sexta-feira, 26 de julho de 2013

LTI - Análises de discursos de Hitler e Mussolini, por Klemperer



A leitura do capítulo oito - Dez anos de fascismo -, do livro de Victor Klemperer sobre a Linguagem do Terceiro Reich, trouxe reflexões interessantes.

O filólogo analisa a fala e os gestos de Mussolini, no poder italiano antes de Hitler na Alemanha. Denuncia que Hitler e o nazismo copiaram símbolos e gestos do fascismo.


(em 1932) DEZ ANOS DE FASCISMO

O capítulo começa  com Klemperer explicando o engano de um jovem alemão ao confundir o significado de fascismo.

"Era um rapaz inteligente, devia ter sido membro da juventude hitlerista e com certeza coleciona selos. Conhece o emblema do fascismo italiano, que aparece nos selos da época de Mussolini: um feixe de varas com um machado no meio, que os lictores carregavam à frente de certos magistrados romanos. De mais a mais, ele já devia ter encontrado essa palavra em seus tantos anos de latim. Mas não conhecia o significado da palavra 'fascismo'. Os colegas ajudaram-no: 'Vem de fascis [feixe]'. Quantos outros devem desconhecer o verdadeiro significado desta palavra, se um estudante de ensino médio, educado no sistema nazista, não o conhece?...". (p. 101)


Klemperer analisa uma projeção em filme sonoro na manhã do dia 23 de outubro de 1932. O filme se chama Dez anos de fascismo.

"Pode-se ver como o Duce, relaxando depois de cada pequena pausa, volta a dar à face e ao corpo uma expressão de energia máxima e de tensão. A exaltação do pregador aparece no tom de voz de ritual eclesiástico, lançando frases curtas, como fragmentos litúrgicos, diante das quais obtém reações emocionadas de todos, sem qualquer esforço mental, mesmo que não captem o sentido das palavras, ou justamente por não terem capacidade para captá-lo.

A boca é gigantesca. De vez em quando faz gestos tipicamente italianos com os dedos. A massa, exultante, grita entusiasmada. Assobia de maneira alvoroçada, especialmente quando o nome de algum inimigo é mencionado. Repete o gesto da saudação fascista, o braço estendido para o alto". (p. 102)


Klemperer começa a explicar o Nazismo como cópia do Fascismo Italiano

"Führer é a tradução alemã de Duce, a camisa marrom é uma variação da camisa negra italiana, a saudação alemã é uma imitação da saudação fascista. Da mesma forma que todas as demais cenas do filme, a própria cena do discurso do Führer diante do povo reunido copia o modelo de propaganda italiano. Em ambos os casos a intenção é aproximar o chefe e o povo - o povo todo, não somente seus representantes". (p. 103)


Usando Rousseau para explicar a política nos limites da urbe

"Não é voz corrente que a política é a arte de governar a pólis, a cidade? Para Rousseau, o estadista é a pessoa que discursa para o povo, para as pessoas reunidas no mercado. Para ele, competições esportivas e
Mussolini, o Duce.
artísticas, das quais o povo participa, são instituições políticas e meios de propaganda. Essa foi a grande ideia da Rússia soviética - graças às novas invenções tecnológicas, como o rádio e o cinema -, que expandiu o método dos antigos e de Rousseau a um espaço ilimitado e permitiu que o estadista, também governante, se dirigisse 'a todos' realmente a cada um, mesmo que esses 'todos' sejam milhões de pessoas separadas por milhares de quilômetros".
(p. 103)



Com o rádio, o cinema e os meios de comunicação de massa surge a comunicação direta com milhares e milhões

"O discurso, uma das ferramentas e compromissos do estadista, reconquistou ou até ampliou o status que tinha em Atenas, pois agora o orador, em vez de se dirigir somente a Atenas, dirige-se a um país inteiro, e na verdade a muito mais do que um só país". (p. 103)


Discurso foca o sentimento e não o intelecto, sendo mais popular... pode virar demagogia ou sedução

