A questão da saudade na literatura e nação portuguesa
Psicanálise mítica do destino português - Eduardo Lourenço, de 1978
Pela leitura que já pude fazer do texto, notei o quanto ele é complexo, daqueles de difícil leitura onde você volta ao parágrafo várias vezes. Entretanto, o texto é muito esclarecedor em relação a uma possibilidade de leitura do que seria a alma portuguesa, o viver português.
De maneira geral, o entendimento que tenho é de que o povo português conviveu sempre com uma ideia de si próprio, em relação à sua história e seu passado, mais idealizada do que real, de maneira que ele está sempre buscando construir um presente e futuro gloriosos de acordo com um passado nunca realizado.
A questão do Saudosismo Português viria desta matriz mental inserida no cotidiano da lusitaneidade.
A HISTÓRIA DE PORTUGAL - ROBINSONADAS
Uma autópsia da nação portuguesa revelaria "o irrealismo prodigioso da imagem que os Portugueses se fazem de si mesmos".
"As 'Histórias de Portugal', todas, se exceptuarmos o limitado mas radical e grandioso trabalho de Herculano, são modelos de 'robinsonadas': contam as aventuras celestes de um herói isolado num universo previamente deserto".
VISÃO MÍTICA DE PORTUGAL: OBRA DA PROVIDÊNCIA DIVINA
"A mistura fascinante de fanfarronice e humildade, de imprevidência moura e confiança sebastianista, de 'inconsciência alegre' e negro presságio, que constitui o fundo do carácter português, está ligada a esse acto sem história que é para tudo quanto nasce o tempo do seu nascimento. Através de mitologias diversas, de historiadores ou poetas, esse acto sempre apareceu, e com razão, como da ordem do injustificável, do incrível, do milagroso, ou num resumo de tudo isso, do providencial".
PORTUGAL FOI AOS MARES, ESPANHA FICOU COM A GLÓRIA
De certa maneira podemos ver a idade média como a Europa liquidando o feudalismo e criando o mundo moderno (capitalismo, protestantismo, ciência), Portugal ampliando o mundo conhecido e depois, com Colombo, a Espanha assumindo a fama.
OS LUSÍADAS - PASSADO GLORIOSO "MÍTICO"
O autor nos cita Os Lusíadas da seguinte maneira: "Da nossa intrínseca e gloriosa ficção Os Lusíadas são a ficção".
Sobre o período de 60 anos de convívio Portugal-Espanha, o que ficaria aos portugueses seria: "que nos descobríssemos às avessas, que sentíssemos na carne que éramos (também) um povo naturalmente destinado à subalternidade".
Depois dessa descoberta, de onde podemos dar como exemplo a eterna espera de um milagre redentor no sebastianismo, "tornou-se então claro que a consciência nacional (nos que a podiam ter) que a nossa razão de ser, a raiz de toda a esperança, era o termos sido. E dessa ex-vida são Os Lusíadas a prova do fogo".
PORTUGAL INVENTA O PASSADO E O FUTURO
"Orienta-se nessa época para um futuro de antemão utópico pela mediação primordial, obsessiva, do passado".
"Nunca se meditou a sério em actos tão significativos como os da invenção de falsos documentos pelos monges de Alcobaça para provar a nossa existência legal no passado, assim como, já depois da ressurreição, no labor incrível dos nossos juristas para justificar o nosso direito a um lugar ao sol entre os povos livres".
SÉCULO XIX PORTUGUÊS: ALGE DA ESQUIZOFRENIA
"Os começos do século XIX, momento em que o raio da História nos caiu em casa, na sossegada e sonambúlica casa portuguesa, farão desse processo uma estrutura que se manifesta sem falhas há cento e oitenta anos. Em nenhum tempo do seu percurso a existência nacional foi vivida em termos tão esquizofrênicos como no século XIX".
"Aberto com a fuga da família real para o Brasil, o século liberal termina com a liquidação física, se não moral, de uma monarquia a quem se fazia pagar, sobretudo, uma fragilidade nacional que era obra da nação inteira".
No século XIX alguns portugueses "puseram em causa, sob todos os planos, a sua imagem de povo com vocação autónoma, tanto no ponto de vista político como cultural (...) Interrogávamo-nos apenas pela boca de Antero (de Quental) e de parte da sua geração, para saber se éramos ainda viáveis, dada a, para eles, ofuscante decadência".
OBRA DE EÇA: MELANCOLIA AO COMPARAR EUROPA E PORTUGAL
A Europa da época "exemplo de civilização, cuja comparação connosco nos mergulhava em transes de melancolia cívica e cultural, tais como a obra de Eça os exemplificará para o nosso sempre".
FOCO NO IMPERIALISMO (O DO SÉCULO XVI E NÃO O DO XIX)
Com a ideia de Civilização que veio com a Revolução Industrial e com a Revolução Cultural do século XIX - cuja geração de Setenta portuguesa fez parte - "começou então a doer-nos não o estado de Portugal, as suas desgraças ou catástrofes políticas, mas a existência portuguesa, pressentida, descrita, glosada, como existência diminuída, arremedo grosseiro da existência civilizada, dinâmica, objecto de sarcasmos e ironias, filhos do amor desiludido que se lhe votava".
MAS, Portugal descobre a África, ao invés da revolução industrial. "A tentativa de recriar uma alma 'à século XVI' não foi longe".
SAUDOSISMO
"O fim do século XIX, por reacção ao criticismo devastador e imponente da década de Setenta, mass também como resposta à agressão do monstro civilizado (Inglaterra) verá eclodir a mais nefasta flor do amor pátrio, a do misticismo nacionalista, fuga estelar a um encontro com a nossa autêntica realidade, mas, ao mesmo tempo, expressão profunda sob a sua forma invertida, de uma carência absoluta que é necessário compensar desse modo".
(...)
"O Saudosismo (grifo meu) será, mais tarde, a tradução poético-ideológica desse nacionalismo místico, tradução genial que representa a mais profunda e sublime metamorfose da nossa realidade vivida e concebida como irreal".
PS: As partes em negrito nas citações pertencem ao autor do texto.
Bibliografia:
LOURENÇO, Eduardo. O labirinto da saudade - Psicanálise Mítica do Destino Português. 3a edição. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1988.
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