domingo, 14 de junho de 2009

Leitura: Estrela da manhã - Manuel Bandeira, de 1936



Refeição Cultural

Este é outro livro fantástico de Bandeira da fase modernista.

Vejam abaixo alguns poemas que eu diria serem bem duros e realistas, imagens nuas e cruas de uma época (diria até de todas as épocas):

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POEMA DO BECO

Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do 
                         [horizonte?
- O que eu vejo é o beco.

1933

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Outro poema que gostei bastante é:


MOMENTO NUM CAFÉ

Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida.

Um no entanto se descobriu num gesto largo 
         [e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz 
         [e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta.

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TRAGÉDIA BRASILEIRA

Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade.
     Conheceu Maria Elvira na Lapa - prostituta, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e os dentes em petição de miséria.
     Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura... Dava tudo quanto ela queria.
     Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.
     Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa.
     Viveram três anos assim.
     Toda a vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.
     Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, , Boca do Mato, Inválidos...
     Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.

1933

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E, por fim, dos poemas "duros" fecho com este:

CONTO CRUEL

A uremia não o deixava dormir. A filha deu uma injeção de sedol.
     - Papai verá que vai dormir.
     O pai aquietou-se e esperou. Dez minutos... Quinze minutos...Vinte minutos... Quem disse que o sono chegava? Então ele implorou chorando:
     - Meu Jesus-Cristinho!
     Mas Jesus-Cristinho nem se incomodou.

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Dos poemas mais leves, gosto bastante do "Trem de ferro", "Rondó dos cavalinhos" e "Os voluntários do Norte" (este dedico ao presidente Luís Inácio Lula da Silva)

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TREM DE FERRO

Café com pão
Café com pão
Café com pão

Virge Maria que foi isso maquinista?

Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força

Oô...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
De ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!

Oô...
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
Oô...
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matá minha sede
Oô...
Vou mimbora vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Oô...

Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...

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RONDÓ DOS CAVALINHOS

Os cavalinhos correndo,
E nós, cavalões, comendo...
Tua beleza, Esmeralda,
Acabou me enlouquecendo.

Os cavalinhos correndo,
E nós, cavalões, comendo...
O sol tão claro lá fora,
E em minhalma — anoitecendo!

Os cavalinhos correndo,
E nós, cavalões, comendo...
Alfonso Reys partindo,
E tanta gente ficando...

Os cavalinhos correndo,
E nós, cavalões, comendo...
A Itália falando grosso,
A Europa se avacalhando...

Os cavalinhos correndo,
E nós, cavalões, comendo...
O Brasil politicando,
Nossa! A poesia morrendo...
O sol tão claro lá fora,
O sol tão claro, Esmeralda,
E em minhalma — anoitecendo!

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OS VOLUNTÁRIOS DO NORTE

                     (São os do Norte que vêm!) 
                              Tobias Barreto

Quando o menino de engenho
Chegou exclamando:- “Eu tenho,
Ó Sul, talento também!",
Faria, gesticulando,
Saiu à rua gritando:
- "São os do Norte que vêm!"

Era um tumulto horroroso!
- "Que foi?" indagou Cardoso
Desembarcando de um trem.
E inteirou-se. Senão quando,
Os dois saíram gritando:
- "Ê vêm os do Norte! Ê vêm!…"

Aos dois juntou-se o Vinícius
De Morais, flor dos Vinícius
E Melo Morais também!
- "Que foi?" as gentes falavam…
E os três amigos bradavam:
- "São os do Norte que vêm!"

Nisso aparece em cabelo
O novelista Rebelo,
Que é Dias da Cruz também!
Mais uma voz para o coro!
E foi um tremendo choro:
- "Ê vêm os do Norte! Ê vêm!…"

E o clamor ia engrossando
Num retumbar formidando
Pelas cidades além…
- "Que foi?" as gentes falavam,
E eles pálidos bradavam:
- "São os do Norte que vêm!"

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Um deles, um DA SILVA, na luta feito LULA da Silva, veio e mudou o Brasil pra melhor, como nunca se falou, como nunca se viu!

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Bibliografia;

BANDEIRA, Manuel. Libertinagem & Estrela da manhã. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

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