segunda-feira, 5 de maio de 2014

Lula, o filho do Brasil - Aula de comunicação sindical



Esse trabalhador metalúrgico usou muito da criatividade para
organizar, mobilizar e trazer as massas para a luta sindical.

Capítulo: "E Luiz Inácio tornou-se Lula" parte III


COMUNICAÇÃO

Aqui nesta postagem sobre este capítulo do livro em que Denise Paraná entrevistou Lula em 1993 vai agora uma aula de como lidar com os trabalhadores nos locais de trabalho, como ser criativo para mudar hábitos e costumes de uma instituição que já não corresponde aos anseios de seus representados.

Lula vira presidente do sindicato dos metalúrgicos entre 1975 e 1981 e decide dar uma chacoalhada na diretoria e no dia a dia do sindicato. Leva a diretoria para a porta das fábricas, começa a fazer assembleias ali mesmo, percebe que ninguém lia o boletim sindical, mas o boletim era horrível, não aguçava a curiosidade do trabalhador em querer lê-lo.

Na atualidade (2014) vivemos algo muito parecido. Estamos hoje no mundo da rede mundial de computadores, a internet, e apesar de todo mundo viver plugado ou conectado como dizem, a classe trabalhadora é extremamente mal informada e, pelo contrário, é fortemente influenciada pela comunicação hegemônica da mídia dos donos do capital. Aliás, existe uma construção social do capital para que os trabalhadores odeiem ou não liguem para os seus sindicatos de categoria.

Hoje vivemos um contexto em que ninguém quer ler nada que tenha mais que alguns toques ou linhas de texto. O mundo é o da imagem, é o do vídeo curto. As pessoas leem através de telas de celulares.

O desafio do movimento sindical CUTista ou mesmo o meu desafio a partir do início do meu mandato como diretor eleito de saúde da Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil (Cassi), entre junho/14 a maio/18, é criar interesse na comunicação e no conteúdo do que informamos aos nossos representados.

Por outro lado, não podemos também deixar de incentivar leituras mais formativas para a classe trabalhadora. Eu faço mea culpa porque não produzo textos curtos. Na Contraf-CUT, por exemplo, faço textos bem completos porque o leitor principal deveria ser o dirigente sindical - são milhares no Brasil. O texto da confederação é informativo e formativo. 

Enfim... este blog de cultura, por exemplo, é lido por poucas pessoas... há anos. Mas não tem problema, nunca busquei neste espaço volume e sim qualidade nos leitores.


Com a palavra, Lula da Silva:



SINDICATO MUDOU LINGUAGEM E FOI PRA PORTA DAS FÁBRICAS

"A eleição de 1978 foi muito importante porque a gente estava realmente com um pique muito interessante no sindicato. Nós já tínhamos inclusive mudado a linguagem do sindicato. A gente já não ficava mais esperando o trabalhador vir no sindicato para fazer assembleia. A gente ia para a porta de fábrica de manhã, de tarde e de noite fazer assembleia. Ao invés de fazer aqueles boletins chatos, a gente fazia história em quadrinhos, que era para o trabalhador ler."


TRABALHADOR JOGAVA BOLETIM FORA SEM LER

"Eu fui um dia numa porta de fábrica e eu descobri... A gente pegava o boletim e entregava para o trabalhador e o trabalhador jogava fora. Não é que ele jogava fora na hora. Eu percebi que ele andava um pouco com o boletim na mão e depois jogava fora. Então eu peguei o boletim e fui andando e lendo para ver se dava tempo de terminar de ler até onde ele chegava (carregando o boletim, antes de jogar fora). E não dava tempo para acabar de ler. Ele só esperava ficar um pouco distante da gente para jogar fora. Ou seja: o boletim não trazia nenhuma esperança para ele, não trazia nenhuma motivação para ele.

O que nós começamos a perceber? Primeiro, a gente fazia um boletim [e perguntava]: 'O que que a gente queria? Queria convocar uma assembleia para o dia 24, por exemplo. Para que horas? Para as 19 horas. Só que isso a gente não dizia no começo, a gente dizia no final. Então para o cidadão saber que hora era a assembleia, o dia e o local ele tinha que ler o boletim inteiro. Como ele não estava habituado a ler, ele não lia. Jogava fora. Não ficava nem sabendo nem do dia, nem da hora, nem do objetivo do boletim."


COMECE DIZENDO O QUE QUER COMUNICAR AOS TRABALHADORES

"Eu fui andando atrás e percebi que não dava tempo de ler. Eles jogavam fora. Aí então nós resolvemos: primeiro, o que nós queremos dizer para o cara? Nós não queremos entregar boletim por entregar. Nós queremos dizer que tem uma assembleia. Então isto tem que estar em primeiro lugar no boletim. Segundo lugar: para ele ir na assembleia ele tem que saber o dia e o local, então nós temos que colocar: 'Dia tal, assembleia no sindicato às 19 horas'. Aí, embaixo, a gente coloca o assunto, porque se ele se interessar pela assembleia ele vai se interessar pelo assunto."


"DENISE: Seu sindicato tinha jornalistas contratados para fazer o boletim oficial da entidade. Eram profissionais. Descobrindo os furos de comunicação existentes no jornal, você acredita que 'deu um baile' nos jornalistas?

