domingo, 10 de novembro de 2013

O Tempo e o Vento - A vida nas Missões (Séc. XVIII)


Ruínas das Missões - Foto: Renato Costa (Wikipedia)

A FONTE


COMENTÁRIO:

Esta parte é importante para se conhecer o locus (as missões jesuíticas espanholas) onde surge Pedro, chamado missioneiro. Ele é filho de uma índia que morreu após o parto. Ele conhecerá Ana Terra no futuro. Ele também portará o punhal que acompanhará as gerações da família Terra Cambará.

Pedro foi educado pelo Pe. Alonzo nos Sete Povos de Missões (era domínio Espanhol), depois trocado pelos reis com a Colônia de Sacramento (era domínio Português) - Tratado de Madri (1750).

Achei a leitura muito interessante e me fez pesquisar um pouco sobre o tema por curiosidade e para melhorar meus conhecimentos.

Não há subtítulos no livro. Estes na postagem são criados por mim para melhor apresentação dos excertos.


(3)

A VIDA NAS MISSÕES EM 1745

Carta de Pe. Alonzo à família na Espanha:

“Se pensais que vivo no meio de bárbaros, estais completamente enganados. Nos Sete Povos começa a nascer uma das mais belas civilizações de que o mundo tem notícia. Enquanto vos escrevo, vejo através da janela a nossa bela catedral, toda de arenito vermelho, com seu tímpano grandioso, o seu átrio com uma longa fileira de colunas, e a sua resplandecente cruz de ouro. Seu estilo lembra o de certas igrejas do fim do Renascimento italiano (o que não é de admirar, pois foi ela construída por um milanês).

                Os índios das reduções vivem hoje mais cristamente que muitos brancos de Pamplona, Madrid ou Lisboa. Estão já redimidos do feio pecado da promiscuidade, pois todos se casam de acordo com as leis da Igreja e guardam o sexto mandamento; temem a Deus, são batizados e fazem batizar os filhos; no leito de morte nunca deixam de receber o Viático; e quando morrem são encomendados e finalmente enterrados em campo-santo.

                Pois muitos desses chamados selvagens sabem, além da língua nativa, o latim e o espanhol, e são hábeis escultores, pintores, oleiros, ourives, tecelões, fundidores de bronze, e músicos. Um destes dias, escutando um sexteto de índios que tocava com sentimento e correção peças dum compositor bolonhês, fiquei de tal maneira comovido que não pude reprimir as lágrimas.” (pág. 32)


(4)

A MÚSICA COMO CATEQUESE PARA OS ÍNDIOS NAS MISSÕES

“(...) Havia na redução excelentes organistas, harpistas, corneteiros e cravistas. Os instrumentos em sua maioria eram fabricados na redução pelos próprios índios, dirigidos pelos padres. A música havia sido e ainda era para os missionários um dos meios mais efetivos de catequização. Tocando seus instrumentos e cantando, eles se haviam aproximado pela primeira vez dos guaranis, desarmando-os espiritual e fisicamente e conquistando-lhes a confiança e a simpatia. No princípio a música fora a linguagem por meio da qual padres e índios se entendiam. E não teria sido porventura a música a língua do Paraíso – o primeiro idioma da humanidade? Por meio da música os jesuítas induziam os índios ao estudo, à oração e ao trabalho. Era ao som de música e cânticos que eles iam para a lavoura, aravam a terra, plantavam e colhiam – e era sempre debaixo de música que voltavam para a redução ao anoitecer. A música era por assim dizer o veículo que levava aquelas almas a cristo.” (pág. 34)


MISSÕES: A SOCIEDADE PROMETIDA NOS EVANGELHOS

“Uma tarde, à hora do crepúsculo (foi no ano de 1750, por ocasião da Páscoa) Alonzo parou no centro da praça, contemplou a catedral e sonhou de olhos abertos com o Mundo Novo. Havia de ser algo tão belo e sublime que a mais rica das imaginações mal poderia conceber.

                Os povos não mais seriam governados por senhores de terras e nobres corruptos. Seria a sociedade prometida nos Evangelhos, o mundo do Sermão da Montanha, um império teocrático que havia de erguer-se acima das nações, acima de todos os interesses materiais da cobiça, das injustiças e das maquinações políticas.

