domingo, 5 de junho de 2016

Nove Estórias - J. D. Salinger (1953)



Edição que li do clássico norte-americano.

Refeição Cultural


NOVE ESTÓRIAS (1953)

CLÁSSICO DA LITERATURA NORTE-AMERICANA

Introdução

Li este livro do clássico escritor norte-americano em janeiro de 2016. Comecei a fazer esta postagem e ela ficou de molho nos rascunhos até hoje, quando decidi reler um dos contos. Reli o último do livro, Teddy, e resolvi finalizar a postagem no blog.


A leitura dos contos deste livro de Salinger me lembrou a leitura de seu famoso romance "O apanhador no campo de centeio", de 1951, e que li em 2012. Leia AQUI a postagem a respeito.

A linguagem direta e oral de seus personagens é uma característica marcante.

Não é um livro e um autor de reflexões profundas entremeadas às histórias e narrativas. Estou muito acostumado com o inverso do estilo dele ao ler Machado de Assis e José Saramago. Nestes, o narrador demiurgo, no estilo indireto livre, está sempre descrevendo o que os personagens pensam ou eles próprios estão a emitir opiniões e filosofias sobre tudo e todos.

Os contos do livro seguem abaixo. Mas não vou comentar todos, só alguns.


- UM DIA IDEAL PARA OS PEIXES-BANANA

Este primeiro conto tem um final chocante! Não esperamos por aquilo, mesmo percebendo pela narrativa que o personagem tem problemas psicológicos.

"Noventa e sete agentes de publicidade de Nova York estavam hospedados no hotel e, do jeito que vinham monopolizando as linhas interurbanas, a moça do 507 teve de esperar do meio-dia até quase às duas e meia para completar sua ligação..."

É interessante!

Eu fico pensando nos jovens dos anos dois mil, a geração que não imagina o que seria o mundo, uma vida humana sem a rede mundial de computadores, com tudo e todos conectados por tempo integral.

Tenho 47 anos e já vivi quatro décadas. Lembro-me perfeitamente do cotidiano do mundo nos anos 70, nos anos 80, nos 90 e este agora em que estamos. As mudanças foram impressionantes.

"monopolizando as linhas interurbanas..."

As cenas da estória se passam entre os estados de Nova York e Flórida. Justamente os dois que conheço.

Como disse, final chocante!


- TIO WIGGILY EM CONNECTICUT

"Eram quase três horas da tarde quando Mary Jane finalmente encontrou a casa de Eloise. Quando Eloise veio até o portão recebê-la, Mary Jane explicou que tudo tinha corrido às mil maravilhas, que lembrara o caminho exatamente, até a hora em que saíra da Estrada Merrick. Eloise corrigiu: - Estrada Merritt, querida - e lembrou-lhe que ela já havia achado a casa em duas visitas anteriores, mas Mary Jane limitou-se a murmurar uma frase meio ambígua, algo sobre sua caixa de Kleenex, e voltou correndo para o conversível..."

O conto se passa em um cenário com frio e neve.

A temática é parecida com a do primeiro conto. Pessoas depressivas, inclusive a criança. Frustração e mortes. As personagens são preconceituosas em relação a pessoas negras e tratam mal empregados e pessoas de outro estrato social em relação ao seus.

Há um jogo de palavras não percebido na tradução da língua inglesa para o português. Os tradutores explicam na página 29. Tio (uncle) Wiggily com (ankle) que significa tornozelo. Uma das personagens, Eloise, fala a respeito lembrando uma cena do passado onde machucou o tornozelo e ouviu de um antigo amor "Coitadinho do Tio Wiggily".


- POUCO ANTES DA GUERRA COM OS ESQUIMÓS

"Nas cinco últimas manhãs de sábado, Ginnie Mannox vinha jogando tênis nas quadras públicas do East Side com Selena Graff, sua colega de turma na escola de Miss Basehoar. Ginnie considerava Selena a maior chata da escola - que, diga-se de passagem, estava cheia de chatas - mas, por outro lado, ela nunca tinha visto ninguém trazer tantas bolas de tênis novas. O pai da Selena fabricava bolas de tênis ou coisa parecida..."

E aí, pelo começo, dá pra entender um pouco a relação utilitarista que existe entre as personagens.

De novo, vemos a tensão na relação entre brancos e negros:

"Selena tocou a campainha do apartamento e as garotas foram recebidas - ou melhor, a porta foi destrancada e deixada entreaberta - por uma empregada de cor, com quem Selena aparentemente não falava..."

Estamos nos anos 40, nos Estados Unidos, e os jovens falam muito palavrão.

Intertextualidade - No conto anterior, houve citação de escritores norte-americanos da época. Neste conto, Salinger cita Hemingway.

Também cita "A Bela e a Fera", filme de Jean Cocteau de 1946.


- O GARGALHADA

"Em 1928, quando eu tinha nove anos, pertenci, com acendrado esprit de corps, a uma associação chamada Clube dos Comanches. Todo dia às três da tarde, depois da escola, eu e outros vinte e quatro Comanches éramos apanhados pelo nosso Cacique em frente à saída dos meninos da Escola Pública 165, na Rua 109, perto da esquina com a Avenida Amsterdam. Aos socos e aos empurrões, entrávamos no ônibus adaptado do Cacique, e ele nos levava (conforme o contrato feito com nossos pais) até o Central Park..."


