Este blog é para reflexões literárias, filosóficas e do mundo do saber. É também para postar minhas aulas da USP. Quero partilhar tudo que aprendi com os mestres de meu curso de letras.
domingo, 12 de julho de 2015
Formação Econômica do Brasil - Economia escravista séc. XVI e XVII
Refeição Cultural
Comecemos citando nosso poeta português, que tanto enalteceu os feitos da gente portuguesa com a conquista do mundo pelos mares nunca dantes navegados. De propósito, cito uma estrofe que considero bonita nas palavras, mas incorreta nos atos portugueses - seria verdade o que os versos nos dizem? Que fizeram em terras africanas, asiáticas e americanas?
CANTO SEGUNDO
80
"Não somos roubadores, que, passando
Pelas fracas cidades descuidadas,
A ferro e a fogo as gentes vão matando,
Por roubar-lhes as fazendas cobiçadas;
Mas, da soberba Europa navegando,
Imos buscando as terras apartadas
Da Índia grande e rica, por mandado
De um rei que temos, alto e sublimado."
(Os Lusíadas, Luís de Camões)
SEGUNDA PARTE DO LIVRO
Economia escravista de agricultura tropical (séculos XVI e XVII)
X. Projeção da economia açucareira: a pecuária
Excertos do capítulo e comentários, quando necessários.
Como a economia na colônia era de elevadíssimo coeficiente de importações, a produção de alimentos inclusive para os escravos, em terras de engenhos, tornava-se antieconômica naquele período.
Como a utilização da colônia era para a produção monocultora de açúcar, para exportação, além de não ser interessante ocupar a terra para plantar alimentos, a metrópole não queria concorrência alguma de produção para atrapalhar o comércio do império.
"Pode-se admitir, como ponto pacífico, que a economia açucareira constituía um mercado de dimensões relativamente grandes, podendo, portanto, atuar como fator altamente dinâmico do desenvolvimento de outras regiões do país (...). Em segundo lugar estava a preocupação política de evitar o surgimento na colônia de qualquer atividade que concorresse com a economia metropolitana".
COMENTÁRIO: isso sempre foi uma tragédia econômica para o nosso país.
DIFERENÇAS NA COLONIZAÇÃO EM SÃO VICENTE E NOVA INGLATERRA
"Em São Vicente, onde a escassez de mão-de-obra resultou ser maior do que na Nova Inglaterra - o excedente de população nas Ilhas Britânicas tornou possível importar mão-de-obra europeia em regime de servidão temporária - a primeira atividade comercial a que se dedicaram os colonos foi a caça do índio. Dessa forma, voltaram-se para o interior e se transformaram em sertanistas profissionais."
PECUÁRIA, EXCEÇÃO À MONOCULTURA DA CANA
"O único artigo de consumo de importância que podia ser suprido internamente era a carne, que figura na dieta mesmo dos escravos, como observa Antonil."
"A criação de gado - na forma em que se desenvolveu na região nordestina e posteriormente no sul do Brasil - era uma atividade econômica de características radicalmente distintas das da unidade açucareira. A ocupação da terra era extensiva e até certo ponto itinerante. O regime de águas e distâncias dos mercados exigiam periódicos deslocamentos da população animal, sendo insignificante a fração das terras ocupadas de forma permanente".
A economia de criação de gados se transformou num fator fundamental de penetração e ocupação do interior brasileiro.
Como a atividade de criação de gado tinha mais atrativos que a açucareira, inclusive por causa da relação de investimentos necessários entre uma e outra, "aquele que não dispunha de recursos para iniciar por conta própria a criação tinha possibilidade de efetuar a acumulação inicial trabalhando numa fazenda de gado".
"Tudo indica que essa atividade era muito atrativa para os colonos sem capital, pois não somente da região açucareira, mas também da distante colônia de São Vicente, muita gente emigrou para dedicar-se a ela", conclui Furtado.
PECUÁRIA TERÁ IMPORTÂNCIA NA REGIÃO NORDESTINA MESMO EM DECADÊNCIA
Celso Furtado finaliza o capítulo, após explicar a dispersão da pecuária para diversas regiões, nos informando que "essa importância relativa do setor de subsistência na pecuária será um fator fundamental das transformações estruturais por que passará a economia nordestina em sua longa etapa de decadência".
COMENTÁRIO: até o século XVII a expansão da cana de açúcar no Nordeste fez a pecuária se estender sertão adentro. No século XVIII, com a mineração na região Sudeste, a expansão da pecuária se dá mais no Sul do país.
XI. Formação do complexo econômico nordestino
Os dois sistemas da economia nordestina - o açucareiro e a pecuária -, vão entrar em decadência a partir da segunda metade do século XVII.
O modelo de crescimento era sem tecnologia: "o crescimento era de caráter puramente extensivo, mediante a incorporação de terra e mão-de-obra, não implicando modificações estruturais que repercutissem nos custos de produção e portanto na produtividade".
No século XVIII a situação econômica dos produtores piora "em razão do aumento nos preços dos escravos e da emigração da mão-de-obra especializada, determinados pela expansão da produção de ouro".
NORDESTE TEM QUEDA DE RENDA PER CAPITA SECULAR
Autor nos diz que desde o século XVII até começos do século XIX (e podemos dizer até o final dos anos noventa do século XX) "a economia nordestina sofreu um lento processo de atrofiamento, no sentido de que a renda real per capita de sua população declinou secularmente".
Com estagnação da produção açucareira no Nordeste: "Não havendo ocupação adequada na região açucareira para todo o incremento de sua população livre, parte desta era atraída pela fronteira móvel do interior criatório. Dessa forma, quanto menos favoráveis fossem as condições da economia açucareira, maior seria a tendência imigratória para o interior. As possibilidades da pecuária para receber novos contingentes de população - quando existe abundância de terras - são sabidamente grandes, pois a oferta de alimentos é, nesse tipo de economia, muito elástica a curto prazo".
Com as mudanças ocorridas com a redução da produção açucareira e com a produção pecuária sendo basicamente para subsistência, "No Nordeste brasileiro, como as condições de alimentação eram melhores na economia de mais baixa produtividade, isto é, na região pecuária (...) explica-se assim que a população do Nordeste haja continuado a crescer - e possivelmente haja intensificado o seu crescimento - em todo o século e meio de estagnação da produção açucareira a que fizemos referência".
ENFIM: menor produção de açúcar, maior produção criadora e de subsistência, aumento da população nordestina no período.
COMENTÁRIO FINAL
Lá no futuro, no século XXI, um determinado povo da região Sudeste, vai alimentar forte discriminação contra o povo nordestino. É de uma estupidez incrível, porque o povo nordestino mostrou ao longo de séculos que é um povo bravo, resistente e sobrevivente, mesmo em situações de crises econômicas causadas pelas diversas formas de capitalismo predatório das classes dominantes.
Bibliografia:
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. In: Grandes Nomes do Pensamento Brasileiro. Publifolha 2000.
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