                Um mundo de igualdade que teria como base a dignidade da pessoa humana e seu amor e obediência a Deus. Nesse regime mirífico o homem não mais seria escravizado pelo homem. Não haveria mais exaltados e humilhados, ricos e pobres, senhores e servos. Que direito tinha de se apossar de largas extensões de terra? A terra, Deus a fizera para todos os homens. O que era de um devia ser de todos, como nos Sete Povos. Todas as criaturas tinham direito a oportunidades iguais. Não era, então, maravilhoso transformar-se um índio pagão num cristão, num artista, num músico, num escultor, num ourives, num arquiteto? Quantos milhares de seres havia no globo que vegetavam na ignorância e na miséria por falta apenas de quem lhes iluminasse o entendimento, despertando-lhes o desejo de melhorar, de criar coisas úteis e belas com a mão e o espírito que Deus lhes dera? Mas para conseguir esse mundo ideal era primeiro necessário combater todos aqueles que por indiferença ou egoísmo se negavam a baixar os olhos para os humildes. Alonzo, que fora sempre um estudioso da História, sabia que os homens em todos os tempos foram sempre levados ao pecado pelo diabo, e a arma de que o diabo mais se servia era o desejo de riqueza, poder e gozo. Para conseguir essa riqueza, essa força e esses prazeres, não hesitavam em escravizar as outras criaturas. E a melhor maneira de conservá-las em estado de escravidão era mantê-las na ignorância...” (pág. 40)


O PAPEL REVOLUCIONÁRIO DA COMPANHIA DE JESUS NO NOVO MUNDO

“Pagavam soldados não só para defender-lhes as vidas e os bens como também para alargar-lhes as conquistas. Mas esses senhores consistiam numa minoria. Ah! Um dia esses eternos humilhados, esses eternos escravos haveriam de tomar consciência de sua força e erguer-se! Mas era indispensável que tal levante se fizesse não em nome do ódio, da vingança e da destruição, mas sim em nome de Deus e da Suprema Justiça. A missão da Igreja – e neste ideal extremado Alonzo sabia que estava só – devia ser a de promover essa Revolução. O trabalho da Companhia de Jesus já havia começado na América. Era preciso primeiro conquistar o Novo Continente, livrar o índio da influência do homem branco, organizar uma grande república teocrática que depois, aos poucos, poderia estender a outras terras a sua influência e o seu exemplo. Ah! Mas para conseguir esse supremo bem os jesuítas seriam obrigados a usar meios aparentemente ignóbeis. Teriam de ser obstinados e implacáveis. No princípio seria necessário exercer uma ditadura justa mas inexorável. Não havia outra alternativa. Seriam os fiadores dessa Revolução em Nome de Deus, pois o povo não estava ainda esclarecido, não sabia o que lhe convinha, e portanto podia ser facilmente ludibriado pelos poderosos. Era pois imprescindível que os sacerdotes exercessem na terra a ditadura em nome de Deus até que um dia (Dali a quantos anos? Cem? Duzentos? Mil? Que importava o tempo?) fosse possível atingir aquele estado ideal, conseguir a igualdade entre as criaturas, a paz e a felicidade universal...” (pág. 41)


COMENTÁRIO FINAL:


Este trecho de reflexões acima é apresentado pelo Pe. Alonzo no momento em que ele fica sabendo que houve um acordo entre as coroas portuguesa e espanhola (Tratado de Madri - 1750):

“(...) Portugal e Espanha, para pôr termo às rixas em que viviam empenhados, tinham assinado um tratado iníquo, segundo o qual os portugueses cediam a seus velhos inimigos a Colônia do Sacramento, e os espanhóis, em troca, lhes entregavam os Sete Povos de Missões” (pág. 41)

A história de nosso país e de nossa América está o tempo inteiro entranhada na estória narrada por Érico Veríssimo. Muito legal!


Bibliografia:


VERÍSSIMO, Érico. O Tempo e o Vento – O Continente I. Editora Globo. 31ª edição. 1995

Nenhum comentário:

Postar um comentário