quarta-feira, 11 de julho de 2012

O apanhador no campo de centeio – J. D. Salinger (1951)


Foto de William Mendes.

O APANHADOR NO CAMPO DE CENTEIO – J. D. SALINGER (1951)

CLÁSSICO DA LITERATURA NORTE-AMERICANA

Introdução

A primeira vez que ouvi o nome de Salinger foi em 2010 (se ouvi antes, nada me motivou a guardar o nome). Li algum comentário sobre o falecimento dele aos 91 anos de idade.

Se não me engano, o comentário que li a respeito dele falava de algo sobre percebermos que estamos envelhecendo à medida que passamos a frequentar mais enterros de parentes e pessoas próximas a nós.

As relações criadas em nossa vida são muitas vezes arbitrárias. Se o que eu disse acima ocorreu ou não, o fato é que ficou aquela impressão descrita de relação com a morte.

Fui atrás do livro no dia em que minha avozinha Cornélia Gomes morreu. Achei o livro dias depois. Li e ele não tem nada a ver com a questão da morte. Nem ele nem o autor.

A estória

O romance aborda a juventude. Aborda a revolta dos jovens e a alienação, que muitas vezes acompanha a adolescência.

Um dos destaques da obra é a linguagem. Acredito que para uma obra escrita no final dos anos quarenta, a linguagem vulgar deve ter sido bastante impactante no meio literário.

O texto é escrito em primeira pessoa, revezando discursos diretos e indiretos.

O adolescente Holden Caulfield fala muitas palavras obscenas e vulgares do início ao fim dos fatos que ele narra desde sua expulsão do Internato Pencey até dias depois, quando tem alguma crise nervosa ou esgotamento e diz que se encontra em algum lugar se tratando e que espera sair em breve.

O início

“Se querem mesmo ouvir o que aconteceu, a primeira coisa que vão querer saber é onde eu nasci, como passei a porcaria da minha infância, o que meus pais faziam antes que eu nascesse, e toda essa lenga-lenga tipo David Copperfield, mas, para dizer a verdade, não estou com vontade de falar sobre isso. Em primeiro lugar, esse negócio me chateia e, além disso, meus pais teriam um troço se eu contasse qualquer coisa íntima sobre eles. São um bocado sensíveis a esse tipo de coisa, principalmente meu pai. Não é que eles sejam ruins – não é isso que estou dizendo – mas são sensíveis pra burro. E, afinal de contas, não vou contar toda a droga da minha autobiografia nem nada. Só vou contar esse negócio de doido que me aconteceu no último Natal, pouco antes de sofrer um esgotamento e de me mandarem para aqui, onde estou me recuperando. Foi só isso o que contei ao D. B., e ele é meu irmão e tudo. Ele está em Hollywood. Não é muito longe deste pardieiro, e ele vem me visitar quase todo fim de semana. Quando eu voltar para casa, talvez no mês que vem, é ele quem vai me levar de carro. Comprou há pouco tempo um Jaguar, um desses carrinhos ingleses que fazem uns trezentos quilômetros por hora e que custou uns quatro mil dólares. D. B. agora vive nadando em dinheiro, mas antigamente a coisa era outra. Quando morava conosco era apenas um escritor. Se é que nunca ouviram falar nele, foi D. B. quem escreveu aquele livro de contos fabuloso, O Misterioso Peixinho Dourado. O melhor conto do livro era a estória do garotinho que não deixava ninguém ver seu peixe dourado, só porque o tinha comprado com seu próprio dinheiro. Achei o máximo. Agora D. B. está em Hollywood, se prostituindo. Se há coisa que eu odeie, é cinema. Não posso nem ouvir falar de cinema perto de mim...”

A juventude é natureza em ebulição, sempre

Eu não tive a casualidade de conhecer a obra na adolescência. Porém, ao refletir sobre a revolta do jovem Holden, lembrei-me de minha própria revolta na adolescência e, neste momento, me peguei pensando na revolta de outros jovens como meu próprio filho.

Assim como fez o velho professor Spencer, aquele que Holden mais respeitava, ao querer lhe dar conselhos antes que ele deixasse o internato, também passei um tempo tentando dar conselhos ou dicas para meu filho.

A atitude só valeu para uma coisa: fazer aquele garoto sentir o mesmo que o personagem do romance. As coisas da juventude parecem cíclicas e atemporais, mesmo quando os tempos e as necessidades são outras.

Não adianta querermos julgar se a revolta dos jovens é com causa ou sem causa. A revolta é revolta. Eles são jovens. Seus corpos estão em revolução. As transformações que sofrem são alucinantes.

Penso que cabe a nós torcermos para que os jovens atravessem a revolução biológica de seus corpos com saúde e sem sequelas. É o que penso.

Intertextualidades literárias e metalinguagem

O jovem Holden nos fala um pouco sobre literatura da época (nos fala do seu jeito).

