terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Leitura: Mar Morto (1936) - Jorge Amado


Jorge Amado. Acervo Fundação Casa de Jorge Amado.

Refeição Cultural

"Do mar vem a música, vem o amor e vem a morte..." (Mar Morto, Jorge Amado)


Dentre as leituras que escolhi para este mês de janeiro - estou em férias -, além das fáusticas, elenquei alguns autores e contextos relacionados ao Nordeste brasileiro. Já li João Cabral de Melo Neto e li nesta segunda-feira (23) dois livros clássicos de Manuel Bandeira: Libertinagem (1930) e Estrela da Manhã (1936). São livros que marcam mudanças na poética de nosso querido poeta pernambucano.

Eu havia lido o romance Mar Morto, de Jorge Amado, quando era adolescente. Foi um dos períodos mais marcantes de minha vida. O contexto miserável de nosso país nos anos oitenta recheia aquela época de minha primeira leitura.

Reli entre os dias 15 e 21 de janeiro esta obra da primeira fase da carreira de Jorge Amado, fase de forte denúncia social, e novamente fiquei muito tocado por ela. Comecei a leitura olhando para o mar de Porto de Galinhas, em Pernambuco, e fui terminar de lê-la em Brasília.

Na leitura de alguns poemas de Manuel Bandeira, vieram-me à mente as histórias e causos dos marítimos, daqueles que vivem do mar. A obra de Bandeira é contemporânea do romance de Jorge Amado. No livro Estrela da Manhã (1936), temos os poemas "Marinheiro Triste" e "D. Janaína".


"D. JANAINA

D. Janaína
Sereia do mar
D. Janaína
De maiô encarnado
D. Janaína
Vai se banhar.

D. Janaína
Princesa do mar
D. Janaína
Tem muitos amores
É o rei do Congo
É o rei de Aloanda
É o sultão-dos-matos
É S. Salavá!

Saravá saravá
D. Janaína
Rainha do mar!

D. Janaína
Princesa do mar
Dai-me licença
Pra eu também brincar
No vosso reinado."

(Estrela da Manhã, 1936, Manuel Bandeira)

Consegui ler a mesma edição
que li décadas atrás.
Meu primo deu ela pra mim.

DESTINOS IGUAIS (E IMUTÁVEIS)

"E, se numa noite, lhe viessem trazer a notícia de que Guma estava no fundo do mar e o Valente vagava sem rumo, sem leme, sem guia? Só então ela sentia toda a dor de Judith, se sentiu totalmente sua irmã, irmã também de Maria Clara, de todas as mulheres do mar, mulheres de destinos iguais: esperar numa noite de tempestade a notícia da morte de um homem."


DESPEDIDAS SÃO LONGOS ADEUSES

"Quando se despedem das mulheres não dão rápidos beijos, como os homens da terra que vão para os seus negócios. Dão adeuses longos, mãos que acenam, como que ainda chamando."


IEMANJÁ DOS CINCO NOMES - Iemanjá, dona das águas, senhora dos oceanos; Janaína, dos canoeiros; Inaê ou Princesa de Aiocá, dos pretos, seus filhos mais diletos; e Dona Maria, como a tratam as mulheres do cais.

"Lívia pensa com raiva em Iemanjá. Ela é a mãe-d'água, é a dona do mar, e por isso, todos os homens que vivem em cima das ondas a temem e a amam. Ela castiga. Ela nunca se mostra aos homens a não ser quando eles morrem no mar (...) a mãe-d'água é loira e tem cabelos compridos e anda nua debaixo das ondas, vestida somente com os cabelos que a gente vê quando a lua passa sobre o mar."


IEMANJÁ MORA NA BAHIA

"O oceano é muito grande, o mar é uma estrada sem fim, as águas são muito mais que metade do mundo, são três quartas partes, e tudo isso é de Iemanjá. No entanto, ela mora é na pedra do Dique do cais da Bahia ou na sua loca em Monte Serrat. Podia morar nas cidades do Mediterrâneo, nos mares da China, na Califórnia, no mar Egeu, no golfo do México. Antigamente ela morava nas costas da África, que dizem que é perto das terras de Aiocá. Mas veio para a Bahia ver as águas do rio Paraguaçu. E ficou morando no cais, perto do Dique, numa pedra que é sagrada. Lá ela penteia os cabelos (vêm mucamas lindas com pentes de praia e marfim), ela ouve as preces das mulheres marítimas, desencadeia as tempestades, escolhe os homens que há de levar para o passeio infindável no fundo do mar. E é ali que se realiza a sua festa, mais bonita que todas as procissões da Bahia, mais bonita que todas as macumbas, que ela é dos orixás mais poderosos, ela é dos primeiros, daqueles de onde os outros vieram..."


