quarta-feira, 22 de junho de 2011

Causas da 1ª Guerra Mundial - Artigo prof. Osvaldo Coggiola

Não tenho conseguido postar muitos textos neste Refeitório Cultural, mas vou incluindo textos de qualidade quando aqui venho.

Assisti hoje a um dos vídeos da coleção "Grandes dias do século XX". Vi o vídeo sobre a 1ª GM com imagens originais. A coleção é muito boa para aqueles que gostam de história.

No encarte há um texto do professor Coggiola - da FFLCH/USP - texto que é o mais claro que já li sobre as prováveis causas daquele conflito mundial. Reproduzo-o abaixo em nome do livre conhecimento (2 horas e 1/2 de digitação).


IMPÉRIOS EM ROTA DE COLISÃO

por Osvaldo Coggiola

A disputa pelo controle dos mercados mundiais a partir da segunda metade do século XIX acirrou as rivalidades entre as potências europeias. O jogo pela dominação global terminaria de forma trágica em 1914

Há muito tempo, pesquisadores se esforçam para explicar os motivos que levaram à eclosão da Primeira Guerra Mundial. Ao longo dos últimos 90 anos, eles recorreram às mais variadas explicações, desde as que enfatizam as questões diplomáticas até as que se concentram nos aspectos propriamente militares. Nenhuma delas, no entanto, conseguiu oferecer uma interpretação global do fenômeno que articulasse crise econômica, expansão colonial, exportação de capitais, auge do nacionalismo expansivo e do racismo, disputas geopolíticas e conflito global.

As raízes da Primeira Guerra Mundial se encontram na segunda metade do século XIX. Depois de viver um período de forte crescimento econômico e abertura comercial ao longo das décadas de 1850 e 1860, as economias europeias enfrentaram um período de relativa depressão nos negócios na década de 1870.

Nesses anos de crise, o protecionismo econômico ganhou força. Com exceção da Grã-Bretanha, os demais países levantaram barreiras à importação para fortalecer a produção nacional. Ao mesmo tempo, desenvolveu-se um novo surto de conquista colonial, que agora tinha como alvos a Ásia e a África. Esses dois fenômenos estavam relacionados, como disse o filósofo alemão Friedrich Engels no final do século XIX: "A colonização é hoje efetiva filial da bolsa, no interesse da qual as potências europeias partilharam a África, entregue diretamente como butim às suas companhias".

Essa não era uma colonização igual àquela dos séculos XVI, XVII, XVIII. O objetivo agora era garantir o controle sobre novos territórios, nos quais os empresários pudessem investir um excedente de capital que os mercados europeus não eram mais capazes de absorver.

A África se tornou palco principal da nova expansão. Em 1884, os dirigentes das grandes potências se reuniram na Conferência de Berlim para definir as regras da partilha do continente negro. Segundo Charles Faure, a corrida pelas colônias seria vencida por "aquele que primeiro chegasse e hastiasse a bandeira de seu país em qualquer lugar da costa da África que ainda não estivesse sob dominação de uma nação europeia".

Esse processo era consequência da maturidade atingida pelo capitalismo nas metrópoles europeias, onde se tornara o modo de produção dominante no final do século XIX. A partir do Velho Continente, ele penetrou também nas colônias na África e Ásia, além de países com escasso desenvolvimento industrial, mas que conservaram sua soberania nacional, como a Rússia e a maior parte da América Latina.


Caricatura do fim do século XIX mostra Inglaterra, Alemanha, Rússia, França e Japão (da esq. para a dir.) repartindo a China. (Torta chinesa, caricatura, Henri Meyer, 1898

O desenvolvimento do comércio mundial, cujo volume decuplicou entre 1848 e 1914, fez com que o novo modo de produção se instalasse de forma desigual em cada lugar: nos países centrais, sua consolidação promoveu o desenvolvimento da indústria, o aumento da renda nacional e a aceleração do processo de urbanização. Nos outros países também houve "modernização" mas em ritmo mais lento. O fosso econômico entre a periferia e o centro do capitalismo aumentou muito e, em alguns casos, as economias dos países menos desenvolvidos estagnaram ou até regrediram. E eles eram a maioria: no alvorecer do século XX, mais da metade da superfície e mais de um terço da população do planeta se encontrava nas colônias.

Dentro da Europa, o velho monopólio industrial da Inglaterra passou a ser ameaçado por outros países, no último quarto do século XIX. Defendendo-se por meio de políticas alfandegárias protecionistas, diversas nações tinham se transformado em Estados capitalistas independentes. O aumento da concorrência se refletiu nas exportações que chegavam ao Velho Continente, vindas da periferia: em 1860, metade do total das exportações da Ásia, África e América Latina se dirigiu a um só país, a Grã-Bretanha. Por volta de 1900, a participação britânica caíra a um quarto, e as exportações periféricas para outros países da Europa ocidental já superavam as destinadas à Grã-Bretanha.

