sábado, 1 de setembro de 2018

A indescritível sensação de impotência ao viver ou presenciar a injustiça





Quando me pego pensando na amarga e dolorosa impotência que sentimos ao viver ou presenciar a injustiça, tento abstrair do fato e desviar os pensamentos para seguir respirando e buscando motivos que façam valer a pena estarmos vivos. Quase sempre temos alguém ou algo que nos vincule à vida. Falo em tentar abstrair ou desviar o pensamento da injustiça quando não vemos possibilidade de corrigi-la ou interrompê-la na hora, no instante em que ela ocorre.

A impotência causada pela injustiça que amargura meu ser neste momento é em relação ao que estão fazendo com o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva e com o povo brasileiro. Falo dos 208,5 milhões de brasileiros (estimativa do IBGE) que estão sofrendo as consequências do golpe de Estado aplicado em nosso país por uma pequena casta que detém os poderes e as ferramentas do mundo capitalista. Obviamente excluo do sofrimento da injustiça as 860 mil pessoas citadas recentemente pela revista CartaCapital (edição 1009), cuja capa falava sobre "A turma do 1%". Ler matéria AQUI.

Quem nunca sentiu a dor, a humilhação, o sentimento de impotência do não se ter o que fazer quando se é assaltado ou furtado, ou agredido fisicamente, ou assediado e torturado das mais diversas formas físicas e psicológicas, ou quando se é injustiçado por alguém ou algo mais potente que si? De algum abuso de poder do ente estatal ou de uma empresa ou de uma pessoa em posição de poder? Quase todo mundo já passou por isso na atualidade, independente de sua crença, origem, característica ou posição social, de seus valores éticos ou morais. 

Me lembro de várias passagens em minha vida de brasileiro nascido fora da casa-grande que me fizeram viver a dor da injustiça e a impotência. Eu tinha bem uns 12 anos quando coloquei pra secar no varal o primeiro tênis um pouco melhor que tive, depois das congas e kichutes de toda a vida infantil, e o tênis foi roubado. Tive que ficar vendo ele no pé de um sujeito maior e mal encarado do bairro porque as coisas eram assim onde morava em Uberlândia (MG). Eu criança senti uma impotência cruel... sentimento de criança que foi sacaneada. Ainda em Uberlândia, tive bicicleta furtada e para todo mundo a bicicleta era o meio de transporte para trabalhar e estudar. E eu já trabalhava desde os onze anos.

Já em São Paulo e Osasco, após os 17 anos, foram tantas as vezes que experimentei a sensação de impotência ao ser roubado ou furtado, que foi preciso ter uma cabeça boa para não fazer uma besteira pela revolta. Já trabalhava no Unibanco aos 20 anos quando arrombaram a casa de fundo que morava de aluguel e me roubaram as coisas que ainda estava pagando. Depois fui assaltado a mão armada com arma na cara para me roubarem a bicicleta. Depois me deram de presente de aniversário, dia 3 de abril, o furto de uma CB 400 TR, branquinha, linda, que eu tinha acabado de pagar. Não estava segurada. Eu só me sentei na rua às 3 horas da manhã e chorei. A impotência que a gente sente é indescritível!

Anos noventa, já trabalhando no Banco do Brasil, tive mais experiências de assaltos ou tentativas de assaltos. O cotidiano nos impõe a sensação de impotência pelo medo e pela violência contra as pessoas comuns que somos. Na agência da Rua Clélia (uma das centenas fechadas após o golpe de 2016) vivenciamos um assalto com um bando de brutamontes com metralhadoras dizendo que matariam todos se alguém reagisse. Tudo correu bem (quis dizer sem tiros). 

Tivemos arma na cabeça eu e minha companheira em tentativa de assalto ao nosso carro, um carro velho. Reagimos estupidamente, sem explicação, e não atiraram em nós. Fiquei gritando com os bandidos enquanto o carro descia a ladeira no ponto morto e por algum motivo saímos ilesos.

No último assalto que sofri, alguns anos atrás, voltava de uma atividade do movimento dos sem-mídia, realizada no vão do Masp na Avenida Paulista, numa tarde de sábado, quando um bando assaltou um monte de gente na passarela da CPTM da estação Presidente Altino, onde moro em Osasco, e eu fiquei por segundos negociando com os bandidos. Entreguei relógio e celular; não entreguei carteira e máquina fotográfica com as fotos da atividade. Coisa de maluco! Mas a sensação de humilhação e impotência em não poder fazer nada nessas horas é difícil de descrever.

