Eu conheci o texto "Por que ler os clássicos" de Italo Calvino quando entrei na Usp no início dos anos 2000.
Era um período de deslumbramento com a faculdade de letras e com a literatura. Também foi quando passei a gostar de poesia e perceber o quanto somos educados para ter preconceito linguístico.
Estou tão cansado e estressado com minha rotina de trabalho neste ano que tenho chegado em casa - coisa rara ultimamente estar em casa - desesperado para ler alguma coisa que me dê prazer.
Dias atrás, peguei e reli algumas páginas de O ócio criativo de Domênico de Masi - não é difícil imaginar por que peguei o livro, né! Desejo puro!!
Hoje, cheguei, mirei na estante e catei o Italo Calvino. Acabei relendo o capítulo que tem o mesmo nome do livro.
É uma delícia de texto!
Eis os conceitos "calvinianos" do que seriam os clássicos:
1.Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se houve dizer: "estou relendo..." e nunca "estou lendo...".
2.Dizem-se clássicos aqueles livros que se constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los.
3.Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual.
Depois Calvino vem com mais uma sequência de definições interligadas:
4.Toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira.
5.Toda primeira leitura de clássico é na realidade uma releitura.
6.Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer.
7.Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes).
Em um determinado momento, Calvino nos diz algo que tendo a concordar: "nenhum livro que fala de outro livro diz mais sobre o livro em questão".
E tasca outros conceitos de clássico:
8.Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si, mas continuamente as repele para longe.
9.Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos.
Calvino nos dá a receita básica da relação entre leitor e livro: "os clássicos não são lidos por dever ou por respeito mas só por amor".
E depois completa: "é só nas leituras desinteressadas que pode acontecer deparar-se com aquele que se torna o 'seu' livro".
10.Chama-se de clássico um livro que se configura como equivalente do universo, à semelhança dos antigos talismãs.
11.O "seu" clássico é aquele que não pode ser-lhe indiferente e que serve para definir a você próprio em relação e talvez em contraste com ele.
12.Um clássico é um livro que vem antes de outros clássicos, mas quem leu antes os outros e depois lê aquele, reconhece logo o seu lugar na genealogia.
Calvino, então, cita mais duas definições de clássico antes de finalizar o capítulo:
13.É clássico aquilo que tende a relegar as atualidades à posição de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir desse barulho de fundo.
14.É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível.
Italo Calvino finaliza o texto com o melhor dos motivos que podemos ouvir sobre por que ler os clássicos:
"A ÚNICA RAZÃO QUE SE PODE APRESENTAR É QUE LER OS CLÁSSICOS É MELHOR DO QUE NÃO LER OS CLÁSSICOS"
E aí, que mais poderíamos dizer, heim?!
Bibliografia:
CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. Companhia das letras. 1a edição, 6a reimpressão, 2000.
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