Este blog é para reflexões literárias, filosóficas e do mundo do saber. É também para postar minhas aulas da USP. Quero partilhar tudo que aprendi com os mestres de meu curso de letras.
sábado, 15 de agosto de 2009
Romaria de Água Suja 2009
Refeição Cultural
Acordei hoje com o corpo bem “talhado”, ou seja, com ácido lático em cada milímetro cúbico de musculatura. Pedrado.
Mas estou bem. Para quem caminhou 85 km em 21 horas, estou sem nenhum problema.
Como a cada ano a caminhada traz experiências diferentes, este ano também teve das suas.
Cheguei a Uberlândia às 8 horas da manhã de quinta-feira, vindo de ônibus de Osasco SP. Nos outros anos, deixo para iniciar a caminhada no dia seguinte, após uma boa noite de sono.
Decidi sair para a Romaria no mesmo dia. Saí da casa de meus pais às 15 horas.
Apetrechos do caminhante
Procurei levar pouco peso. Quer dizer, mais ou menos. Levei blusa amarrada ao corpo, meu velho aikman com algumas fitas cassete (meia hora de música por lado), pão com presunto, ovo cozido com casca, pedaços de rapadura, duas garrafinhas de água, dois pares de meias, boné (o ideal seria chapéu para não torrar as orelhas), gorro. Basicamente isso.
Caminhando...
17:15h - Caminhei bem até o bairro Alvorada, próximo ao Trevo de Araxá, saída de Uberlândia. Troquei a meia molhada e comi um ovo cozido.
19:00h – Cheguei ao distrito de Olhos D’Água. Andado cerca de 19 km. Os pés e corpo estão em bom estado. Breu total!
23:45h – Cheguei ao Posto Triângulo. Andado uns 38 km. A caminhada se mostraria bem solitária, pois havia pouca gente na estrada. Fiz toda a descida rumo ao Rio das Velhas cruzando com poucas pessoas. Idem para a longa subida. Passei direto pelo Trevo de Miranda. Acho que já estava exagerando no ritmo.
2:00h – Cheguei ao Posto N. Sra. da Guia. Andei mais 10 km sem parar. Em outros anos, a cada referência do caminho, paro um pouco para descansar alguns minutos. Não fiz isso. Creio que abusei do corpo. Até esse momento havia comido um lanche e outras coisas que me deram pelo caminho como café, chá, pão de queijo. A próxima esticada até a Antena seria de 11 km.
Começou a bater um sono violento. Para piorar, a madrugada seria longa e solitária.
Meus pés estavam doendo, mas não havia bolhas.
A solidão da noite
Saí para caminhar até a Antena, uma das principais referências da Romaria e onde está a principal barraca de ajuda aos romeiros. Foi uma madrugada difícil.
A chegada à Antena é um momento de angústia. Para quem faz o trecho à noite é duro andar e andar e não ver a luzinha vermelha dela para dar ânimo. O pior é quando o romeiro vê a luzinha. Cara, você anda, anda, e anda e a Antena não chega. É uma agonia.
Após a chegada, as pessoas ou desistem de seguir ou ganham incentivos de todo mundo: “- agora falta pouco, vamos completar”. O que é meia verdade. Da Antena até a Igreja faltam 27 km. Em geral, as pessoas não sabem disso.
A magra lua minguante, em seu primeiro dia, apareceu lá pela uma hora da manhã. Apesar de pouca luz, alumiou um pouco meu caminho.
Me lembro que estava ouvindo “Bittersweet Symphony” da banda The Verve quando vi a lua despontando à minha esquerda. Já falei em outros textos de como é maravilhoso o céu noturno visto da estrada em Minas Gerais. Bilhões de estrelas.
Olhar aquele céu estrelado me lembra o nome de um filme que eu nunca assisti, mas o nome me lembra aquela imagem: “O céu que nos protege”.
