sábado, 2 de abril de 2016

Os Miseráveis, os de Victor Hugo e os de hoje





Refeição Cultural

Então, acabei cedendo aos convites insistentes de minha esposa e assisti ao filme musical Os Miseráveis, de 2012, dirigido por Tom Hooper.

Por que começo assim a postagem? Explico.

Como amante da leitura, sempre evitei conhecer através de filmes obras clássicas que não pude ler ainda, porque tenho preferência pela leitura e pelo efeito da leitura: é o seu cérebro que cria todo o cenário, é seu cérebro que vê as personagens. Cada leitor, uma história, apesar do mesmo enredo, começo e fim.

Ao ver um filme, uma interpretação de alguém sobre uma obra, jamais será a mesma coisa ler a obra depois. Imaginem vocês, alguém que viu a adaptação da Rede Globo do clássico de Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas (1956), pegar o livro para ler depois que viu o que a família Marinho fez com o clássico em 1985, ao contar na saída o que Guimarães escondeu até as últimas páginas do grosso volume?

Enfim, acabei cedendo aos apelos em casa e vendo o filme com minha esposa por causa de uma leitura de perspectiva e cenário em minha vida pessoal. 

Completo 47 anos amanhã e venho acumulando livros para ler desde a adolescência. Mas desde a adolescência, como subproletário e depois proletário, tudo que faço é trabalhar cada dia mais, com jornadas de trabalho cada vez piores (maiores) e, se achava que isso iria melhorar com o passar dos anos, com o avançar da idade, me enganei completamente.

Neste momento de minha existência, ainda foi possível estar pior do que o ontem em relação à jornada de trabalho. Eu não tenho tempo de ler meus livros, nunca tive, na minha vida foi só trabalho e militância social e com o avançar da idade, até a saúde muda e os riscos em seguir vivendo vão modificando também.




"Miséria é miséria, em qualquer canto..." (Titãs)

Enfim, assisti ao filme. E fiquei pensando a respeito. Dois séculos de diferença entre o cenário descrito por Victor Hugo na França pós Revolução burguesa e o nosso belo mundo de hoje, 2016. Que merda! Não mudou nada! Vivemos num mundo de miseráveis! Os Jean Valjean, as Fantine, as Cosette, os Javert, os trambiqueiros e sem caráter de um lado e os idealistas do outro, tudo e todos seguem na mesma. 

Os capitalistas e donos de tudo continuam uns miseráveis desgraçados, egoístas, egocêntricos, preconceituosos, pouco se importam com o mundo que estão destruindo e com as vidas humanas que destroem todos os dias.

Os outros miseráveis, as vítimas, continuam alienados politicamente, ingratos com os seus pares que tentam organizá-los para enfrentar os miseráveis exploradores. Os miseráveis vítimas, são manipulados e ficam contra aqueles que dedicam suas vidas lutando para mudar a condição de proletários e miseráveis sem nada. Ficam até contra as suas entidades de classe, como os sindicatos de trabalhadores. É tão insano, que acabam apoiando os sindicatos de seus patrões (Fiesp, Fenaban)!

Alguns miseráveis explorados acumulam um pouco de recursos e bem estar, a partir da venda de suas forças de trabalho (ou até por sorte) e depois passam a defender as posições dos exploradores e algozes contra os seus próprios pares da mesma classe.

Preferem acreditar nos capitalistas, seus intelectuais orgânicos e capitães do mato - pagos a grandes soldos -, e preferem acreditar em suas máquinas de lavagem cerebral (meios de comunicação de massas, P.I.G.), do que acreditar nos seus representantes e em suas entidades representativas como sindicatos, entidades estudantis, organizações de sem-teto e sem terra e até os artistas e intelectuais orgânicos do lado da classe trabalhadora.

Se os meios de comunicação dos donos de tudo levantarem suspeição contra as entidades e representantes do lado dos miseráveis explorados, estes vão até pensar um pouquinho e, mais cedo ou mais tarde, pela insistência da mentira dita mil vezes (olha a técnica nazista aí), vão acabar dizendo: - fora os sindicatos!, - fora os esquerdistas!, - tudo menos esses vermelhinhos corruptos!... (Afinal, segundo os capitalistas e seus meios de comunicação, nós somos um povo fedido, pobre, mal vestido, feio, suado, vagabundos...)

Se há corrupção dos donos do poder e do dinheiro, não tem problema, é quase que um direito natural deles porque eles são chiques, branquinhos, limpinhos, se vestem bem, defendem a família "tradicional" e a religião, são bonitos (o que os tratamentos de beleza não fazem hoje!), comem caviar, usam seda e não saem nos meios de comunicação como suspeitos de nada, então, por lógica da verdade imagética, são honestos.

E tem miseráveis explorados do nosso lado da classe trabalhadora que ainda nos confortam dizendo que nossas instituições de trabalhadores e todos lá são ruins e fazem coisas erradas, ou corruptas, menos a gente... (tolinhos!) Essa postura não resiste ao primeiro dia que os capitalistas inventarem algo contra nós e jogarem a suspeição em seus meios de comunicação para serem martelados mil vezes. Aí já era, viraremos mais do mesmo ("sabia que era tudo a mesma coisa...") 

Francamente, o mundo do cenário d'Os Miseráveis de Victor Hugo não mudou absolutamente nada para o nosso mundo de hoje.

Aos 47 anos, olho o amanhã com o pessimismo da inteligência, não tem outra forma racional de ver toda a miséria que grassa em nosso mundo, mas com o otimismo da postura interior de basear a minha vida na ação diária contra as iniquidades que imperam ao nosso redor. Mesmo com a ingratidão que nos golpeia vez por outra. 

A luta de classes não vai acabar, então temos mais é que lutar, já que temos lado, independente da alienação que há do nosso próprio lado, a alienação dos miseráveis explorados, que, às vezes, nem disso se dão conta.

Seguimos porque temos mandato de representação do nosso lado da classe, a classe dos miseráveis explorados (mesmo que parte não se dê conta disso).

William

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