LULA: [rindo] Não. Foi só uma questão de constatação. O jornalista pode ficar dentro do sindicato... Não sei se por falta de hábito, às vezes não sai para ver se estão lendo o que ele escreve. O que eu sei é que isso era um equívoco nosso. Até hoje tem algumas coisas assim. Você pega o boletim do sindicato e o objetivo está colocado lá no final. A coisa principal é dita somente quando o cara já enjoou de ler."


COMENTÁRIO DO SINDICALISTA WILLIAM


Quando eu comecei a fazer base no Sindicato dos Bancários, eu pegava as Folhas Bancárias, lia completamente antes de ir para os locais de trabalho, e em cada banco que eu entrava, eu chamava a atenção do bancário para tal assunto antes de ele pegar a Folha, fazia isso mesa a mesa. Fiz isso nas três regionais do Sindicato por onde atuei - na Oeste, em Osasco e na Centro. Eu lidava com todos os bancários de todos os bancos.

Depois fui cuidar do Complexo São João (2004/05), com 22 dependências do BB e mais de 1.500 bancários. Também chamava a atenção do bancário ao invés de só deixar a Folha na mesa. Digo a vocês que o retorno é muito bom e dali surge o diálogo e a formação sindical para ambos - o dirigente e o trabalhador.


HISTÓRIA EM QUADRINHO - PERSONAGEM JOÃO FERRADOR

"E aí nós resolvemos fazer a história em quadrinhos. Vamos ver se a gente consegue despertar no povo o interesse de ler alguma coisa! O João Ferrador já existia. Mas ele não existia como história em quadrinhos, ele existia só enquanto personagem. Então ele virou uma espécie de 'Monica' dos metalúrgicos. Tudo o que a gente queria fazer girava em torno do João Ferrador. Artigos, editoriais... Nós começamos a bolar uma espécie de gibizinho, história em quadrinhos, para contar as coisas. Tivemos a participação do Laerte, do Henfil, foi muito importante. Tem até um material bom (que eu quero que você veja) que foi a cartilha que nós produzimos no III Congresso dos Metalúrgicos. Foi uma coisa fantástica, isso revolucionou a forma de ser do pessoal."


FAZENDO A CATEGORIA LER

"Nós ainda criamos uma coisa, isso foi sugestão do companheiro Gilson Meneses, em 1976. Nós sabíamos que o trabalhador não podia ler jornal porque não tinha dinheiro para comprar jornal. Então o máximo que ele fazia era ler as manchetes dos jornais pendurados nas bancas. A pedido do Gilson, a gente criou uma coisa chamada Boletim Diário em que a gente fazia em uma ou duas páginas um xerox das matérias mais importantes, a gente rodava [esse material] e os dirigentes levavam para dentro das fábricas. Então a gente estava reproduzindo aos milhares as notícias de jornal que nos interessavam...

E naquele tempo as empresas não deixavam o material entrar, então os trabalhadores amarravam na meia, na barriga, para entrar dentro da fábrica. E distribuíam milhares de materiais. Foi uma coisa muito importante também, foi uma coisa que... Na verdade a gente estava fazendo os trabalhadores lerem os jornais, mas era uma coisa em que nós estávamos dando uma certa direção. Era uma coisa bem-feita, que também mexeu muito com a categoria."


COMENTÁRIO DO SINDICALISTA WILLIAM: 


A criatividade aqui no fazer o trabalhador ler foi fantástica. Reparem que os jornais da época já eram das mesmas famílias de hoje (alguns fecharam e eram melhores), mas a ideia de fazer clipping com assuntos de interesse dos trabalhadores foi muito importante. Quando chegou a campanha salarial de 1978, o pessoal estava bem mais informado e mais politizado pelo sindicato.

Outra coisa: olha como é engraçado. Na atualidade, o Partido da Imprensa Golpista (P.I.G.) atua com a ideia de criar pauta e influenciar os trabalhadores a as massas com a criação de títulos e manchetes porque sabe que muito pouca gente lê as matérias em si. Então criam páginas e rostos nos jornais e nas revistas (nas bancas) e nos sites e páginas virtuais com manchetes escabrosas contra o governo do PT e contra os movimentos sociais e temos que alertar nossos trabalhadores contra essa lavagem cerebral e desinformação.



BASE E CONTATO COM TRABALHADORES - E como podemos fazer isso? Antes de mais nada, só é possível fazer algo se estivermos em contato com os trabalhadores... básico, não?

Temos que combater a pauta manipulada da grande imprensa da direita com informação de qualidade fornecida por nós que temos o viés da classe trabalhadora. Não é impossível, é só ter inventividade, algumas técnicas e gana em comunicar.

É isso! Espero estar contribuindo com os dirigentes sindicais e alguns militantes sociais e leitores que gostam do tema comunicação e que estão engajados nas lutas por um mundo mais justo e solidário.

William


Bibliografia:


PARANÁ, Denise. Lula, o filho do Brasil. Apresentação de Antonio Candido. Editora Fundação Perseu Abramo. 1ª edição: dezembro de 2002. 3ª edição, 3ª reimpressão: julho de 2009.

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