COSMOGONIA BAIANA

"Iemanjá é assim terrível porque ela é mãe e esposa. Aquelas águas nasceram-lhe no dia em que seu filho a possuiu. Não são muitos no cais que sabem da história de Iemanjá e de Orungã, seu filho. Mas Anselmo sabe e também o velho Francisco. No entanto, eles não vivem contando essa história, que ela faz desencadear a cólera de Janaína. Foi o caso que Iemanjá teve de Aganju, deus da terra firme, um filho, Orungã, que foi feito deus dos ares, de tudo que fica entre a terra e o céu. Orungã rodou por estas terras, viveu por esses ares, mas o seu pensamento não saía da imagem da mãe, aquela bela rainha das águas. Ela era mais bonita que todas e os desejos dele eram todos para ela. E um dia, não resistiu e a violentou. Iemanjá fugiu e na fuga seus seios romperam, e assim, surgiram as águas, e também essa Bahia de Todos os Santos. E do seu ventre, fecundado pelo filho, nasceram os orixás mais temidos, aqueles que mandam nos raios, nas tempestades e trovões..."


ANOS 30... NA ESPERANÇA DE UM FUTURO MELHOR

" - Você nunca imaginou esse mar cheio de saveiros limpos, com marítimos bem alimentados, ganhando o que merecem, as esposas com o futuro garantido, os filhos na escola não durante seis meses, mas todo o tempo, depois indo aqueles que têm vocação para as faculdades? Já pensou em postos de salvamento nos rios, na boca da barra? Às vezes eu imagino o cais assim..."

COMENTÁRIO: com políticas públicas e vontade política, vimos isso no início do século 21 e sabemos que é possível melhorar a vida do povo mais pobre e humilde, dependente do Estado.


A ETERNA QUESTÃO DA CULTURA DA RAÇA BRANCA

" - É só você pedir a Rufino.
- Aquele? E quero lá filho de negro! Estou precisando de um filho de gente mais branca do que eu para melhorar a família..."


TRAGÉDIAS COTIDIANAS DO DIA A DIA DO MAR

"Alcançavam a boca da barra. Destroços de três saveiros boiavam. O temporal tentava naufragar os que vinham salvar. Pessoas seguravam-se em pedaços de tábua, nos cacos dos saveiros. E gritavam, choravam, menos Paulo que era mestre de um dos saveiros naufragados e segurava uma criança nos braços. Os tubarões já tinham pegado dois e de um terceiro arrancaram a perna. Mestre Manuel começou a recolher gente no seu saveiro. Outros faziam o mesmo, mas nem sempre era fácil, os saveiros iam e vinham, alguns náufragos se soltavam das tábuas onde se seguravam e não tinham tempo de alcançar o saveiro, desapareciam no fundo da água. Paulo entregou a criança a Manuel. Quando entrou para o saveiro disse:

- Era cinco. Só ficou esse..."


Comentário Final

MAR MORTO? NAVEGAMOS NA POLÍTICA DE INCLUSÃO E NAUFRAGAMOS... E AGORA, JOSÉ?

Nesta quadra da história em que estamos, no pós crash do subprime de 2008, no pós golpe de estado no Brasil, com alguns magnatas e suas corporações que detêm a riqueza da metade da população mundial, "pessoas" jurídicas que desconsideram a existência de países, povos e ecossistemas, na era da pós-verdade, determinada pela capacidade dos detentores de maior poder de imposição/influência de seus desejos sobre a maioria, onde pouco importam as verdades factuais, enfim, que posso esperar para o amanhã dos milhões e bilhões de humanos não incluídos no 1% que brinca com o tabuleiro-mundo?

As ferramentas de manipulação de massas estão com os donos do mundo (1%). Eles não só mantêm a massa pacificamente e bovinamente amestrada, criando pautas que encobrem e desviam a atenção, com pão e circo e consumos de porcarias que afagam desejos epicuristas, como também adestram a massa humana para defender a ideologia da classe dominante (o 1%).

E agora, José?


William


Bibliografia:

AMADO, Jorge. Mar Morto. Círculo do Livro. 

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