do Terceiro Reich. Editora: Contraponto. 1ª edição, 2009.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Poema de la lucha de clases - Leminski


en la lucha de clases
todas las armas son buenas
piedras
noches
poemas


de
Paulo Leminski

do livro
 não fosse isso e era menos
não fosse tanto e era quase

domingo, 14 de julho de 2013

O "novo", o "velho" e o bobo - Paulo Moreira Leite


Enfraquecer as organizações do movimento sindical constitui um objetivo do conservadorismo brasileiro desde 1954


Por: Paulo Moreira Leite

Procura-se minimizar o Dia Nacional de Luta convocado pelas centrais sindicais a partir de uma comparação cinematográfica com os protestos de caráter político ocorridos em junho. É uma comparação indevida. A nova moda ideológica é falar em “velho” e “novo”.

Aquelas mobilizações tiveram clara natureza política, apontando, difusamente, para autoridades constituídas – fosse o prefeito, o vereador, o guarda da esquina, o governador, a presidente da República e assim por diante. Eram formadas por uma massa de jovens, em sua maioria estudantes, com ideias diversas e até antagônicas. Sua direção era semi-secreta, movimentando-se por sites, vídeos e blogs da internet. Havia anarquistas, libertários e fascistas, que chegaram a carregar faixas pedindo a volta dos militares ao poder. Vídeos com audiência nos milhões de pessoas pediram boicote a Copa e até a suspensão de investimentos no país. Interessados em manter Dilma Rousseff sob pressão, os grandes grupos de mídia adoraram. Divulgaram datas e locais dos protestos como se prestassem um serviço para shows e peças de teatro.

Os protestos trouxeram benefícios palpáveis, como redução nas tarifas. Também obrigaram as instituições políticas a responder a demandas há muito tempo ansiadas pela população. Mas também deram curso a atos de demagogia e grande oportunismo. O Congresso Nacional transformou-se numa usina de projetos aprovados à toque de caixa, apenas para agradar a multidão. Uma das principais questões colocadas pelas ruas – uma reforma de fundo em nosso sistema político – pode ser destruída, ponto a ponto, em negociações destinadas a bloquear a participação popular nas decisões. Velho? Novo?

O Dia Nacional de Luta foi um ato das lideranças de trabalhadores, que, como apontou o jornal espanhol El País, pela primeira vez em 22 anos foram às ruas numa mobilização nacional para defender seus interesses e cobrar providências do governo. Não foi um grande espetáculo nem um ato de ruptura com o governo Dilma, como gostaria a oposição.

Mas foi um aviso definido numa situação bem específica.

Em vários pontos de São Paulo, viveu-se um clima de feriado – ainda mais notável porque as linhas de ônibus e o metrô funcionaram normalmente. Os protestos em grandes empresas, no Paraná, em Goiás, foram vigorosos entre categorias importantes. Um ato reuniu 15.000 pessoas no Recife e 10.000 em Belo Horizonte. Ocorreram marchas em Cuiabá e em Brasília mas também em São Luís e Fortaleza. Quatro mil trabalhadores de São Bernardo do Campo desfilaram pela Via Anchieta. Se cabe registrar a denúncia de pagamento de ajuda de custo cachê recebido por manifestantes da avenida Paulista, convém não tomar a árvore pela floresta. A 25 de março, maior centro de comércio do país, foi paralisada, evento nada desprezível. O Rio de Janeiro assistiu a um protesto de 20.000 pessoas.

É preciso muito esforço para não enxergar sua importância – apesar da desvantagem numérica e da falta daquele glamour midiático de uma ação comandada por pessoas com menos de 24 anos.

No Brasil de 2013, os juros estão em alta, o crescimento econômico encontra-se em queda e os trabalhadores estão preocupados com o futuro de suas famílias. Ninguém sabe até quando o desemprego permanecerá baixo. Nem até quando os salários poderão subir sempre um pouco acima da inflação. Coisas “velhas”, com certeza. Mas imagine o “novo” que pode estar a caminho.

Antes de acreditar nos ideólogos que em menos de 24 horas descobriram a nova divisão do mundo e das pessoas, é bom lembrar que o trabalho assalariado não foi abolido, apesar do desemprego estrutural crescer em vários países e versões inesperadas de trabalho escravo terem surgido. Ter um bom emprego continua sendo a principal referência de existência e conforto para a imensa maioria da população, ao menos enquanto o mundo viver sob regras da economia atual e não for possível criar uma sociedade do lazer ampla e irrestrita.