"Agora, o discurso ocupa uma posição mais importante, e sua essência mudou. Dirigido a todos, não apenas a representantes do povo, precisa ser compreensível a todos, isto é, precisa ser mais popular. O que é mais popular é mais concreto. Quanto mais o discurso se dirige aos sentimentos, quanto menos se dirige ao intelecto, mais popular ele é. Quando deliberadamente começa a deixar de lado a inteligência, entorpecendo-a, ultrapassa a fronteira e se transforma em demagogia ou sedução". (p. 103)

O filólogo também explica que o cenário onde se realiza o discurso - uma praça, um teatro, com bandeiras e estandartes, com gritos e retornos da multidão, faz parte do efeito que se quer produzir de sedução e convencimento coletivo. A encenação e o tom da voz faz toda a diferença.


Discursar e falar: alemães tinham certa aversão a oradores

"Na língua alemã, a partir das palavras Rede [discurso] e reden [falar] pode-se formar o adjetivo rednerisch [discursador, eloquente], que não tem boa fama. Discursar é sempre uma atividade suspeita, uma daquelas em que alguém 'quer tirar vantagem'. Poderíamos quase falar de uma aversão congênita dos alemães ao orador". (p. 104)


Oratória x Retórica

"As línguas latinas, em contrapartida, são muito cautelosas com essa questão; valorizam o orador e distinguem cuidadosamente a oratória e a retórica. Para essa línguas, o Orator [orador] é o homem honesto que se empenha em convencer as pessoas com a clareza da palavra, dirigindo-se aos corações e às mentes dos ouvintes. A oratória é um elogio que os franceses fazem a um Bossuet ou a um Corneille, grandes clássicos do púlpito e do teatro. A língua alemã também teve oradores deste porte, como Martinho Lutero e Schiller. O ocidente encontrou um adjetivo especial para o orador de gênero declamatório e duvidoso: 'retórico'. Ele nos remete à sofística da Grécia Antiga e à época de sua decadência, pois elabora frases capciosas, feitas com intenção de enganar". (p. 104)


O filólogo analisa discursos de Mussolini e de Hitler

Primeiro, Klemperer conclui que Mussolini estava muito mais para um retórico que para um orador.

"Será Mussolini um Orator ou um Rhetor [retórico] de seu povo? É certo que se aproxima mais daqueles que usam a retórica do que do orador. No decorrer de sua funesta evolução, decaiu por completo para o gênero da retórica". (p. 105)

Depois explica que nunca viu ao vivo um discurso de Hitler porque era proibido a judeus. Mas ele ouviu por auto-falantes instalados nas ruas e na fábrica.

"(...) Diante da fachada iluminada do hotel da estação principal de Dresden, de onde um alto-falante transmitia o discurso, uma multidão delirante se apertava. Os balcões estavam ocupados por homens da SA, de pé, segurando grandes bandeiras com a suástica (...) Não obstante, naquela época eu já tinha exatamente a mesma impressão que me acompanhou até o fim. Que diferença havia em relação ao modelo de Mussolini!". (p. 106)


Hitler era um retórico


Hitler discursando. Foto: Wikipedia.
"Era visível o esforço físico que o Duce fazia para imprimir energia às frases, o empenho para manter a massa aos seus pés, mas em sua língua materna ele se expressava livremente, a ela se entregava, apesar do desejo de dominar. Mesmo tropeçando entre a oratória e a retórica, o Duce permanecia um orador, sem contorções nem convulsões. Hitler queria sempre aparecer, ou como bajulador ou cheio de sarcasmo - dois registros pelos quais gostava de transitar. Hitler falava, ou melhor, gritava em convulsões. Até mesmo no máximo da exaltação é possível manter certa dignidade e algum bem-estar interior, um sentimento de autoconfiança e de estar em harmonia consigo mesmo e com os demais. Esses aspectos faltavam a Hitler, que desde o começo era um retórico consciente, retórico por princípio. Não se sentia seguro nem mesmo em uma situação de triunfo, fustigava com seu linguajar os adversários e as ideias contrárias. Não tinha compostura, sua voz não possuía musicalidade, o ritmo de suas frases açoitava a si mesmo e aos demais (...) Nunca fui capaz de compreender como conseguiu conquistar as massas, cativá-las e mantê-las presas sob seu jugo por tanto tempo com uma voz desafinada e esganiçada, com frases mal construídas na sintaxe alemã, empregando uma retórica claramente contrária ao caráter da língua alemã". (p. 106/107)


