Este blog é para reflexões literárias, filosóficas e do mundo do saber. É também para postar minhas aulas da USP. Quero partilhar tudo que aprendi com os mestres de meu curso de letras.
sexta-feira, 11 de janeiro de 2008
Lágrimas de Xerxes, conto de Machado de Assis de 1899
Em 1873, Machado faz críticas à literatura brasileira no que diz respeito ao Romantismo e ao Nacionalismo em seu texto "Instinto de Nacionalidade".
Tentativa de se criar um ethos do povo tupiniquim. José de Alencar é um dos idealizadores desse projeto burguês brasileiro.
Descrever-se a natureza - as frutas, as árvores, os índios etc - para o "povo culto". Falar-se do típico local.
Machado acha que falar sobre isso não é fazer essas referências. Acha que a literatura não deve ser documento. Deve ser arte literária.
A verdadeira literatura enquanto arte é o escritor estar atualizado com os meios artísticos. Cuidar da própria arte. (França = arte pela arte - ideia da torre de marfim. A arte não terá nenhuma vocação social. Vai dar lá no Parnasianismo. Também havia a total desvalorização da arte pela burguesia e pelo não-valor comercial dela)
Machado correu o risco da arte pela arte - falar de fruta muito bem, ou grandes descrições. Mas ele conseguiu dar um salto importante em sua obra.
Ele representa ideias. Estruturas que ordenam a sociedade. Elementos constitutivos da Corte, depois da república.
No primeiro conto que analisamos - Pai contra Mãe - o caso é banal. Mas Cândido não tinha profissão; era branco; não-proprietário, ou seja, teoria da estrutura social. Cândido está prensado entre a elite e os escravos.
Lágrimas de Xerxes, de 1899
Leia o conto AQUI
"... Eu sei o que me contaram os ventos, que andam cá e lá, abaixo e acima, de um tempo a outro tempo, e sabem muito, porque são testemunhas de tudo. A dispersão não lhes tira a unidade, nem a inquietação a constância", disse Frei Lourenço a Romeu e Julieta, querendo casá-los sob as luzes das velas da igreja e não sob as luzes das estrelas.
"Cousas duras. Heródoto conta que Xerxes um dia chorou; mas não conta mais nada. Os ventos é que me disseram o resto...", responde o Frei ao ser questionado por Romeu sobre o que havia dito os ventos.
O conto é aquilo que ele critica no romantismo da nacionalidade. Os românticos leram Shakespeare e babaram com sua obra.
O professor Hansen fala brevemente da peça "Romeu e Julieta". Ideia do amor absoluto: 1 + 1 = 1 (ou seja, não tem como dar certo!)
Machado escreve um texto que é romântico na "inspiração". O texto não tem narrador. É dramático. Personagens no presente (diálogo). Eles (os personagens) sabem menos que os seus leitores (acham que vão viver felizes para sempre).
Machado faz ironia dramática. Contradição entre a expectativa do personagem e a do leitor. O espectador/leitor já sabe que vai acontecer o contrário do que os personagens desejam.
O autor faz de forma dramática o núcleo de seus contos. Ao mesmo tempo que representa personagens individuais, representa também a realidade, ou seja, a sociedade com relação aos grupos sociais constituintes. A personagem machadiana está e/ou faz em desacordo com o que o leitor espera daquele representante de determinado grupo social.
"... O próprio mar, quando ousou destruir a ponte que ele mandara construir, recebeu em castigo trezentas chicotadas", diz o Frei ao contar a crueza de Xerxes.
Literatura não é representação do real (senão seria ciência). Literatura tem que produzir estranhamento do real:
"Desautomatizar os atos". A verdade não existe dada. (na aula, Hansen lê Heródoto em grego falando de Xerxes)
"Os ventos... unidade na dispersão..." (isso é Machado de Assis)
Devemos ter compaixão pela dor - versão romântica da lua.
Mas, tem o Sol - astro da ironia. As lágrimas lembrarão sempre da brevidade de tudo. O amor, por exemplo. A morte que chega e leva tudo.
O altar é melhor que o céu, diz o Frei.
A religião dá o conforto. Vende a salvação. O céu, não. É real. É a biologia. É a realidade.
Enquanto indivíduos não somos nada. A espécie sobrevive. Mas quem pensa é o indivíduo. Xerxes chora por si. Compaixão por ele mesmo. Não pelos outros.
Ironia em cima de ironia.
O padre desmente o amor imortal deles. O leitor sabe que eles morrem (só eles não sabem).
Somos um conjunto de representações de vontades que nos preenchem (Schopenhauer)
A vida é acaso. Princípio de Machado de Assis. O autor não toma parte. Mostra o Sol e a Lua. Só isso.
Bela análise do conto.
Post Scriptum (8/02/16):
Relendo as postagens deste período (janeiro de 2008), acabei por reler o conto de Machado, Lágrimas de Xerxes, e atualizei esta postagem. Também aproveitei para atualizar links e classificação em categorias.
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