As questões deste universo, do trabalho foram colocadas pela manifestação de ontem. Nada “novo,” é verdade. Mas dolorosamente real.

Os sindicatos pedem atenção às aposentadorias, questão essencial num país em processo acelerado de envelhecimento. Também denunciam as políticas de terceirização, que ameaçam progressos históricos obtidos a partir da CLT. Não querem o “novo”, se isso significa criar um mundo pior que o “velho”.

Enfraquecer as organizações do movimento sindical de todas as maneiras constitui um objetivo estratégico do conservadorismo brasileiro desde 1954, quando Getúlio Vargas foi arrancado do Catete pelo tiro do suicídio. Essa meta alimentou o golpe de 1964, e, com todas as nuances e correções, encontra-se por trás de campanhas permanentes contra o sindicalismo brasileiro nos dias de hoje. Como a CLT foi assinada em 1944, é vista como símbolo do “velho.” Mas era o “novo” em relação a 1930, quando a questão social era “caso de polícia”.

Novo, velho? Não vale fazer papel de bobo.

Convém não esquecer que o atual governo não foi gerado em gabinetes da FIESP nem em piqueniques acadêmicos, mas tem raízes nas greves de trabalhadores dos anos 70.

E é evidente que dividir e enfraquecer o movimento sindical será um objetivo essencial da oposição para 2014, quando se joga a sucessão presidencial de Dilma Rousseff, desde já a mais difícil disputa política para os trabalhadores desde 2002.

A principal crítica que se faz aos protestos foi ter, supostamente, um caráter governista, de quem teria sido cooptado pelo governo em troca de favores e presentinhos. Em tom de lamúria, lamenta-se que o sindicalismo tenha perdido a vocação “autêntica” para assumir velhas práticas de conciliação e submissão. Numa versão verde-amarela da estratégia thatcherista de deixar as entidades sindicais sem recursos, estrangulando sua atividade com a falta de dinheiro, volta-se a criticar o imposto sindical, que todo trabalhador pode se recusar a pagar, sendo devidamente estimulado a fazer por funcionários de RH de grandes empresas.

Falar em “acomodação” e “peleguismo” é uma ação de fundo eleitoral, para ajudar aquele “novo” que ninguém sabe quem será. Tenta-se, com ela, esconder benefícios reais conseguidos nos últimos anos.

A maioria dos trabalhadores votou na eleição de Dilma em 2010, assim como assegurou as duas eleições de Lula. Obteve conquistas importantes, ainda que o país não tenha, obviamente, chegado ao paraíso.

A renda média do cidadão brasileiro continua muito baixa. O salário médio não permite à maioria dos brasileiros ter acesso a bens e confortos que são padrão neste início de século XXI.

A falta de qualidade nos serviços públicos atinge um padrão vergonhoso.

Apesar disso, na última década os trabalhadores conseguiram melhorias importantes, muitas inéditas. O desemprego caiu a um nível nunca visto. O salário mínimo não parou de subir. O emprego formal cresceu e a desigualdade regional diminuiu. Apresentado como filantropia de fins eleitorais, o Bolsa Família nada mais é do que uma resposta dos poderes públicos a condição de miséria na qual sobrevivem milhões de famílias de trabalhadores sem emprego decente, sem estudo formal e sem qualificação profissional, a que todos deveriam ter direito.

O problema real é outro. Entregue aos solavancos e misérias do mercado, o mundo encontra-se em sua pior crise desde 1929. Em toda parte, conquistas históricas se encontram sob ameaça – quando não foram simplesmente revogadas.

A regressão é geral e muita gente repete que não há outra saída. É o novo conformismo. Novo?

Este é o mal que ronda a Terra, como assinalou Tony Judt, um dos principais historiadores de nosso tempo.

O debate realmente novo é impedir este processo de chegar ao País.

A oposição, em suas várias faces e muitas máscaras, está pronta para cumprir seu papel. Recebe estímulos, favores e até carinhos. Fala através de eufemismos e encontra-se bem protegida.