O próprio capitalismo estava se transformando: ele já não era mais pautado pela livre concorrência, mas sim pelo monopólio. Essa mutação foi sintetizada por Lenin em um texto publicado em 1916: "O que caracterizava o velho capitalismo, no qual dominava plenamente a livre concorrência, era a exportação de mercadorias. O que caracteriza o capitalismo moderno, no qual impera o monopólio, é a exportação de capital".

No alvorecer do século XX, as economias dos países capitalistas desenvolvidos eram dominadas por grupos monopolistas, e alguns poucos países ricos concentravam a acumulação do capital, que alcançara proporções gigantescas. O capitalismo gerara uma enorme "poupança excedente". Os donos de fábricas, bancos e empresas em geral tinham mais dinheiro do que podiam investir em seus próprios países, pois não havia compradores suficientes para novos produtos.

Diante dessa situação, os grandes investidores tinham três alternativas: aumentar os salários reais para ampliar o mercado interno, fazendo cair ainda mais a taxa de lucro; manter os salários iguais e canalizar toda a acumulação para o progresso técnico, aumentando o investimento na própria empresa; ou investir no exterior, onde a taxa de lucro do capital era maior.

A terceira alternativa era a melhor para os capitais excedentes nas metrópoles, pois significava investir em espaços econômicos vazios, com mão de obra e matérias-primas baratas e em abundância. A tendência do movimento do capital foi definida pela diferença da taxa de lucro de região para região, até que a partilha econômica e política do mundo finalmente se completou, incluindo as últimas zonas não ocupadas. Começou então a luta pela sua redistribuição entre os grupos monopolistas e seus Estados, na procura de novos mercados e fontes de matérias-primas: "As etapas de repartição pacífica são sucedidas pelo impasse em que nada resta para distribuir. Os monopólios e seus Estados procedem, então, a uma repartição pela força. As guerras mundiais interimperialistas se transformam em uma componente orgânica do imperialismo", explicou Lenin.

UM NOVO CAPITALISMO

Em 1902, o economista liberal John A. Hobson publicou em livro seminal chamado O imperialismo, no qual destrinchou a nova dinâmica de funcionamento do capitalismo. Segundo Hobson: "Nação atrás de nação entra na máquina econômica e adota médotos industriais avançados e, com isso, se torna mais e mais difícil para seus produtores e mercadores venderem com lucro seus produtos. Aumenta a tentação de pressionar seu governos para lhes conseguir a dominação de algum Estado subdesenvolvido distante. Em toda parte há excesso de produção, excesso de capital à procura de investimento lucrativo. Todos os homens de negócios reconhecem que a produtividade em seus países excede a capacidade de absorção do consumidor nacional, assim como há capital sobrando que precisa encontrar investimento que o remunere além-fronteiras. São essas condições econômicas que geram o imperialismo".

A demanda de bens de consumo caía em função da distribuição desigual e da acumulação crescente de capital. Parte do lucro acumulado não podia ser reinvestido, o que o tornava improdutivo e fazia cair a taxa de expansão do capital. Para fazer frente à superprodução derivada do consumo insuficiente era preciso conquistar mercados externos, motivando a expansão imperialista.

Em um relatório da época, o cônsul austro-húngaro em São Paulo explicava como isso funcionava na prática, informando que "a construção das estradas de ferro brasileiras realiza-se, na sua maior parte, com capitais franceses, belgas, britânicos e alemães". O novo capital financeiro estendia assim as suas redes por todos os países do mundo, o que explica o papel central desempenhado pelos bancos das metrópoles e suas filiais "coloniais".

Os países europeus não eram mais o destino dos grandes investimentos externos. Eles perdiam terreno diante dos investimentos nas regiões periféricas ou nas colônias: por volta de 1850, Europa e Estados Unidos recebiam cerca de metade das exportações de capital inglês. Entre 1860 e 1890, os investimentos externos para a Europa caíram sensivelmente (de 25% para 8%) e o investimento nos EUA começou a declinar até sofrer uma queda importante durante a guerra (de 19% para 5,5%). O capital financeiro passava a comportar-se como um agiota internacional, criando um sistema de dívidas cada vez maior.

A principal consequência do imperialismo foi acirrar as disputas entre as potências europeias. Ganhou força a ideia de que cada país devia transformar-se em uma potência mundial, cujo prestígio dependia do grau de influência que podia exercer no mundo. Desde 1870, quando Itália e Alemanha concluíram seus processos de unificação nacional, a concorrência internacional e as relações entre os países se tornaram mais complexas.

Surgiram grandes blocos de poder. Os Estados, levados a uma concorrência política crescente com os vizinhos, estabeleceram alianças para evitar o isolamento. A primeira foi a que uniu a Alemanha e o Império Autro-Húngaro em 1879. Três anos depois, ela seria expandida com a entrada da Itália, dando origem à Tríplice Aliança em 1882. A França, isolada, buscou seus próprios aliados: primeiro a Rússia, com a qual firmou uma aliança em 1894, e em seguida a Grã-Bretanha, com quem se associou em 1904. Finalmente, o acordo anglo-russo de 1907 deu origem à Entente Cordiale, também conhecida como Tríplice Entente. Assim nasceram os blocos que se enfrentariam na Primeira Guerra Mundial.