Crianças e memórias de crianças preenchem os contos deste livro de Salinger. Muito interessante. Vi a mesma coisa ao ler o livro de contos do brasileiro José J. Veiga, Os Cavalinhos de Platiplanto.


- LÁ EMBAIXO, NO BOTE

"Eram pouco mais de quatro horas de uma tarde excepcionalmente quente para um começo de outono. Desde o meio-dia Sandra, a empregada, já tinha ido umas quinze ou vinte vezes até a janela da cozinha que dava para o lago, voltando sempre com os lábios cerrados. Dessa vez, enquanto se afastava da janela, desatou e atou distraidamente o laço do avental, apertando tanto quanto sua vasta cintura permitia..."

É uma estória sobre um garotinho de quatro anos...

Outros contos sem comentários nesta postagem: 

- PARA ESMÉ, COM AMOR E SORDIDEZ

- LINDOS LÁBIOS E VERDES MEUS OLHOS

- A FASE AZUL DE DE DAUMIER-SMITH


- TEDDY

Este conto que reli hoje tem algo interessante para o momento da releitura. A personagem principal é um garoto de dez anos que entende ser uma pessoa desperta com consciência sobre suas outras vidas.

" - Eu tenho uma afinidade muito forte por eles. São meus pais, e nós todos fazemos parte da harmonia uns dos outros, e tudo isso. Eu quero que eles sejam felizes enquanto estão vivos, porque eles gostam de ser felizes... Mas não é assim que eles amam a mim e a Booper, minha irmã. Parecem incapazes de nos amar, a menos que consigam ficar mudando a gente um pouquinho. Eles amam os motivos que têm para nos amar quase tanto quanto amam a nós, e quase sempre mais. Assim não é tão bom."


Presente do amigo
Jacy Afonso. Leitura
coincide com o que a
personagem do conto
explica.
É engraçado, ou casualidade, ou coincidência, ou destino. Nos anos noventa, estudei por uns dois anos numa escola de autoconhecimento que se denominava gnose. Foi um momento posterior ao meu périplo por quase todos os tipos de religião no Brasil. Depois passou.

Dias atrás, um amigo do movimento sindical me deu um livro de presente e disse que eu iria gostar. O amigo é o Jacy Afonso e o livro é do autor Eckhart Tolle. Comecei a ler "Um Novo Mundo", apesar de afirmar que não tenho mais tempo de ler livros. O livro traz o tema do despertar da consciência e tem a mesma linha da escola gnóstica que frequentei duas décadas atrás.

Na estória, o garoto é complacente com as pessoas não despertas ao seu redor e até um pouco conformado com o fato de sua reencarnação ter se dado nos Estados Unidos, local pouco apropriado para completar sua missão de conhecimento na Terra.

" - De qualquer jeito, eu ia ter que tomar outro corpo e voltar à terra de novo. Ou seja, não estava tão avançado espiritualmente que, se não conhecesse essa senhora, pudesse ter morrido e ido direto para Brahma, sem nunca mais ter que voltar à terra. Mas, se eu não houvesse conhecido a tal senhora, não seria obrigado a encarnar-me num corpo americano. É muito difícil meditar e levar uma vida espiritual na América. Todo mundo pensa que você é doido; de certa forma, meu pai pensa que eu sou doido. E minha mãe... Bom, ela não acha que me faça bem pensar em Deus o tempo todo. Acha que faz mal a minha  saúde."

O livro de Eckhart Tolle aborda a questão do Ego e da Essência que temos e do quanto a razão e a inteligência bloqueiam nossa essência.

E não é que o garoto de dez anos, Teddy, de um conto de Salinger publicado em 1953 fala a mesma coisa!

" - Lógico. Você deu uma resposta normal, inteligente. Estava procurando te ajudar. Você me perguntou como é que eu consigo sair das dimensões finitas, quando tenho vontade. É claro que eu não uso lógica quando faço isso. A lógica é a primeira coisa que você tem que abandonar." (diz o garoto Teddy)

E mais adiante, o garoto repete as sugestões do livro que ganhei sobre despertar da nova consciência.

" - Sabe aquela maçã que o Adão comeu no Paraíso, de acordo com a Bíblia? Sabe o que havia naquela maçã? Lógica. Lógica e troços intelectuais..."

(...)

"Teddy continuou: - O problema é que a maioria das pessoas não quer ver as coisas como elas realmente são. Não querem nem parar de nascer e morrer o tempo todo. Todo mundo só quer ter um novo corpo, em vez de parar e ficar com Deus, que é o que é bom mesmo."

Não vou revelar o final do conto, mas é chocante e surpreendente como todos os contos do livro, as Nove Estórias.

É isso. Termino aqui, mas mais que nunca, a questão que fica é onde terminam e se terminam as coisas.

Tenho que retomar com vigor o meu pensar, o meu cismar, porque já estou com 47 anos e o tempo que fica já pode ser maior que o tempo que vem para que eu possa me encontrar e realizar tanto a minha missão pessoal, quanto a missão coletiva.

William


Bibliografia:

SALINGER. J. D. Nove Estórias. Editora do Autor. 3ª Edição.

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