sábado, 23 de julho de 2016

José J. Veiga e o choque cultural no estranho que chega



Literatura - leitura necessária a nós que queremos
pensar o mundo e a vida, sem conformação.

Refeição Cultural - Literatura Brasileira


"Eu estava quase perdendo a esperança de voltarmos à vida antiga, e já não me lembrava mais com facilidade do sossego em que vivíamos, da cordialidade com que tratávamos nossos semelhantes, conhecidos e desconhecidos. Quando eu pensava no passado, que afinal não estava assim tão distante, tinha a impressão de haver avançado anos e anos, sentia-me velho e deslocado. Para onde nos estariam levando? Qual seria o nosso fim? Morreríamos todos queimados, como tantos parentes e conhecidos?(A usina atrás do morro, conto do livro Os Cavalinhos de Platiplanto)


O ano de 2016 foi aquele em que finalmente li e conheci um de nossos grandes escritores brasileiros, José J. Veiga. Em janeiro, me dei o direito de ler o seu livro de estreia - Os Cavalinhos de Platiplanto, de 1959 - e, dias atrás, o seu segundo livro se ofereceu a mim, quando olhava estantes de livros em uma livraria de Osasco - A Hora dos Ruminantes, de 1966. Gostei muito do estilo do autor.

Tanto em seu primeiro romance quanto nos contos, há uma temática que me envolveu sobremaneira e me fez lembrar a temática que autores das primeiras décadas do século 20 abordaram em suas obras: a chegada da "modernidade", da tecnologia em seus mundos, o choque da cidade grande com a tranquilidade das pequenas cidades e vilas do interior, e a chegada do estranho, do de fora, como algo que ora animava pela perspectiva de trazer coisas boas à localidade, ora assustava pelo próprio susto da novidade ou porque efetivamente chegava mudando tudo no local, e não para melhor, mas com um quê de destruição de algo benfazejo - a paz, a tranquilidade, o lado bom e tradicional no local.

Drummond e Manuel Bandeira abordaram muito essa temática em seus primeiros livros de poesia modernista nos anos vinte e trinta do século 20.

Lendo os contos d'Os Cavalinhos de Platiplanto e o romance A Hora do Ruminante (comentário da leitura AQUI), fiquei arrepiado e assustado ao pensar o quanto são atuais no contexto em que eu leitor e nós brasileiros vivemos neste momento de nossas vidas.


A cada página, mais fico pensando na obrigação de nossos
jovens brasileiros e latino-americanos de lerem essa obra e

se libertarem do jugo da dominação ideológica dos de fora,
que só querem nosso tudo.

Para me colocar mais pensativo ainda, também estou lendo a obra máxima de Eduardo Galeano, As Veias Abertas da América Latina (de 1971), que também trata da temática do estrangeiro que chega, com a novidade que destrói e arrasa o local em benefício do estranho e de seu mundo lá fora. 

Eu estava lendo Galeano no momento em que estive no país dele, dias atrás, e ele me explicou aquele bairro de mansões vazias e inúteis de Punta del Este, no Uruguai. 

Estava lendo Galeano ontem no voo que me trazia de três dias de estadia a trabalho em Manaus, no meio da Floresta Amazônica, e em Roraima, e Eduardo Galeano me contava em seu livro do que os estrangeiros fizeram, fazem e agora estão se programando para fazerem mais ainda com nossa terra, nosso solo, nossas riquezas e fodam-se todos nós povos aqui das américas-quintais de exploração de itens básicos e primários para norte-americanos e europeus produzirem em seus países as bombas, as armas, os foguetes, os bens de consumo etc, para eles, só para eles. Se for para importarmos, são dezenas de vezes mais caros que as matérias primas de nossos solos.


Conto "A Usina Atrás do Morro" e "A Hora dos Ruminantes"

"Lembro-me quando eles chegaram. Vieram no caminhão de Geraldo Magela, trouxeram uma infinidade de caixotes, malas, instrumentos, fogareiros e lampiões, e se hospedaram na pensão de D. Elisa. Os volumes ficaram muito tempo no corredor, cobertos com uma lona verde, empatando a passagem..." (Os Cavalinhos de Platiplanto)

Assim começa o conto. O desenrolar da estória é impressionante. Todos os dias em nossos países, cidades, Américas do Sul e Central, acontece, aconteceu, e vem acontecendo isso com a chegada de empresas estrangeiras (corporações) que não nos amam, que não nos consideram, que são extremamente racionais no que vieram fazer aqui séculos atrás, dezenas de anos atrás e não sinto que isso mude hoje e no amanhã. Essas empresas hoje estão com os mesmos projetos exploratórios de sempre, e não é para benefício algum de nossa gente e de nosso país. Que merda isso!

