domingo, 15 de abril de 2012

TIPOS DE GOVERNO - O LEVIATÃ, de Hobbes

Thomas Hobbes


CAPÍTULO XIX


DAS DIVERSAS ESPÉCIES DE GOVERNO POR INSTITUIÇÃO, E DA SUCESSÃO DO PODER SOBERANO


"A diferença entre os governos consiste na diferença do soberano, ou pessoa representante de todos os membros da multidão. Dado que a soberania ou reside em um homem ou em uma assembleia de mais de um, e que em tal assembleia ou todos têm o direito de participar, ou nem todos, mas apenas certos homens distinguidos dos restantes, torna-se evidente que só pode haver três espécies de governo. Porque o representante é necessariamente um homem ou mais de um, e caso seja mais de um a assembleia será de todos ou apenas de uma parte. Quando o representante é um só homem, o governo chama-se uma monarquia. Quando é uma assembleia de todos os que se uniram, é uma democracia, ou governo popular. Quando é uma assembleia apenas de uma parte, chama-se-lhe uma aristocracia. Não pode haver outras espécies de governo, porque o poder soberano inteiro (que já mostrei ser indivisível) tem que pertencer a um ou mais homens, ou a todos."



E não é que, aos poucos, estou conseguindo avançar na leitura do volumoso livro de Thomas Hobbes!


É interessante como são os preconceitos e pré-concepções que a própria história da leitura e da intelectualidade carrega. Eu peguei o Leviatã para ler sem preconceito algum, senão nem começaria.


O que dizem de Hobbes é que ele é contrário à democracia e ponto final. Como sou um democrata, já não poderia lê-lo. Outro dia, comentei sobre a leitura do livro com um jovem companheiro do sindicato dos bancários e ele fez uma cara meio de espanto por eu estar lendo Hobbes. Engraçado!


A verdade é que neste capítulo, finalmente, o filósofo começa a apontar a sua preferência pela monarquia. E vale a pena estudar os seus pontos de vista. Ao ler suas argumentações, sigo preferindo a democracia.


Aliás, tanto nos falam sobre a história da democracia como sendo grega e basta um rápido olhar para entender que nunca houve democracia grega.


A Grécia clássica foi a precursora do sistema de aristocracia, definido muito bem aqui por Hobbes. Era um governo de uma parte do todo social.


Vejamos mais um pouco do capítulo:

"Encontramos outros nomes de espécies de governo, como tirania e oligarquia, nos livros de história e política. Mas não se trata de nomes de outras formas de governo, e sim das mesmas formas quando são detestadas. Pois os que estão descontentes com uma monarquia chamam-lhe tirania, e aqueles a quem desagrada uma aristocracia chamam-lhe oligarquia. Do mesmo modo, os que se sentem prejudicados por uma democracia chamam-lhe anarquia (o que significa ausência de governo), embora, creio eu, ninguém pense que a ausência de governo é uma nova espécie de governo. Pela mesma razão, também não devem as pessoas pensar que o governo é de uma espécie quando gostam dele, e de uma espécie diferente quando o detestam ou quando são oprimidos pelos governantes."


Quais as diferenças entre uma espécie de governo e outra?

"A diferença entre essas três espécies de governo não reside numa diferença de poder, mas numa diferença de conveniência, isto é, de capacidade para garantir a paz e a segurança do povo, fim para o qual foram instituídas."


Agora, Hobbes aponta vantagens para a monarquia:

"Comparando a monarquia com as outras duas, impõem-se várias observações.


EM PRIMEIRO LUGAR, seja quem for que seja portador da pessoa do povo, ou membro da assembleia que dela é portadora, é também portador de sua própria pessoa natural. Embora tenha o cuidado, em sua pessoa política, de promover o interesse comum, terá mais ainda, ou não terá menos cuidado de promover seu próprio bem pessoal, assim como o de sua família, seus parentes e amigos. E, na maior parte dos casos, se por acaso houver conflito entre o interesse público e o interesse pessoal, preferirá o interesse pessoal, pois em geral as paixões humanas são mais fortes do que a razão. De onde se segue que, quanto mais intimamente unidos estiverem o interesse público e o interesse pessoal, mais se beneficiará o interesse público. Ora, na monarquia o interesse pessoal é o mesmo que o interesse público. A riqueza, o poder e a honra de um monarca provêm unicamente da riqueza, da força e da reputação de seus súditos. Porque nenhum rei  pode ser rico ou glorioso, ou pode ter segurança, se acaso seus súditos forem pobres, ou desprezíveis, ou demasiado fracos, por carência ou dissensão, para manter uma guerra contra seus inimigos. Ao passo que numa democracia ou numa aristocracia a prosperidade pública contribui menos para a fortuna pessoal de alguém que seja corrupto ou ambicioso do que, muitas vezes, uma decisão pérfida, uma ação traiçoeira ou uma guerra civil."