Por trás dela encontra-se o rumo das conquistas arrancadas depois de 2002 – e o que será feito com elas no pós-2014.

Este é o debate que o Dia Nacional de Luta colocou. Convém não desprezá-lo.



Paulo Moreira Leite
Desde janeiro de 2013, é diretor da ISTOÉ em Brasília. Dirigiu a Época e foi redator chefe da VEJA, correspondente em Paris e em Washington. É autor dos livros A Mulher que era o General da Casa e O Outro Lado do Mensalão.

Paráfrase Política de “1984” de Orwell



“Quem controla o passado,
Controla o futuro;
Quem controla o presente,
Controla o passado.”

Se o PIG controla o publicável,
Controla o passado;
Se o PIG controla o judiciário,
Controla o futuro!

E o ParTido no poder
não fez nada em 13 anos
para regulamentar o PIG,
que segue pondo em risco o futuro...


William Mendes


Post Scriptum (2015)

Na revisita ao poema, inspirado nas manipulações da imprensa golpista nos eventos das manifestações de junho de 2013, vemos o quanto o que escrevi acima aumentou em relação a por em risco o futuro. Piorou muito a influência de meia dúzia de donos de toda a mídia em alimentar a semente do fascismo no seio do povo brasileiro.

*(PIG – Partido da Imprensa Golpista)


Post Scriptum II (abril de 2016)

E então, a previsão se tornou realidade...

Como odeio acertar previsões catastrofistas... e não é que a Globo/P.I.G. e asseclas conseguiram implantar o Golpe de Estado e a Presidenta Dilma Rousseff (PT) foi derrotada numa sessão de escárnio em nome da família, deus, da ética, do cachorro da casa... 367 x 137 (vitória do golpe - P.I.G. venceu!)

Agora começa o trabalho de reescrever o passado no presente para dominar o futuro, enquanto parte dos derrotados ficam no chororô, até silenciarem.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Paulo Leminski - uma descoberta!


Livro com obra completa em poesia do Leminski.

Refeição Cultural

"Não fosse isso e era menos 
não fosse tanto e era quase”


Cheguei hoje do trabalho e fui com a esposa ao shopping. Estava devendo isso faz dias. Enquanto esperei que ela fizesse o que queria, fui para a livraria.

Estou precisando de um alimento para meu ser, pois ando decepcionado com a política sindical e partidária. Ando decepcionado com a falta de foco nos projetos políticos coletivos ao invés do foco no si mesmo.

Um antídoto é uma bela Refeição Cultural. O ser humano precisa buscar prazer na cultura, naquilo que o faz diferente dos demais animais.

Entrei na livraria, flanei e peguei um livro nas mãos. Comecei a lê-lo. Sentei-me e aguardei a chegada de minha esposa. Comprei o livro.


Nada tão comum
que não possa chamá-lo
meu

nada tão teu
que não possa dizê-lo
nosso

nada tão mole
que não possa dizê-lo
osso

nada tão duro
que não possa dizer
posso

(do livro: Caprichos & Relaxos)

Eu não conhecia o paranaense Leminski. Só ouvira falar de sua fama como bom poeta. Estou lendo a coletânea de poemas completos dele e estou fascinado!

Achei na internet um especial sobre ele (e com ele) feito em 1985, pouco antes dele falecer precocemente aos 44 anos. Fiz uma pipoca e assisti ao documentário. É muito bom! Deixo aos leitores e amigos, dois poemas e o vídeo de autoria de Werner Schumann.


Antes do vídeo, mais um poema:

contranarciso

em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas

o outro
que há em mim
é você
você
e você

assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós


Ervilha da Fantasia

Documentário para TV, sobre o grande escritor, poeta, tradutor e professor brasileiro Paulo Leminski, realizado em 1985 por Werner Schumann com edição de Eduardo Pioli Alberti e Produção Executiva de Altenir Silva, Willy Schumann e Werner Schumann.

É o mais importante trabalho realizado sobre o poeta, onde ele descreve todo o seu pensamento sobre poesia, cinema, literatura, psicanálise e apresenta a sua obra. Quatro anos depois (7 de junho de 1989) ele viria falecer em Curitiba.

O documentário "Paulo Leminski - Ervilha da Fantasia (1985)" está disponível na íntegra no youtube (29 minutos).