quinta-feira, 20 de junho de 2019

Marx explica o dinheiro em 'O Capital'





Refeição Cultural

Confesso que sempre que abro o livro O Capital e começo a leitura neste momento da minha vida, da história do Brasil e da história do mundo, fico me perguntando qual o sentido disso, sendo que os livros clássicos da literatura mundial continuam me esperando, e o meu tempo de existência vai passando sem que eu leia mais alguns clássicos que marcaram a história das artes literárias.

Eu não sei ao certo por que não aproveito cada minuto que ainda tenho e foco em ler o que desejo há décadas. Talvez esteja comprometido para sempre com o engajamento político que tive nas últimas duas décadas com o movimento sindical, social e político nas lutas por um mundo mais justo e solidário, e isso me force a estar sempre engajado em algo, nem que seja leituras políticas que nos façam compreender por que as coisas são como são, por que deu tudo errado no Brasil, por que o povo decidiu pelo suicídio coletivo ao escolher degenerados e lesas-pátrias para governar o país após tantos avanços com os governos democráticos e progressistas do Partido dos Trabalhadores.

Eu tenho consciência que estou perdido, que estou sem rumo, que as coisas perderam o sentido para mim. O pior é ter perdido a esperança em ver o povo deixar de ser besta, alienado e tomar consciência de seu lugar e seu papel numa eventual mudança de rumo para o país, que neste momento se desfaz, enquanto o povo miserável e a ficar mais miserável ainda continua com a cara nas telas das redes sociais rolando as memes imbecilizantes tela acima, curtindo e replicando elas quando dizem o que cada um sente e pensa, independente da meme ser verdade ou não. Os humanos se perderam. O homo sapiens sapiens será extinto.

Enfim, feito o desabafo, vamos às explicações de Karl Marx sobre o dinheiro, pois são bem interessantes. Lembro aos leitores que procuro citar as falas dele mesmo, e emitir pouca opinião, ao molde de fichamento de leitura.


III. O DINHEIRO OU A CIRCULAÇÃO DAS MERCADORIAS (P. 119)

1. MEDIDA DE VALORES

Marx começa o capítulo combinando com o leitor que usará o ouro como mercadoria dinheiro para simplificar as explicações.

O ouro exercerá a função de medida universal dos valores e só por meio desta função, a mercadoria equivalente específica, se torna dinheiro.

Abaixo, citamos uma síntese básica do que isso significa, lembrando a questão central de que as mercadorias trazem em si o valor do trabalho humano.

"Não é através do dinheiro que as mercadorias se tornam comensuráveis. Ao contrário. Sendo as mercadorias, como valores, encarnação de trabalho humano e, por isso, entre si comensuráveis, podem elas, em comum, medir seus valores por intermédio da mesma mercadoria específica, transformando esta em sua medida universal do valor, ou seja, em dinheiro. O dinheiro, como medida do valor, é a forma necessária de manifestar-se a medida imanente do valor das mercadorias, o tempo de trabalho."

Depois Marx nos explica que "como forma do valor, o preço ou a forma dinheiro das mercadorias se distingue da sua forma corpórea, real e tangível. O preço é uma forma puramente ideal ou mental...".

No fundo, o trabalho humano está sempre presente no valor das mercadorias.

"O valor, ou seja, a quantidade de trabalho humano contida, por exemplo, numa tonelada de ferro, é expresso numa quantidade imaginária da mercadoria ouro, que encerra quantidade igual de trabalho."

DUAS FUNÇÕES DO DINHEIRO, SEGUNDO MARX

"Medida dos valores e estalão dos preços são duas funções inteiramente diversas desempenhadas pelo dinheiro. É medida dos valores por ser a encarnação social do trabalho humano; é estalão dos preços, por ser um peso fixo de metal. Como medida de valor, serve para converter os valores das diferentes mercadorias em preços, em quantidades imaginárias de ouro; como estalão dos preços, mede essas quantidades de ouro. A medida dos valores mensura as mercadorias como valores; o estalão dos preços, ao contrário, mede as quantidades de ouro segundo uma quantidade fixa de ouro, não o valor de uma quantidade de ouro segundo o peso de outra."

Estalão quer dizer padrão, medida (standard of value). Medida dos valores é measure of value.

Marx explica que uma variação no valor do ouro não traz nenhum prejuízo à sua função de estalão dos preços: "Por mais que varie o valor do ouro, quantidades determinadas de ouro mantêm entre si a mesma proporção de valor".

Uma onça de ouro terá sempre o mesmo peso, independente do valor do ouro. O mesmo ocorre como medida de valor das mercadorias, se sobe ou desce o valor do ouro, o efeito será sobre todas as mercadorias.