A caminhada até a Antena foi muito difícil. Estava cansado e com sono. E não queria parar até chegar lá. O cansaço é daqueles que você não quer tirar a mochila das costas, mesmo sabendo que nela tem comida e bebida.
Andei dormindo, sonhando. Às vezes, delirava. Usar o meu aikman pré-histórico é algo calculado. Eu tenho que despertar do transe andando para trocar a fita ou mudar o lado a cada meia hora. No escuro!
Uso faz anos as minhas velhas fitas cassete com as músicas gravadas de rádio, músicas que sempre gostei. Boa parte delas foram gravadas dos programas de rock que eu ouvia já faz um bom tempo.
5:50h - Cheguei à Antena
A consequência do exagero no ritmo apareceu quando cheguei à Antena. Exagero talvez somado com a sede e a fome do último ponto de referência percorrido de 11 km, e também, devido à noite mal dormida no ônibus entre São Paulo e Uberlândia.
Assim que cheguei, passei mal e tive que ser assistido pelas pessoas que ajudam os romeiros e fiquei lá por uma hora para me recuperar do apagão que tive. As enfermeiras queriam mandar-me de volta. Tive que bater o pé, provar que estava bem e dizer que iria me alimentar e descansar um pouco. Após me alimentar bem e descansar por um hora, segui minha caminhada.
A solidariedade que se aprende no caminho
Recuperado, saí da Antena às 7 horas para continuar a caminhada. Como eu estava bem e sem bolhas, saí disposto a continuar em um ritmo no qual eu faria, de longe, meu melhor tempo no percurso.
Pouco depois que saí, encontrei com um romeiro em sua primeira caminhada, André, que havia ficado para trás, pois seus colegas seguiram e ele estava com dores no joelho.
Assim que passei por ele, começamos a conversar e, de certa forma, ele queria ir comigo. Eu estava em um ritmo muito maior que o dele. Ele estava mancando e bem lento.
Quando ia me despedir para seguir, ele disse que me acompanharia. É impossível você fazer uma coisa dessas com as pessoas. Acabou que eu reduzi o ritmo e passamos a caminhar juntos dali adiante. Para quem faz o caminho pela primeira vez, é muito importante o apoio e incentivo dos romeiros.
A chegada
Chegamos ao Posto Santa Fé, 12,5 km depois da Antena, às 9:20h. Parada rápida. Objetivo imediato: chegar ao atalho. O Sol começava a ficar escaldante.
Chegamos ao atalho às 11:45h. O romeiro André precisou de várias paradas de uns minutos para conseguir caminhar. No último percurso fui falando o tempo todo que faltava pouco: “- Vamos completar”.
Do atalho à igreja são mais 8 km entre floresta de eucaliptos, muita terra vermelha, cortando fazendas e pastos, até avistar a cidade. Pegamos a última subida, de uns 45 graus e de terra vermelha, com o Sol a pino.
Chegamos às 13 horas na cidade de Água Suja (MG). Missão cumprida!
Mais um ano. Eu não tive nenhuma bolha no pé. Nenhuma! Poderia ter feito o percurso de 85 km em umas 19 horas, mesmo tendo descansado na Antena. Mas fiz em 21 horas, como das últimas vezes.
Mas o romeiro André completou também. Isso é muito importante!
Mais romarias virão. Mais momentos de introspecção. Buscando forças, sempre. Conhecendo limites e quebrando limites, quando possível.
Sigo revigorado.
Que coragem... parabéns pela solidariedade com o André.
ResponderExcluirAlessandra - SEEB Taubaté
Além das pegadas, desta vez o poeta da solidariedade deixou rastros de força, entusiasmo, possibilidades e de quebra um exemplo saudável (mental e físico) a ser no mínimo admirado. Força e paz guerreiro.
ResponderExcluirCara muito bom relato, tenho um jornal aqui em Romaria e gostaria\ que me enviasse um foto sua para publicar junto com essa postagem. O Jornal se chama Folha de Romaria.
ResponderExcluirWilson
folhaderoma@yahoo.com.br