Ainda sobre injustiça e sensação de impotência ao lidar com poderes desproporcionais e coisas do estado de exceção em que nos pegamos no país após 2016, sofri forte assédio moral no último período e isso me sensibiliza muito mais ao ver qualquer pessoa sendo injustiçada ou sofrendo processos violentos de exceção aos seus direitos como cidadão e ser humano. E eu já lutava contra injustiças desde muito jovem, seja individualmente de forma espontânea, seja coletivamente de forma organizada em movimentos sociais.

Por que citei essas passagens de um único cidadão, coisas que acontecem todo dia, toda hora, com gente como a gente? E que os meios midiáticos comerciais têm preferência em noticiar para alimentar o medo e gerar o ódio, e a sede de vingança tanto cidadã quanto estatal? 

Citei essas passagens porque lembrei que mesmo sendo mais um que viveu esse cotidiano de violências e injustiças, desde a tenra infância e adolescência, depois na vida adulta, acabei me pegando sempre envolvido em alguma causa ou mobilização que tivesse como origem a injustiça, a indignação, alguma situação que deixasse claro que algo ou alguém mais poderoso estava prejudicando algo ou alguém mais fraco, mais vulnerável. E assim me peguei organizando estudantes no ensino fundamental, no ensino médio, nas faculdades que frequentei. Assim me vi fazendo algo contra a injustiça, contra a impotência individual que sentimos com o que fazem conosco. Assim virei dirigente sindical bancário por vários anos de minha vida e representante de trabalhadores até bem recentemente.

Cara, o que estão fazendo com o presidente Lula é algo que me dilacera todos os dias. Estabeleci uma quarentena de silêncio em tempos em que as palavras e o debate de ideias foram superados pela intolerância, mas é muito difícil ficar calado diante de tanta injustiça. Minha leitura política me dava a certeza há dois anos, desde o golpe contra os 54,5 milhões de brasileiros que votaram em Dilma Rousseff, que aquele processo de impor ao Brasil a agenda que o povo não elegeu - de entregar o patrimônio brasileiro e acabar com os direitos sociais - não seria para tudo voltar ao normal em 2018. Eu não tinha ilusão alguma que o povo poderia reverter o golpe e as consequências do golpe logo depois de abril e agosto de 2016 pelas vias "institucionais". Ora, as "instituições" participaram do golpe.

É absurdamente escandaloso o processo parcial contra Lula e o Partido dos Trabalhadores para excluir o candidato da preferência do povo das eleições presidenciais, processo feito por uma casta que perdeu a vergonha de sua imoralidade (na verdade, são sujeitos amorais os privilegiados do 1%). Fico estupefato ao ver que pessoas que a gente conhece da família, colegas de trabalho e de convivência consigam lidar com todos os abusos contra Lula com naturalidade, endossando ou fazendo de conta que não é com eles, por mais que não gostem ou odeiem Lula, o PT, a luta dos movimentos sociais etc. Como pode cada qual levar sua vida como se nada estivesse acontecendo de injusto no mundo onde vivemos?

O que estão fazendo com o povo e a classe trabalhadora brasileira é algo que esmaga meu coração diariamente. Eu passei quase vinte anos de minha vida participando das lutas coletivas da classe trabalhadora de nosso país como dirigente eleito por meus colegas trabalhadores. Conheci profundamente o processo democrático e de lutas de classe e os sistemas que temos que enfrentar de manipulação e alienação de meus pares. Mesmo assim, é impressionante ver em menos de dois anos a destruição de um século de direitos políticos, sociais e humanos no Brasil, conquistados com muita luta, suor, sangue e lágrimas de um povo sofrido contra os abusos da casa-grande.

Esse assalto ao meu direito político de votar no homem que mais fez pelo nosso povo na história do Brasil supera a sensação de impotência que senti todas as vezes que fui violado em meus direitos e pertences materiais e imateriais ao longo desta vida de quase meio século. 

Eu tenho um misto de raiva, de tristeza, de perplexidade ao sair à rua, ir ao shopping, e ver as pessoas andando como se nada estivesse acontecendo. São 208,5 milhões de pessoas... como é que não temos 10% nas ruas do país indignadas com esse processo injusto contra Lula e contra a classe trabalhadora neste momento? Após a entrega do patrimônio nacional, após a terceirização total, após o fim dos direitos do trabalho, após a lei de destruição do SUS, após a impunidade contra tucanos e membros com mau caráter dos órgãos da justiça, enfim, toda a destruição do país feita ou endossada a toque de caixa por um pequeno grupo de 860 mil privilegiados?

