domingo, 8 de outubro de 2017

Casa-grande & Senzala - O indígena na formação da família brasileira





Refeição Cultural

Aproveitei o sábado de descanso de meu mandato em defesa da autogestão em saúde e dos direitos dos trabalhadores do Banco do Brasil para estudar e refletir um pouco sobre a história de nosso querido Brasil, que vive sob Golpe de Estado desde 2016 e hoje tem parte da máquina pública dominada por gente lesa-pátria, destruindo o patrimônio público e social do povo brasileiro.

Ao acordar ainda cansado de uma semana em que dormi muito pouco como ocorreu nas anteriores, fiquei pensando em qual autor eu pegava para ler. Pensei em contos de Machado de Assis ou Guimarães Rosa, mas achei melhor pegar o Casa-grande & Senzala (1933), de Gilberto Freyre.

Antes, porém, li alguns artigos jornalísticos. Tem me chamado a atenção o quanto textos que deveriam ser considerados de linguagem padrão estão sendo publicados e divulgados com erros de digitação, de sintaxe, de ortografia, de concordância etc. Eu não tenho crítica a textos informais ou com dialetos em escrita não-padrão como blogs. Toda vez que reviso meus textos, por exemplo, acabo encontrando uma digitação errada ou coisa do tipo. Mas jornais e revistas e sites institucionais são outra coisa.

Eu sei da péssima qualidade do jornalismo brasileiro, mas ao ler dois artigos em jornais espanhóis, a partir de leituras na página da RAE (La Real Academia Española) vi os mesmos tipos de erros. Acredito que nossos cérebros estão se diluindo com a comunicação e a informação mundial a partir da velocidade das redes sociais. Acho que estamos ficando menos inteligentes.

Quando penso na perspectiva de estar aproveitando menos as possibilidades de minha inteligência, da minha capacidade de pensar, me exaspero e busco uma forma de pegar algo complexo para ler e estudar. Faço isso nas horas de folga, mesmo sabendo que meu trabalho de gestor em saúde já é uma mescla entre a técnica e a política, ou seja, já exige capacidade intelectiva o tempo todo.


Lendo Casa-grande & Senzala

Capítulo II - O indígena na formação da família brasileira

Iniciei neste sábado o capítulo II do ensaio de Gilberto Freyre. A leitura foi de muita curiosidade, pois não sabia de várias coisas que são narradas ali pelo autor. No entanto, me incomodam bastante as adjetivações do ensaísta ao comparar os povos de cá das terras invadidas e os povos trazidos da África com os europeus, mas fazer o que, né?

Freire apresenta sua leitura das diferenças de colonização portuguesa e espanhola nas Américas, inclusive em relação aos ingleses e demais europeus. Ao encontrar povos mais ou menos organizados em relação à cultura e às tecnologias, os espanhóis agiram de forma a exterminar maias, astecas e incas, para roubar seus minerais. Já os portugueses encontraram povos em geral mais dóceis e com culturas mais rústicas, e o primeiro período de colonização foi, via de regra, de convívio.

"Os portugueses, além de menos ardentes na ortodoxia que os espanhóis e menos estritos que os ingleses nos preconceitos de cor e de moral cristã, vieram defrontar-se na América, não com nenhum povo articulado em império ou em sistema já vigoroso de cultura moral e material - com palácios, sacrifícios humanos aos deuses, monumentos, pontes, obras de irrigação e de exploração de minas - mas, ao contrário, com uma das populações mais rasteiras do continente..."

E segue comparando os cenários diferentes encontrados por espanhóis e portugueses:

"De modo que não é o encontro de uma cultura exuberante de maturidade com outra já adolescente, que aqui se verifica; a colonização europeia vem surpreender nesta parte da América quase que bandos de crianças grandes; uma cultura verde e incipiente; ainda na primeira dentição; sem os ossos nem o desenvolvimento nem a resistência das grandes semicivilizações americanas..."

Ao enfrentar as rebeliões dos indígenas do solo brasileiro, os portugueses não precisaram exterminar completamente os povos, como fizeram os espanhóis com maias, incas e astecas.

"(...) mesmo quando acirrou-se em inimigo, o indígena ainda foi vegetal na agressão: quase mero auxiliar da floresta. Não houve da parte dele capacidade técnica ou política de reação que excitasse no branco a política do extermínio seguida pelos espanhóis no México e no Peru..."