O filósofo segue explicando no capítulo os usos históricos da mercadoria dinheiro citando casos desde a antiga Roma até chegar ao padrão ouro.

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NOMES MONETÁRIOS - "Os preços, ou as quantidades de ouro em que se transformam, idealmente, os valores das mercadorias, são agora expressos nos nomes de moedas, ou seja, nos nomes legalmente válidos do padrão ouro. Em vez de dizer que uma quarta de trigo é igual a uma onça de ouro, diremos, na Inglaterra, que é igual a 3 libras esterlinas, 17 xelins e 10 e 1/2 pence. Assim, as mercadorias expressam com nomes monetários, o que valem, e o dinheiro serve de dinheiro de conta quando é mister fixar o valor de uma coisa em sua forma dinheiro."
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Marx vai finalizando essa parte do capítulo deixando claro que não adianta os governos quererem aumentar a riqueza de seus estados com artimanhas contábeis dizendo que seus capitais, suas moedas, valem mais do que valem.

"O nome de uma coisa é extrínseco às suas propriedades. Nada sei de um homem por saber apenas que se chama Jacó. Do mesmo modo, todo vestígio de relação de valor desaparece dos nomes das moedas libra, táler, franco, ducado etc. A confusão que decorre do sentido misterioso atribuído a esses símbolos cabalísticos torna-se maior por expressarem os nomes das moedas valor e, ao mesmo tempo, partes alíquotas de um peso de metal, de acordo com o padrão monetário..."

Nas notas explicativas, Marx ainda cita um autor do século XVII, Petty, ao fazer ironia sobre governos que querem enganar credores e o povo alterando artificialmente o valor de suas moedas: "Se a riqueza de uma nação pudesse ser decuplicada por ato governamental, seria de estranhar que os nossos governos não tivessem, há muito tempo, decretado atos com esse objetivo".

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Lembre-se: "O preço é a designação monetária do trabalho corporificado na mercadoria".
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PREÇO

Marx faz uma longa explicação sobre a questão do preço nas mercadorias.

"Se o preço, ao revelar a magnitude do valor da mercadoria, revela a relação de troca da mercadoria com o dinheiro, não decorre daí necessariamente a recíproca de que o preço, ao revelar a relação de troca da mercadoria com o dinheiro, revele a magnitude do valor da mercadoria"

Isso porque, por exemplo, "Trabalho socialmente necessário de igual grandeza cristaliza-se em 1 quarta de trigo e em 2 libras esterlinas (cerca de meia onça de ouro). As duas libras esterlinas são a expressão monetária da magnitude de valor de 1 quarta de trigo, ou seu preço. Admitamos que as circunstâncias elevem sua cotação a 3 libras esterlinas, ou compilam-na a cair a 1 libra; então, 1 libra esterlina é uma expressão demasiadamente baixa da magnitude do valor do trigo, e 3 libras, uma expressão alta demais, mas, apesar disso, são os preços do trigo, pois, primeiro, são sua forma de valor e, segundo, indicam sua relação de troca com o dinheiro. Não se alterando as condições de produção, em outras palavras, não se modificando a força produtiva do trabalho, deve-se continuar despendendo para a reprodução de uma quarta de trigo o mesmo tempo de trabalho social. Esta circunstância não depende da vontade do produtor do trigo, nem da dos outros donos de mercadorias. A magnitude do valor da mercadoria expressa uma relação necessária entre ela e o tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-la, relação que é imanente ao processo de produção de mercadorias..."

Essa parte é importante para a compreensão do que Marx explica sobre a relação preço e valor das mercadorias. Por isso, é necessário citar o trecho todo. Segue:

"Com a transformação da magnitude do valor em preço, manifesta-se essa relação necessária através da relação de troca de uma mercadoria com a mercadoria dinheiro, de existência extrínseca à mercadoria com que se permuta. Nessa relação, pode o preço expressar tanto a magnitude do valor da mercadoria quanto essa magnitude deformada para mais ou para menos, de acordo com as circunstâncias. A possibilidade de divergência quantitativa entre preço e magnitude de valor, ou do afastamento do preço da magnitude de valor é, assim, inerente à própria forma preço. Isto não constitui um defeito dela, mas torna-a a forma adequada a um modo de produção em que a regra só se pode impor através de média que se realiza, irresistivelmente, através da irregularidade aparente."

HONRA E CONSCIÊNCIA TÊM PREÇO?

No fim, Marx fala até de coisas que, no modo de produção capitalista, podem receber preço, mesmo não tendo valor quantificável, como honra, consciência etc.

A questão vem bem a calhar para o momento em que vivemos.

É isso! Abraços aos leitores e leitoras.

William

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Post Scriptum: postagens anteriores sobre 'O Capital' estão aqui em ordem da mais recente para as mais antigas.

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