E deixo claro que estou falando sob a ótica da exploração das corporações capitalistas donas do mundo e não dos seres humanos e trabalhadores que são as vítimas exploradas por elas em qualquer país. Eu sou amplamente favorável à liberdade de trânsito dos cidadãos do mundo para escolherem onde viver e trabalhar. Acho um absurdo a xenofobia que volta a se espalhar pelo mundo em crise capitalista.


"A noite chegava cedo em Manarairema. Mal o sol se afundava atrás da serra - quase que de repente, como caindo - já era hora de acender candeeiros, de recolher bezerros, de se enrolar em xales... 

(...)

Os cargueiros vinham descendo a estrada, quase casados com o azul geral. Mas uns homens que estavam na ponte tentando retardar a noite perceberam o sacolejo das bruacas, o plincar dos cascos nas pedras, se interessaram..." (A Hora dos Ruminantes)


Em ambas estórias, estranhos chegam chegando, mudando, causando o caos na vida das comunidades, trazendo mistério pelo que vieram fazer. Com o tempo, a vida vai ficando pior para os moradores das comunidades, bem pior. A novidade desencanta e é uma merda só...

Personagens locais antes dóceis, bonzinhos e respeitados, de repente, viram a casaca e passam a ser agentes dos estranhos e de suas empresas. Assédios descontrolados sobre as populações e nada nem ninguém para protegê-los... nem a porcaria da lei, da justiça etc...

Catarse. Sentido de que não tem mais jeito, era boa a vida, mas agora já era. Não dá mais pra mudar, então é conformar e esperar o fim...


E hoje?

Quando olhamos nossa vida real hoje, hoje, a sensação acaba sendo a mesma, igualzinho. Olha o papel de seres da política como os porta-vozes dos exploradores seculares de fora de nosso mundo... olhe os desgraçados dos senadores e políticos entregando o nosso pré-sal e nossas empresas e riquezas para algumas corporações estrangeiras ou "nacionais" com capital estrangeiro, que já fizeram isso conosco nesses séculos todos.

E parece que ninguém nem nada pode nos salvar. Não tem reação nas ruas, praças, logradouros em nosso mundo afora, um mundo continental. Tem reações episódicas, em nossos lares e fragmentos de mundo. Resmungos.

É tão igual a realidade com a ficção que a lei, justiça, agentes, estão todos contra nós, o povo invadido. Os nossos lesas-pátrias estão tão com eles de fora, que, inclusive, estão mudando "as leis" para tudo ser legal, a entrega de nossas coisas e a nossa exploração.

Chega! Queria dizer o quanto as estórias de José J. Veiga são reais, fazem a ponte com o real. Os finais são bem abertos. Quiça para nos dar alguma esperança ao ler a ficção e nos atrevermos a pensar a nossa realidade... quem sabe ter esperança como numa das estórias ou só o lamento como na outra.

Eu recomendo a leitura de literaturas de qualidade como essas de José J. Veiga e Eduardo Galeano.



Fecho meu comentário e texto, me referindo ao epigrama que citei no início. Não parece que faz tanto tempo, foi durante os anos anteriores, quando estávamos vivendo uma brasilidade enaltecida, interna e externamente, quando estávamos conduzidos pelo governo Lula.

Olha só como estamos hoje, quando a burguesia tupiniquim, mancomunada com agentes e empresas do estrangeiro, avisou ao longo de 2013 e 2014 que não aceitaria mais nenhuma eleição do PT e nenhum vigor em projetos nacionais, e que os avanços deveriam ser freados e destruídos de qualquer maneira... e os desgraçados destruíram a economia do país em dois anos, com o apoio eterno dos meios midiáticos corrompidos de sempre e com parte dos agentes públicos do aparelho do Estado agindo de forma parcial e sem nenhuma dó das empresas nacionais e do emprego nacional.


Abraços, leitores amig@s.

William Mendes
Cidadão brasileiro

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