Essas questões iniciais, mais a questão do papel das mulheres indígenas na relação com os colonizadores portugueses em solo brasileiro, vão definir de forma permanente as características dos nascidos aqui nos dois primeiros séculos de dominação portuguesa.

"Híbrida desde o início, a sociedade brasileira é de todas da América a que se constituiu mais harmoniosamente quanto às relações de raça dentro de um ambiente de quase reciprocidade cultural que resultou no máximo de aproveitamento dos valores e experiências dos povos atrasados pelo adiantado; no máximo de contemporização da cultura adventícia com a nativa, da do conquistador com a do conquistado. Organizou-se uma sociedade cristã na superestrutura, com a mulher indígena, recém-batizada, por esposa e mãe de família; e servindo-se em sua economia e vida doméstica de muitas das tradições, experiências e utensílios da gente autóctone..."

A geração de filhos portugueses com índias e depois com as mulheres negras vindas do continente africano, apesar de ser consequência mais de satisfação biológica que outra coisa, se mostrou estratégica com o passar do tempo naquele primeiro século de colonização portuguesa por causa da questão da necessidade de ocupação espacial do continente.

"Observou Southey que o sistema colonial português se revelara mais feliz do que nenhum outro no tocante às relações do europeu com as raças de cor; mas salientando que semelhante sistema fora antes 'filho da necessidade' do que de deliberada orientação social ou política (...) Para a formidável tarefa de colonizar uma extensão como o Brasil, teve Portugal de valer-se no século XVI do resto de homens que lhe deixara a aventura da Índia..."

Algumas explicações de Freyre nos fazem refletir bastante e olhar para nosso passado. Das conclusões do pensador, vemos a alimentação que temos hoje, as diversas formas de cultura oriundas dessa mistura de culturas distintas adaptadas para sobreviver nesta nossa terra.

"À mulher gentia temos que considerá-la não só a base física da família brasileira, aquela em que se apoiou, robustecendo-se e multiplicando-se, a energia de reduzido número de povoadores europeus, mas valioso elemento de cultura, pelo menos material, na formação brasileira..."


Leitura de Casa-grande & Senzala se dá num triste momento brasileiro do século XXI, com retrocessos sociais enormes no pós golpe

Enfim, essas citações que postei são somente pitadas de toda a curiosidade que li através das interpretações de Gilberto Freyre na primeira parte do capítulo (que é grande). 

Muitas das explicações sobre a formação social brasileira têm sentido e nos fazem compreender um pouco do que vivemos neste momento como a geração que está vendo o Brasil pós golpe se tornar mais intolerante e preconceituoso, mais desigual e injusto com os povos oriundos das senzalas ou dos quintais e arredores das casas grandes.

Após quase 13 anos de governos mais voltados para prioridades populares como os de Lula e Dilma, do Partido dos Trabalhadores, e mesmo após mais de 25 anos de conquista da Constituição Federal de 1988, dita "constituição cidadã" porque foi fruto de lutas e mobilizações sociais nos anos oitenta após mais de duas décadas de ditadura civil-militar, vemos um ataque virulento e rápido dos golpistas em destruir décadas de conquistas do povo.

Onde vamos parar? Se o povo brasileiro demorar um pouco mais para reagir e retomar o Estado e suas instituições para si, o Brasil se perderá para sempre. As entregas lesas-pátrias do patrimônio público para corporações estrangeiras estão sendo feitas a cada semana desde o golpe porque se acredita que o povo não lutará para retomar o patrimônio doado quando a democracia voltar, se voltar.

É isso! O tempo de reagir é curto, mas cadê a reação dos milhões e milhões de cidadãos que num curto espaço de tempo histórico (anos) acessaram tantas conquistas sociais e agora num tempo muito mais curto ainda (de meses) veem seus direitos sociais escoarem pelo ralo sem reação à altura, mesmo que seja através de insubordinação ou guerra civil contra os da casa grande instalados nos aparelhos do Estado (em estado de exceção) que aí está?

William
Um brasileiro


Post Scriptum:

Por falar em língua padrão e não-padrão, eu não gosto de algumas mudanças do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, em vigor desde 2009, que mexeu em acentos, hífen, trema e outras coisas. Quando me apetece, eu não respeito o que está determinado. Como disse acima, sei que não posso fazer isso num ofício, mas posso fazer nos meus blogs...

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