domingo, 16 de outubro de 2011

Crônica, segundo Carlos Drummond de Andrade



Encontrei uma revista antiga da Caros Amigos, de agosto de 1999, que, por sinal, reproduziu uma entrevista também mais antiga ainda, de 1984, de Carlos Drummond de Andrade. A entrevista foi feita por Renan Garcia Miranda, professor de história e escritor e por José Eduardo Duó, roteirista e proprietário de restaurante em São Paulo. A matéria na revista é de José Arbex Jr.

Drummond é um de meus poetas preferidos. No trecho que reproduzo abaixo, ele fala sobre Crônica. É uma bela aula com conceitos do poeta e escritor para nos instruir sobre o gênero. Vale a pena ler.



Carlos Drummond de Andrade


- A pergunta seguinte é composta de três partes: "A crônica diária escrita nos jornais envelhece muito rapidamente por estar ligada às situações do cotidiano." Pergunta: "Como fica a relação da poesia com o tempo? O que significa dizer que a poesia é atemporal?" Não estou vendo muito bem a relação.


- Não tem muito nexo. A crônica realmente pela sua natureza é fugídia, ela passa depressa. Agora, não obstante, nós devemos reconhecer que crônicas escritas há quase cem anos por um cidadão chamado Machado de Assis estão hoje vivas como naquele tempo. Os acontecimentos perderam a atualidade, mas a crônica não perdeu, porque ela traduz uma visão tão sutil, tão maliciosa, tão viva de realidade, que o acontecimento fica valendo pela interpretação que Machado de Assis deu. Nesse sentido, a crônica não é assim tão passageira. Por outro lado, eu devo dizer também que já tenho seis ou sete livros constituídos de crônicas, e essas crônicas, não quero me gabar de coisa nenhuma, parece que elas não perderam a atualidade porque nem sempre elas comentam um fato do dia, ou quando comentam elas procuram dar uma extensão maior a esse fato, e generalizar, fazer uma reflexão qualquer sobre a vida, sobre os costumes, sobre a política, sobre os homens, à margem de um acontecimento transitório. E, sendo assim, a crônica tem uma certa chance de permanecer. Agora, por outro lado, eu devo reconhecer que cerca de 80 por cento, senão mais, das crônicas escritas por mim não podem perdurar porque, em primeiro lugar, eu não as achei adequadas a formarem um livro, e depois porque o jornal que é tão vivo no dia é uma sepultura no dia seguinte. Então, essas coisas escritas ao sabor do tempo perdem completamente não só a atualidade como o sabor, o sentido, a significação. Quando se fala de um determinado indivíduo que foi importante no Brasil, isso é tão comum uma pessoa ser importante vinte anos, durante dez anos, depois ficar completamente esquecida na política, na administração, no empresariado, na literatura, então a crônica que aborda um fato ou uma circunstância de vida dessa pessoa perdeu completamente o sentido, porque essa própria pessoa perdeu o sentido. Então não é propriamente a crônica, é o acontecimento que ela reflete que perdeu a significação. Agora, a outra parte da pergunta me parece alheia, em todo caso, vamos a ela...



(Depois Drummond falaria sobre a poesia...)


Fonte:

Revista Caros Amigos, edição 29, de agosto de 1999. Editora Casa Amarela.

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