Agora, Hobbes fala um pouco das assessorias e da técnica para auxiliar a política. Diz que uma só pessoa pode escolher melhor o grupo técnico que uma assembleia.

EM SEGUNDO LUGAR, um monarca recebe conselhos de quem lhe apraz, e quando e onde lhe apraz. Em consequência, tem a possibilidade de ouvir as pessoas versadas na matéria sobre a qual está deliberando, seja qual for a categoria ou a qualidade dessas pessoas, e com a antecedência que quiser em relação ao momento da ação, assim como com o segredo que quiser. Pelo contrário, quando uma assembleia soberana precisa de conselhos, só são admitidas as pessoas que desde início a tal têm direito, as quais em sua maioria são mais versadas na aquisição de riquezas do que na de conhecimentos, e darão seu conselho em longos discursos, que podem levar os homens à ação, e geralmente o fazem, mas não contribuem para orientar essa ação. Porque o entendimento, submetido à chama das paixões, jamais é iluminado, mas sempre ofuscado. E nunca há lugar nem tempo onde uma assembleia possa receber conselhos em sigilo, devido a sua própria multidão"


Segundo Hobbes, a assembleia pode mudar a decisão a toda hora...

"EM TERCEIRO LUGAR, as resoluções de um monarca estão sujeitas a uma única inconstância, que é a da natureza humana, ao passo que nas assembleias, além da da natureza, verifica-se a inconstância do número. Porque a ausência de uns poucos, que poderiam manter firme a resolução, uma vez tomada (ausência que pode ocorrer por segurança, por negligência ou por impedimentos pessoais), ou a diligente aparição de uns poucos da opinião contrária, podem desfazer hoje tudo o que ontem ficou decidido."



COMENTÁRIO:
Eu daria o nome desse risco de instabilidade das decisões na democracia de ASSEMBLEÍSMO. Fiz um texto falando a respeito do tema, onde discorro sobre a diferença entre democracia representativa e assembleísmo. LEIA AQUI.


"EM QUARTO LUGAR, é impossível um monarca discordar de si mesmo, seja por inveja ou por interesse; mas numa assembleia isso é possível, e em grau tal que pode chegar a provocar uma guerra civil.


EM QUINTO LUGAR, numa monarquia existe o inconveniente de qualquer súdito poder ser, pelo poder de um só homem, e com o fim de enriquecer um favorito ou um adulador, privado de tudo quanto possui. O que, confesso, é um grande e inevitável inconveniente. Mas o mesmo pode também acontecer quando o poder soberano reside numa assembleia, pois seu poder é o mesmo, e seus membros se encontram tão sujeitos aos maus conselhos, ou a serem seduzidos por oradores, como um monarca por aduladores; e, tornando-se aduladores uns dos outros, servem mutualmente à cobiça e à ambição uns dos outros. E enquanto os favoritos de um monarca são poucos, e ele tem para favorecer apenas seus parentes, os favoritos de uma assembleia são muitos, e os parentes são em muito maior número que os de um monarca. Além do mais, não há favorito de um monarca que não seja tão capaz de ajudar seus amigos como de prejudicar seus inimigos, ao passo que os oradores, ou seja, os favoritos das assembleias soberanas, embora possuam grande poder para prejudicar, pouco têm para ajudar. Porque acusar exige menos eloquência (assim é a natureza do homem) do que desculpar, e a condenação parece-se mais com a justiça do que a absolvição."


DIREITO DE SUCESSÃO


A segunda parte do capítulo será para Hobbes discorrer sobre direito de sucessão. O foco das reflexões do autor está na ideia de que criado o homem artificial - o Estado - deve-se pensar na sua perenidade.

"Dado que a matéria de todas estas formas de governo é mortal, de modo tal que não apenas os monarcas morrem, mas também assembleias inteiras, é necessário para a conservação da paz entre os homens que, do mesmo modo que foram tomadas medidas para a criação de um homem artificial, também sejam tomadas medidas para uma eternidade artificial da vida. Sem a qual os homens que são governados por uma assembleia voltarão à condição de guerra em cada geração, e com os que são governados por um só homem o mesmo acontecerá assim que morrer seu governante. Esta eternidade artificial é o que se chama direito de sucessão."



Bibliografia:
HOBBES DE MALMESBURY, THOMAS. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. Coleção Os Pensadores. Nova Cultural, edição 1999.

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