domingo, 17 de janeiro de 2016

Dublinenses - James Joyce, 1914




Início da madrugada de domingo, 17 de janeiro.

Estou em minha residência em Brasília. O filho jogando videogame e a esposa com os seus afazeres.

Cá estou com minhas leituras e releituras: Machado, Frans de Waal, Saramago, José J. Veiga. Salinger. Relendo meu blog.

Reli um dos contos do clássico "Dublinenses", de James Joyce.


UM CASO DOLOROSO

Foi a quarta leitura deste conto: fevereiro e junho de 2002, agosto de 2012 e agora. É narrado em Discurso Indireto Livre.

"O senhor James Duffy morava em Chapelizold porque desejava viver o mais afastado possível da cidade a que pertencia e porque julgava os outros bairros de Dublin vulgares, modernos e pretensiosos. Morava numa casa velha e sombria..."


Joyce cita outros autores:

"Os livros nas prateleiras brancas estavam arrumados de acordo com o tamanho: as obras completas de Wordsworth ocupavam uma das pontas da prateleira mais baixa e um exemplar do Maynooth Catechism, dentro da capa de pano de um livro de notas, completava a divisão mais alta. Apetrechos para a escrita encontravam-se sempre sobre a mesa, onde havia também uma tradução manuscrita do Michael Kramer de Hauptmann..."


Caracterização do personagem:

"Duffy detestava tudo o que lembrasse desordem física ou mental. Um médico da Idade Média o classificaria como saturnino. Seu rosto, que trazia as marcas de todos os seus anos, tinha a mesma cor escura das ruas de Dublin. Em sua cabeça, larga e comprida, crescia um cabelo seco e negro e os bigodes de tom castanho, não chegavam a dissimular a expressão hostil de sua boca. As maçãs do rosto também lhe davam uma aparência dura, mas não havia aspereza em seus olhos que, contemplando o mundo debaixo de sobrancelhas também castanhas, sugeriam tratar-se de um homem sempre pronto a descobrir nos outros qualidades redentoras, mas que geralmente se decepcionava..."


Algumas franquezas no cardápio: que diabo de expressão é essa?

"Às quatro da tarde deixava o trabalho. Jantava num restaurante da rua George, onde se sentia livre da juventude dourada de Dublin e onde havia algumas franquezas no cardápio..."


Personagem é um recluso:

"Não tinha amigos, nem companheiros, nem igreja, nem credo. Vivia espiritualmente isolado de todos, visitando os parentes no Natal e acompanhando-os ao cemitério quando morriam. Cumpria esses dois deveres sociais em respeito à tradição, nada mais concedendo às convenções que regem a vida do cidadão..."


A outra personagem e nova frase bem estranha na descrição de algo:

"Seu rosto, que devia ter sido belo, conservara-se inteligente. Era um rosto oval com traços fortemente marcados. Os olhos eram de um azul muito profundo e resolutos. Seu olhar começava com uma nota de desafio, mas abrandava-se no que parecia um deliberado desfalecer da pupila na íris, revelando, por um instante, um temperamento de grande sensibilidade. A pupila recompunha-se rapidamente e aquela natureza, apenas revelada, recolhia-se de novo ao reino da prudência..."


"Chamava-se Emily Sinico. O bisavô do marido viera de Leghorn. O marido era capitão de um navio mercante que fazia a linha entre Dublin e a Holanda. Tinham apenas uma filha."


Abaixo, temos a descrição de um adultério com "justificativa social". O marido marinheiro não liga mais para a esposa e chega a achar que a visita de Duffy é por interesse na filha e não na esposa:

"(...) Pensando tratar-se da mão de sua filha, o capitão Sinico encorajou-lhe as visitas. Tão sumariamente dispensara a esposa da galeria de seus prazeres, que não imaginava pudesse alguém se interessar por ela..."


Crítica ao Partido Socialista Irlandês:

"(...) contou-lhe que durante certo tempo frequentara reuniões do Partido Socialista Irlandês, nas quais se sentira como um corpo estranho entre uma vintena de circunspectos operários, reunidos num sótão sob a luz precária de um lampião a óleo. Quando o partido se dividiu em três facções, cada qual ficou com seu líder e seu sótão (...) Percebera que eram realistas empedernidos e que lhes faltava o rigor de pensamento resultante de um ócio fora do alcance deles. Por alguns séculos ainda, acrescentou, nenhuma revolução social perturbaria Dublin."


Um dia, o romance acaba:

"Os encontros terminaram quando, numa noite em que dera mostras de inusitada agitação, a senhora Sinico agarrou-lhe apaixonadamente a mão e apertou-a contra o rosto."

(...)

"Concordaram em romper relações. Todo vínculo, disse ele, é um vínculo para o sofrimento."


O autor Joyce acelera o tempo e mostra a próxima cena quatro anos depois:

"Quatro anos se passaram. Duffy retornara à vida monótona de sempre..."


Cita a seguir duas obras de Nietzsche:

"(...) e entre os livros havia dois volumes de Nietzsche: Assim falou Zaratustra e A gaia ciência. Ele raramente escrevia nas folhas de papel que estavam sobre a escrivaninha. Uma frase, anotada dois meses após o último encontro com a senhora Sinico, dizia: 'O amor entre dois homens é impossível porque não deve haver relação sexual e a amizade entre homem e mulher é impossível porque é preciso haver relação sexual'..."


Comentário do blog: sem fazer juízo de valores, é bom lembrarmos que a obra é de 1914 e o contexto é a Irlanda e os usos e costumes da época, que Joyce tanto criticava, por sinal.

O desfecho final do conto é "um caso doloroso"... Não vou descrever aqui.

Todos os contos deste livro de estréia de James Joyce são eivados de críticas ao povo irlandês. As críticas são no sentido de o autor achar que as pessoas são cheias de crendices, exageros no cumprimento de dogmas religiosos, que as pessoas não se renovam, que os preconceitos emperram a vida e o progresso da cidade etc.

É isso!

William

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