“Estava lendo um livro que tinha apanhado por engano na biblioteca. Me deram o livro errado e só notei quando já estava de volta no quarto. Haviam me dado Fora da África, de Isak Dinesen. Pensei que ia ser uma droga, mas não era não. Até que era um livro muito bom. Sou bastante ignorante, mas leio um bocado. Meu autor preferido é meu irmão D. B. e, em segundo lugar, Ring Lardner. Meu irmão me deu um livro do Ring Lardner no meu aniversário, antes de eu ir para o Pencey. Tinha uma porção de peças malucas, engraçadas pra burro, e um conto sobre um guarda de trânsito que se apaixona por uma garota muito bonita, que dirigia sempre em excesso de velocidade. Só que o guarda era casado, e por isso não podia casar com ela nem nada. Aí a garota acaba morrendo, porque dirigia sempre em excesso de velocidade. Achei essa estória infernal. O que eu gosto mesmo é de livro que seja engraçado, pelo menos de vez em quando. Li uma porção de livros clássicos, como A Volta do Nativo, e tudo, e gostei deles; li também vários livros de guerra e de mistério, mas nenhum desses me deixou maluco. Bom mesmo é o livro que quando a gente acaba de ler fica querendo ser um grande amigo do autor, para se poder telefonar para ele toda vez que der vontade. Mas isso é raro de acontecer. Eu até que gostaria de telefonar para esse tal de Ring Lardner, só que o D. B. me disse que ele já morreu. Mas, por exemplo, esse livro do Somerset Maugham, A Servidão Humana, que li no verão passado. É um livro bom pra chuchu e tudo, mas não me dá vontade de telefonar para o Somerset Maugham. Sei lá. Não é o tipo de sujeito que a gente tenha vontade de telefonar para ele, essa é que é a verdade. Preferiria telefonar para o Thomas Hardy. Gosto muito da tal da Eustacia Vye.”

A eterna dúvida: pra onde vão os patos no inverno?

Essa questão fica na cabeça do jovem Holden o tempo todo. Ele cresceu ali nos arredores de Manhattan em Nova York. E aí, pra onde é que vão os patos durante o inverno, quando o lago fica congelado?

Veja a pergunta de Holden para um taxista que acha que ele tá querendo gozar com a cara dele:

“-Escuta aqui, você sabe onde ficam aqueles patos que vivem no lago lá pro lado sul do Parque? Aquele laguinho? Você sabe por acaso para onde eles vão, os patos, quando fica tudo congelado? Será que você tem uma ideia?

Calculei que era uma chance num milhão. Ele se virou para trás e me olhou como se eu fosse maluco.

- Quê que há, ó meu, tá querendo me gozar?

- Não, só que eu estava interessado em saber. Só isso.”

Uma verdade: ao se exibir demais, deixamos de ser bons

Holden está vendo uma peça de teatro e faz um comentário sobre os artistas principais: Alfred Lunt e Lynn Fontanne. A verdade que o jovem comenta é muito legal.

“O Alfred Lunt e a Lynn Fontanne faziam o papel do casal velho e trabalhavam muito bem, mas não gostei muito deles. Que eles eram diferentes, isso eram. Não agiam feito gente, mas não representavam como atores. É difícil de explicar. Agiam assim como se soubessem que eram famosos e tudo. Quer dizer, eram bons, mas eram bons demais (...) Se a gente faz uma coisa bem demais, aí, depois de algum tempo, se não tiver muito cuidado, começa a se exibir. E aí a gente deixa de ser bom de verdade.

Ser um apanhador no campo de centeio (para Holden)

A revelação na conversa com a irmãzinha querida Phoebe.

“- Você sabe o quê que eu quero ser? – perguntei a ela. – Sabe o que é que eu queria ser? Se pudesse fazer a merda da escolha?

- O quê? Para de dizer nome feio.

- Você conhece aquela cantiga: ‘Se alguém agarra alguém atravessando o campo de centeio’? Eu queria...

- A cantiga é ‘Se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio’! – ela disse. – É dum poema do Robert Burns.

- Eu sei que é dum poema do Robert Burns.

Mas ela tinha razão. É mesmo ‘Se alguém encontra alguém atravessando o campo de centeio’. Mas eu não sabia direito.

- Pensei que era ‘Se alguém agarra alguém’ – falei. – Seja lá como for, fico imaginando uma porção de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos, e ninguém por perto – quer dizer, ninguém grande – a não ser eu. E eu fico na beirada de um precipício maluco. Sabe o quê que eu tenho de fazer? Tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Quer dizer, se um deles começar a correr sem olhar onde está indo, eu tenho que aparecer de algum canto e agarrar o garoto. Só isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser só o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que é maluquice, mas é a única coisa que eu queria fazer. Sei que é maluquice.

A danada da Phoebe ficou calada um tempão. Aí, quando resolveu falar, foi para dizer: - Papai vai te matar.”

A literatura tem os seus caminhos

Pois é, foi assim, de forma torta, que preenchi mais uma lacuna cultural e li mais um clássico da literatura mundial.

Estou um grãozinho de nada menos ignorante hoje do que ontem. Aliás, na minha ida para Brasília ontem, achei, na livraria do Aeroporto de Congonhas, totalmente por acaso, outro livro do Salinger - Carpinteiros, levantem bem alto a cumeeira & Seymour, uma apresentação.

Viu como são as coisas?! Já estou lendo.


Bibliografia:

SALINGER, J. D. O apanhador no campo de centeio. Editora do Autor. 17ª edição.

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