A formação de um império colonial por parte de um país era vista como instrumento de força e prestígio que podia romper o equilíbrio entre as potências. Já as potências chegadas tardiamente à corrida colonial utilizaram a ideia de sua superioridade nacional como instrumento político e ideológico contra seus rivais.

A Alemanha foi um caso exemplar de como a ideologia nacionalista serviu de base para o expansionismo territorial. Em 1894 criou-se a Liga Pan-Germânica (Alle-Deutscher Verband), que começou reivindicando os territórios onde se falava alemão, ou algum dialeto germânico, e em seguida passou a defender a anexação de territórios que no passado tinham sido "alemães" (teoria da "Grande Alemanha"). Até mesmo a ideia da raça eleita já começava a se manifestar. Em 1897, Fritz Sely publicava seu Die Weltstellung des Deutschtums (A situação mundial do poder alemão), livro no qual exaltava as qualidades dos alemães como "o povo mais capaz em todos os domínios do saber e das belas-artes".

RIVALIDADES IMPERIAIS

A alteração sofrida pelo conceito de Estado conciliador, baseado no ideário liberal, acompanhou o fim do capitalismo da livre concorrência. No capitalismo monopolista, a ideologia que prevalecia era a que assegurava à própria nação o domínio internacional. A expansão do capital era justificada ideologicamente pelo desvio conceitual da ideia de nação, onde uma poderia sobrepujar outras por considerar-se "eleita" entre as demais.

Neste contexto era natural que se acirrassem rivalidades entre as nações. Ingleses e franceses disputaram o controle da Indochina durante as últimas décadas do século XX, e a briga só foi resolvida pelos acordos de 1896 e 1907, que estabeleceram áreas de influência na região.

A rivalidade anglo-russa, por sua vez, tinha sido uma constante no embate entre as potências europeias pelos despojos do decadente Império Otomano. Essa rivalidade também se manifestou na competição pelo controle da Ásia central na década de 1880, que quase levou a uma guerra entre as duas potências.

A rivalidade russo-japonesa pela supremacia na bacia do Pacífico levou à guerra de 1905. O conflito foi vencido pelo Japão e terminou com a assinatura do Tratado de Portsmouth, em 5 de agosto de 1905, com a mediação dos EUA. O episódio mostrou para o mundo que americanos e japoneses estavam definitivamente entrando para o clube das superpotências.

Enquanto isso, na Europa, a França preparava a opinião pública para uma guerra contra a Alemanha, ao reivindicar a região da Alsácia-Lorena, que havia sido anexada pelos germânicos em 1870. A Inglaterra pretendia manter sua condição de principal potência colonial preservando o equilíbrio de poder no continente e apresentando-se como defensora da paz (britânica). A Rússia se arrogava o papel de protetora dos povos eslavos que permaceciam sob domínio otomano. A Itália, potência menor, reivindicava territórios do decadente Império Austro-Húngaro e alguns despojos do próprio Império Otomano.

A perspectiva de uma guerra europeia (e, pela extensão dos interesses coloniais das potências, mundial) era já visível no final do século XIX. Em 1914, quando a guerra de fato explodiu, não era sobre terreno virgem que Lenin se apoiava para afirmar: "A guerra europeia, preparada durante dezenas de anos pelos governos e partidos burgueses de todos os países, começou. O crescimento dos armamentos; a exacerbação da luta pelos mercados no atual estágio imperialista de desenvolvimento dos países capitalistas avançados; os interesses dinásticos das monarquias mais atrasadas - as da Europa oriental - tinham de, inevitavelmente, conduzir à guerra, e conduziram". A Primeira Guerra Mundial só poderia ser entendida, portanto, como revolta das forças produtivas sociais contra o quadro, tornado historicamente estreito, das relações capitalistas e dos Estados nacionais.


O ESTOPIM DA GUERRA

Desde o fim do século XIX, a Rússia e o Império Autro-Húngaro disputavam o controle das províncias otomanas na região dos Bálcãs. Em 1878, Romênia, Sérvia e Montenegro se tornaram independentes, e a Bósnia-Herzegóvina passou a ser administrada pelo Império Austro-Húngaro. A Sérvia independente, respaldada pela Rússia, passou a apoiar movimentos nacionalistas em regiões de maioria eslava.

No dia 28 de junho de 1914, o bósnio Gavrilo Princip assassinou o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do Império Austro-Húngaro. Ciente do apoio da Sérvia aos nacionalistas bósnios, o governo de Viena enviou um ultimato a Belgrado exigindo a punição dos responsáveis. A recusa dos sérvios em atender a todas as exigências de Viena desencadeou uma reação em cadeia que levou à guerra:

28/07/1914
Império Austro-Húngaro declara guerra à Sérvia

31/07/1914
Mobilização geral das tropas russas

1º/08/1914
Alemanha declara guerra à Rússia

2/08/1914
França mobiliza suas tropas em apoio à Rússia

3/08/1914
Alemanha declara guerra à França

4/08/1914
Inglaterra declara guerra à Alemanha


OSVALDO COGGIOLA, professor de história contemporânea da Universidade de São Paulo (In: História Viva)

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