domingo, 6 de janeiro de 2013

Grande Sertão: Veredas - Amor simplesmente...


Cena da minissérie Grande Sertão: Veredas.
Globo quebrou encanto da obra.


Refeição Cultural

INTRODUÇÃO

Estou relendo o clássico de Guimarães Rosas.

Alguns livros e alguns autores são exatamente o que um Leitor ou uma pessoa qualquer precisam quando querem pitadas de sabedorias e frases profundas para parar e entrar em reflexão sobre o viver, sobre o mundo, sobre as coisas.

Sem dúvida nenhuma Guimarães Rosa, José Saramago e Machado de Assis se enquadram neste tipo de autor sábio e mágico que estou dizendo. 

O livro primeiro, pela antiguidade, sobre essas pitadas de sabedoria que afirmo não poderia ser outro que Don Quijote de La Mancha, de Miguel de Cervantes Saavedra.

Voltemos ao Grande Sertão: Veredas...

Cito abaixo, após minha argumentação, um trecho do monólogo reflexivo e angustiado de toda uma vida do jagunço aposentado Riobaldo Tatarana ao visitante ilustre, "doutor", que, de passagem por sua casa, teve que ficar três dias ouvindo o narrar de uma vida jagunça.

Eu queria ter lido hoje umas cinquenta páginas, mas é impossível não parar para refletir e anotar um pouco do maravilhoso que é o falar de Riobaldo, a riqueza do respeito ao contar e às técnicas narrativas da boa literatura.


MINISSÉRIE DA GLOBO QUEBROU TODO O ENCANTO DA OBRA

Observem que todo o respeito que o jagunço teve em contar ao ''doutor" sua história foi quebrado de cara pela Rede Globo ao fazer nos anos oitenta a minissérie sobre o livro. Todo o segredo mantido e preservado até o fim por Riobaldo ao visitante e a cada leitor que ocupa o lugar do visitante ao abrir a estória, foi arrebentado pelas Organizações Globo e pela família Marinho ao colocar a bela e conhecida atriz Bruna Lombardi no seriado.

Toda a construção do livro se baseia nas confissões de um amor por um amigo, em um amor de um homem por um homem. Riobaldo reflete se aquele amor naquele tempo e naquela situação real do viver não era coisa do "Dêmo", se ele era ou não era "sem-vergonha".

Tudo isso é preservado pelo jagunço aposentado ao narrar ao visitante e aos leitores. 

Então me aparece a Rede Globo, que não tem o mínimo respeito por nada e por ninguém, e quebra o encanto da obra ao fazê-la contando a todos aquilo que nem Guimarães Rosa nem o personagem narrador Riobaldo fizeram.


A TÉCNICA NARRATIVA DE RIOBALDO

"O senhor entenderá, agora ainda não me entende. E o mais, que eu estava criticando, era me a mim contando logro - jigajogas."

Essa é a técnica que o jagunço Riobaldo escolhe para narrar sua história ao visitante. Ele Riobaldo aposentado, desde o início de sua narração, assume uma posição de contar com o ponto de vista do próprio personagem Riobaldo no passado. Ele quer que o "doutor" vivencie o mesmo tormento que ele viveu ao descrever aquele sentimento estranho pelo amigo Reinaldo.


"Ao que, em tanto, no ouvir falar de Joca Ramiro, o Reinaldo se aproximou. Parecia que ele não gostava de me ver em comprida conversa amiga com os outros, ficava quasezinho amuado. Com o tempo dos dias, fui conhecendo também que ele não era sempre tranquilo igual, feito antes eu tinha pensado. Ah, ele gostava de mandar, primeiro mandava suave, depois, visto que não fosse obedecido, com a sete-pedras. Aquela força de opinião dele mais me prazia? Aposto que não. Mas eu concordava, quem sabe por essa moleza, que às vezes a gente tem, sem tal nem razão, moleza no diário, coisa que até me parece ser parente da preguiça. E ele, o Reinaldo, era tão galhardo garboso, tão governador, assim no sistema pelintra, que preenchia em mim uma vaidade, de ter me escolhido para seu amigo todo leal. Talvez também seja. Anta entra n'água, se rupêia. Mas, não. Era não. Era, era que eu gostava dele. Gostava dele quando eu fechava os olhos. Um bem-querer que vinha do ar de meu nariz e do sonho de minhas noites. O senhor entenderá, agora ainda não me entende. E o mais, que eu estava criticando, era me a mim contando logro - jigajogas."

Em todas as passagens da narração, o jagunço pede calma ao ouvinte, dizendo que no final da história se entenderá, ou não. Mas o segredo é mantido.

O que faz a Rede Globo na minissérie, diz aos telespectadores: olha, fiquem tranquilos e podem assistir ao seriado porque não estamos colocando nenhuma "senvergonhice" no ar. No final (desde o início), vocês verão que o Diadorim é a bela Bruna Lombardi e, então, não tem problema de o Riobaldo sentir aquelas coisas por ele (ela) não...

Francamente!

William

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