Este blog é para reflexões literárias, filosóficas e do mundo do saber. É também para postar minhas aulas da USP. Quero partilhar tudo que aprendi com os mestres de meu curso de letras.
sábado, 4 de abril de 2015
Leitura: Ideologia e Contraideologia
Excertos interessantes
"O mais difícil é redescobrir sempre o que já se sabe" (Elias Canetti, A província do homem)
Hipóteses semânticas para Ideologia:
"Trata-se de ideia de condição. A ideologia é sempre modo de pensamento condicionado, logo relativo".
"Os homens erram, ou porque se enganam, ou porque distorcem a verdade por força dos seus interesses: este é o sumo das críticas que Platão faz à versatilidade dos sofistas, primeiros profissionais da retórica e do mercado ideológico que a história da filosofia registra".
"Para os sofistas, o discurso tem apenas valor instrumental, pois tudo pode ser provado ou contestado, conforme os desejos do cliente".
A RENASCENÇA ENTRE A CRÍTICA E A UTOPIA
"A crítica sistemática da ligação entre discurso e poder adquire plena evidência na Idade Moderna, sobretudo a partir da luta que a cultura renascentista empreende contra a força da tradição eclesiástica e contra os preconceituosos da nobreza e da monarquia por direito divino".
"A ruptura de um grupo intelectual ou de um movimento político com o estilo de pensar dominante abre neste a ferida do dissenso. Um pensamento de oposição traz consigo o momento da negatividade, contesta a autoridade, tida por natural, do poder estabelecido, acusa as suas incoerências e, muitas vezes, assume estrategicamente o olhar de um outro capaz de erodir a pseudovalidade do discurso corrente. Os períodos de crise cultural engendram a suspeita de que pode não ser verdadeiro ou justo o sistema de valores que "toda gente" admire sem maiores dúvidas".
Citando Montaigne (Ensaios): "Cada um de nós chama barbárie aquilo que não é de seus hábitos".
E Ainda: "É também um homem que procura discernir o mal que o fanatismo estava causando a seus contemporâneos, é um pensador para quem a tolerância e a benevolência devem presidir às relações entre os homens, não importa se europeus ou ameríndios, cristãos ou pagãos, ortodoxos ou dissidentes".
OS ROBIN WOODS DOS SÉCULOS XV E XVI E O PL 4330 NO BRASIL DE 2015
Aqui é citado Horkheimer comentando a obra clássica de Thomas Morus (Utopia) e eu não resisti em comparar aquela situação com a possibilidade idêntica para os trabalhadores brasileiros no caso de o Congresso Nacional aprovar o projeto da terceirização total neste abril de 2015:
"(...) as grandes utopias do Renascimento são a expressão das camadas desesperadas, que tiveram de suportar o caos da transição entre duas formas econômicas distintas. A história da Inglaterra nos séculos XV e XVI fala-nos dos pequenos camponeses que foram expulsos por seus senhores das casas e terras que habitavam, ao transformar todas aquelas comunidades rurais em pastos de ovelhas para prover com lã as fábricas do Brabante de forma lucrativa. Esses camponeses famintos tiveram de organizar-se em bandos saqueadores, e seu destino foi terrível. Os governos mataram muitíssimos deles e grande parte dos sobreviventes foi obrigada a entrar nas fábricas nascentes em incríveis condições de trabalho. E é precisamente nessas camadas que aparece em sua forma inicial o proletariado moderno; já não eram escravos, mas tampouco tinham possibilidade de ganhar a vida por si próprios. A situação desses homens proporcionou o argumento para a primeira grande utopia dos tempos modernos, dando, por sua vez, nome a todas as posteriores: a Utopia de Thomas Morus (1516), que, depois de entrar em conflito com o rei, foi executado no cárcere".
COMENTÁRIO
Dá para perceber a profundidade do tema ao ver o início da obra do professor Alfredo Bosi ao percorrer seis séculos de história do pensamento ocidental.
Me excitou a lembrança do papel dos sofistas, os profissionais da retórica e da lábia... tão atual!
Também é muito oportuna a questão dos valores de "toda gente". Ainda mais quando o senso comum é usado em períodos de crises culturais ou morais.
Poucas páginas me fazem ter a certeza de que é preciso não aceitar facilmente ir ao sabor das correntes hegemônicas em tempos como os que vivemos.
Quer ver uma coisa que acho horrível, deprimente, já que esta postagem é feita em um Sábado de Aleluia: a chamada "malhação do Judas".
Francamente! O que é a "malhação do Judas"? É a simbologia do linchamento. Isso para mim é a barbárie! Como eu poderia ser favorável ao linchamento de uma pessoa qualquer pelo populacho? Agora, vai discutir isso com o povo...
Bibliografia:
BOSI, Alfredo. Ideologia e Contraideologia. Companhia das Letras. 2010.
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