Ao fim do capítulo, Klemperer busca respostas para o carisma de Hitler com o povo alemão

Já em 1944/45,  quando era racional perceber que a Alemanha estava derrotada, bastava o Führer ou alguém falando sobre ele e dizendo sobre nova artimanha bélica e o povo acreditava.

"O Führer tinha dito, e o Führer não mentia. Acredita-se mais nele do que em propostas ajuizadas". (p.108)


Como se explicar o sucesso retórico de Hitler?

"(...) Existe uma explicação psiquiátrica bastante difundida, com a qual estou de acordo, mas quero completá-la com outra, de caráter filológico.

"Naquela noite do discurso do Führer em Königsberg, um colega que já tinha visto e ouvido Hitler diversas vezes disse-me que ele terminaria em uma espécie de insanidade religiosa. Também creio que ele desejava tornar-se o novo salvador do povo alemão. Havia nele o conflito permanente entre a exaltação megalômana de um César e a mania persecutória, estados patológicos que se reforçavam mutualmente. Essa doença infectou o corpo do povo alemão, enfraquecido e psiquicamente destruído pela Primeira Guerra Mundial.

"Falando como filólogo, acredito que o efeito da retórica desavergonhada de Hitler foi tão avassalador justamente porque atingiu uma língua que até então fora poupada dessa retórica, a qual se disseminou com a virulência de uma epidemia desconhecida. Na essência, ela era tão pouco alemã quanto o braço estendido e o uniforme fascista - substituir a camisa preta pela marrom não é uma invenção muito original -, bem como a decoração e os adornos das manifestações populares." (p. 108)


Conclusão do capítulo por Klemperer

"Mesmo assim, o que o nazismo absorveu dos dez anos de fascismo que o precederam, ainda que tenha sido causado por corpos estranhos, não se compara à ignóbil intoxicação especificamente nazista: o nazismo tornou-se uma doença especificamente alemã, uma degeneração virulenta da carne alemã. Reinfectado a partir da própria Alemanha, o fascismo - certamente criminoso, mas não tão bestial - sucumbiu junto com o nazismo". (p. 109)


COMENTÁRIO FINAL

O advento dos meios de comunicação de massa alteraram substancialmente a extensão do poder da oratória e da retórica. Falar para milhares e milhões, ao invés de somente às multidões em assembleias e praças é algo extremamente poderoso.

Sem falar no poder imagético de verdade que tem a comunicação visual.

Vimos o poder da comunicação de massa no século 20 e estamos vivendo no início do século 21 a era das grandes corporações que detêm tudo. O capital, as empresas transnacionais que mandam nos países, os veículos de comunicação que implantam ideologias dos poucos donos do poder nas mentes dos "consumidores" das necessidades criadas pelo capitalismo mundial.

Estamos danados!

Apesar de acertos e erros dos mandatos federais dos governos do Partido dos Trabalhadores entre 2003 e 2013 no Brasil, os donos dos meios de comunicação (P.I.G.), após dez anos tentando achar a fórmula para derrotar os projetos de mudanças sociais em andamento, achou no mês de junho a chave. Acertou o discurso em meio à turba, que sempre esteve em disputa pelos projetos de poder, à esquerda e à direita.

É isso! No Brasil, nada será como antes após as manifestações de junho de 2013...


Bibliografia:
KLEMPERER, Victor. LTI - A Linguagem do Terceiro Reich. Editora: Contraponto. 1ª edição, 2009.

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