Como pode tudo isso? Como andar na rua e ver tudo "normal" para as pessoas ao meu redor? Como suportar essa realidade com a consciência política que a vida de proletário me deu?

Difícil! Que sentimento de impotência!

William

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Post Scriptum:

Segue a nota do Partido dos Trabalhadores sobre a cassação da candidatura de Lula à Presidência da República nesta sexta, 31 de agosto.


Contra a cassação política, com Lula até o fim: Nota da Comissão Executiva Nacional do PT


Diante da violência cometida hoje (31) pelo Tribunal Superior Eleitoral contra os direitos de Lula e do povo que quer elegê-lo presidente da República, o PARTIDO DOS TRABALHADORES afirma que continuará lutando por todos os meios para garantir sua candidatura nas eleições de 7 de outubro.

Vamos apresentar todos os recursos aos tribunais para que sejam reconhecidos os direitos políticos de Lula, previstos na lei e nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Vamos defender Lula nas ruas, junto com o povo, porque ele é o candidato da esperança.

É mentira que a Lei da Ficha Limpa impediria a candidatura de quem foi condenado em segunda instância, como é a situação injusta de Lula. O artigo 26-C desta Lei diz que a inelegibilidade pode ser suspensa quando houver recurso plausível a ser julgado. E Lula tem recursos tramitando no STJ e no STF contra a sentença arbitrária.

É mentira que Lula não poderia participar da eleição porque está preso. O artigo 16-A da Lei Eleitoral prevê que um candidato sub judice (em fase de julgamento) pode “efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica”.

A Justiça Eleitoral reconheceu os direitos previstos nestas duas leis a dezenas de candidatos em eleições recentes. Em 2016, 145 candidatos a prefeito disputaram a eleição sub judice, com registro indeferido, e 98 foram eleitos e governam suas cidades. É só para Lula que a lei não vale?

O Comitê de Direitos Humanos da ONU determinou ao Brasil garantir os direitos políticos de Lula, inclusive o de ser candidato. E o Brasil tem obrigação de cumprir, porque assinou o Protocolo Facultativo do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. E o Congresso Nacional aprovou o Decreto Legislativo 311 que reconhece a autoridade do Comitê. O TSE não tem autoridade para negar o que diz um tratado internacional que o Brasil assinou soberanamente.

É falso o argumento de que o TSE teria de decidir sobre o registro de Lula antes do horário eleitoral, como alegou o ministro Barroso. Os prazos foram atropelados com o objetivo de excluir Lula. São arbitrariedades assim que geram insegurança jurídica. Há um sistema legal para os poderosos e um sistema de exceção para o cidadão Lula.

Em uma semana que envergonhará o Judiciário para sempre, a cúpula desse Poder negociou aumento de 16,4% nos salários já indecentes de ministros e juízes, sancionou a criminosa terceirização dos contratos de trabalho e, agora, atacou frontalmente a democracia, os direitos dos eleitores e os direitos do maior líder político do país. É uma cassação política, baseada na mentira e no arbítrio, como se fazia no tempo da ditadura.

A violência praticada hoje expõe o Brasil diante do mundo como um país que não respeita suas próprias leis, que não cumpre seus compromissos internacionais, que manipula o sistema judicial, em cumplicidade com a mídia, para fazer perseguição política. Este sistema de poder, fortemente sustentado pela Rede Globo, levou o país ao atraso e o povo ao sofrimento e trouxe a fome de volta.

A candidatura do companheiro Lula é a resposta do povo brasileiro aos poderosos que usurparam o poder. Lula, e tudo o que ele representa, está acima dos casuísmos, das manobras judiciais, da perseguição dos poderosos.

É com o povo e com Lula que vamos lutar até o fim.

Lula Livre!

Lula Candidato!

Lula Presidente!

COMISSÃO EXECUTIVA NACIONAL DO PARTIDO DOS TRABALHADORES

2 comentários:

Mário disse...

Falou pro mim. Triste nação e povo brasileiro.

Marcelo Brito disse...

Cara. O que me deixa mais estupefato é a minha inocência em acreditar que um poder como o judiciário colocaria seus deveres institucionais a frente de seus caprichos pessoais e de perceber que essas instituiçoes estao completamente loteada pelas classes mais abastadas que desprezam a maioria do povo brasileiro. Me assusta a ignorância desses concursados do poder judiciário que parecem não ter a me os noção (ou simplesmente ignoram) do seu papel institucional.