segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Discurso da servidão voluntária (La Boétie) - Pensamentos e frases




Refeição Cultural

La Boétie (1530-1563) foi um pensador francês que faleceu jovem, aos 32 anos de idade. Muitos de seus textos e pensamentos são conhecidos e chegaram até nós por intermédio de Montaigne (1533-1592), outro pensador e intelectual francês do século 16.

Reler os ensinamentos de Étienne de La Boétie, um jovem francês do século 16, e reler principalmente em períodos de processos eleitorais para cargos executivos e parlamentares é algo necessário para dar equilíbrio à razão e centralidade ao cérebro humano para todos que ainda insistem em pensar e não se transformaram em autômatos, robôs humanos, plugados em aparelhos celulares que viraram os donos dos corpos humanos que os transportam por aí.

La Boétie afirma que é possível resistir à opressão sem recorrer à violência e que a tirania se destrói por si mesma se os indivíduos se recusarem a obedecer o poder despótico não cedendo a ele com sua própria servidão voluntária. Essa é uma ideia de desobediência civil que pode ser a estratégia adotada pelo povo brasileiro no enfrentamento às ameaças reais que a casa-grande, a elite do atraso, enfim, a extrema-direita vem impondo desde que o golpe de Estado em 2016 acabou com a democracia que havia no país desde a constituinte e a Carta Magna de 1988.

Observação: entendo que onde o texto diz "homem" para o conceito de "seres humanos" podemos entender que se trata de homens e mulheres.

Observação 2: neste momento de minha vida, após tudo que vi e vivi nestas mais de cinco décadas de vida e de estudos da sociedade humana, preciso ler e ouvir teses pacifistas como essa de La Boétie, preciso me esforçar para acreditar em pacifistas como o nosso querido presidente Lula, e tantas pessoas mais que conheço e que pregam o pacifismo. Perdi a crença na solução pacífica das controvérsias... nossos inimigos atuais não compartilham do pacifismo e pregam nossa eliminação física. Quero acreditar no pacifismo, mas não é o que vejo como solução para mudarmos e salvarmos o mundo e o povão que sofre na mão do 1%. 

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FRASES E PENSAMENTOS

Em relação a um só líder ou soberano:

"É difícil acreditar que haja algo público num governo no qual tudo depende de um só"

A referência é a Monarquia, mas ele expande o conceito depois a tiranos em repúblicas. Eu estendo a reflexão para qualquer forma de poder onde um só dita as regras e o restante acata ou obedece, sem a menor crítica ou análise da questão.

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"É incrível ver como o povo, quando é submetido, cai de repente num esquecimento tão profundo de sua liberdade, que não consegue despertar para reconquistá-la. Serve tão bem e de tão bom grado que se diria, ao vê-lo, que não só perdeu a liberdade, mas ganhou a servidão."

Incrível, não? E um pouco mais adiante, La Boétie vai associar essa aptidão à servidão ao maldito do "hábito".

"Mas o hábito, que exerce em todas as coisas um poder irresistível sobre nós, não tem em lugar nenhum força tão grande quanto a de nos ensinar a servir. E como dizem de Mitrídates, que foi se acostumando aos poucos ao veneno, aprendemos a engolir sem achar amargo o veneno da servidão. Não se pode negar que a natureza nos dirige para onde quer, bem-nascidos ou malnascidos, mas é preciso confessar que ela tem menos poder sobre nós que o hábito."

Mais que nunca, é preciso que cada um de nós deixe o hábito da preguiça mental, do receber mastigado algum meme, mentiroso ou não, e sair por aí replicando e reproduzindo aquelas gotas de veneno ou maledicência.

Para ser livre e gozar da liberdade de pensamento e de ações, é necessário não ser um mero servo da manipulação.

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"Chego agora a um ponto que é, a meu ver, a mola mestra e o segredo da dominação, o apoio e o fundamento da tirania. (...) À primeira vista, será difícil acreditar, embora seja a pura verdade: são sempre quatro ou cinco que mantêm o tirano, quatro ou cinco que conservam o país inteiro em servidão."

Se lembrarmos que a obra e o autor são de mais ou menos 1550, século 16, e o tamanho da população da época, estamos falando hoje naquele menos de 1% que detém o poder sobre todos os meios - os de produção e os de comunicação. No Brasil, poucas famílias bilionárias detêm a metade da riqueza nacional e alguns milhares de pessoas privilegiadas têm uma renda que os isolam do restante dos 215 milhões de pessoas com pouco ou quase nada.

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SOBRE COVARDIA

"E quando vemos, não cem, não mil homens, mas cem países, mil cidades, um milhão de homens se absterem de atacar aquele que trata a todos como servos e escravos, que nome poderemos dar a isso? Será covardia?"

e

"Para conseguir o bem que deseja, o homem ousado não teme nenhum perigo, o homem prudente não regateia nenhum esforço. Só os covardes e os preguiçosos não sabem suportar o mal nem recuperar o bem. Limitam-se a desejá-lo e a energia de sua pretensão lhes é tirada por sua própria covardia."

Avalio que esses conceitos valem para todos nós. Como foi que permitimos que os canalhas que se apoderaram de todos os aparelhos de poder estatal brasileiro após o golpe de 2016 acabassem com canetadas diárias com conquistas históricas de todo o povo trabalhador de forma tão rápida e tão intensa em pouquíssimo tempo? Se o risco de extinção da vida é tão grande ao não ter emprego, direitos sociais, atendimento e socorro na falta de saúde etc, como não nos arriscamos a enfrentar tão poucos ladrões de nossa vida como esses canalhas que nos roubam tudo desde abril de 2016? Avalio, pessoalmente, que tem um quê de covardia nisso...

Estou sendo duro na avaliação, sei disso, porque tenho conhecimento de que a falta de organização e estratégia pelo lado da classe trabalhadora pesou nessa falta de reação à destruição de nossos direitos, mas acredito realmente que a covardia foi um componente que pesou para tudo isso também.

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NOSSOS ALGOZES NOS DOMINAM POR NOSSA CONIVÊNCIA

"Entretanto, aquele que vos oprime tem só dois olhos, duas mãos, um corpo, nem mais nem menos que o mais simples dos habitantes do número infinito de vossas cidades. O que ele tem a mais são os meios que lhe destes para destruir-vos."

La Boétie nos esclarece o tempo todo sobre nossa servidão voluntária, nossa permanência no hábito de servir quem nos oprime, abrindo mão de lutar por nossa liberdade.

"De onde tira tantos olhos que vos espiam, se não os colocais à disposição dele? Como tem tantas mãos para vos bater, se não as empresta de vós? Os pés com que pisoteia vossas cidades não são também os vossos? Tem algum poder sobre vós que não seja de vós mesmos? Como se atreveria a atacar-vos, se não tivesse vossa conivência? Que mal poderia fazer-vos, se não fôsseis os receptadores do ladrão que vos pilha, os cúmplices do assassino que vos mata e os traidores de vós mesmos?"

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São tantos os pensamentos e ideias que La Boétie concentra nesse pequeno texto sobre a servidão voluntária que vale a pena as pessoas terem o texto em mãos e lerem trechos aleatoriamente sempre que se pegarem numa condição desconfortável de falta de liberdade e de opressão imensa por parte de alguém ou algo.

É isso!

William


Bibliografia:

LA BOÉTIE, Étienne de. Discurso da servidão voluntária. Coleção a obra-prima de cada autor. Tradução: Casemiro Linarth. Editora Martin Claret. São Paulo, 2009.


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