Este blog é para reflexões literárias, filosóficas e do mundo do saber. É também para postar minhas aulas da USP. Quero partilhar tudo que aprendi com os mestres de meu curso de letras.
domingo, 22 de setembro de 2019
Leitura: Nunca mais... e Poema dos poemas (1923) - Cecília Meireles
Refeição Cultural
Em tempos tão sombrios, nada como ler poesia para nos lembrarmos que somos humanos, e que os humanos devem ser algo mais que animais mamíferos, dóceis ou feras, bestas-feras como querem nos fazer os fascistas de nossa época. Não, não podemos ser apenas as bestas, as bestas-feras!
Estou como quase todos os animais humanos, no limiar de desistir de minha humanidade, mas tenho que perseverar e não só em bestialidades pensar. Entre assassinatos de crianças a mando de governantes, assassinatos de florestas a mando de dementes no poder, busco alguma forma de manter minha sanidade e humanidade. A literatura e a poesia: um escape; pois ser humano é arte.
Há duas semana, li o primeiro livro da poetisa Cecília Meireles, Espectros (1919) - ver postagem aqui. Ao ler no domingo passado a primeira parte do segundo livro dela, lançado em 1923, e hoje completar a leitura com a segunda parte, compreendi perfeitamente o que o professor Ariovaldo nos diz nas aulas de Teoria Literária II, que um poema dialoga com os demais poemas do livro de poesia, e que também um livro de poesia dialoga com os outros livros de poesia daquele autor ou autora.
O livro Nunca mais... e Poema dos Poemas (1923) contém 21 poemas na primeira parte e mais 21 poemas na segunda parte, esta segunda dividida em 3 partes de 7 poemas. Veja abaixo o poema que abre o livro:
"À hora em que os cisnes cantam...
Nem palavras de adeus, nem gestos de abandono.
Nenhuma explicação. Silêncio. Morte. Ausência.
O ópio do luar banhando os meus olhos de sono...
Benevolência. Inconsequência. Inexistência.
Paz dos que não têm fé, nem carinho, nem dono...
Todo o perdão divino e a divina clemência!
Oiro que cai dos céus pelos frios do outono...
Esmola que faz bem... - nem gestos, nem violência...
Nem palavras. Nem choro. A mudez. Pensativas
abstrações. Vão temor de saber. Lento, lento
volver de olhos, em torno, augurais e espectrais...
Todas as negações. Todas as negativas.
Ódio? Amor? Ele? Tu? Sim? Não? Risos? Lamento?
- Nenhum mais. Ninguém mais. Nada mais. Nunca
[mais..."
A segunda parte do livro, Poema dos poemas, é muito legal. Começamos a leitura apreciando poemas que falam e clamam a um Eleito, momentos que oscilam entre Fascinação, Ansiedade, Esperança, Dúvida, depois Tristeza, Desengano, Lágrimas, Solidão, Saudade, Dor, Renúncia, Humildade e ao final a surpresa encantadora do descobrimento da Sabedoria.
Ao mergulhar na leitura e na literatura como tenho feito em tempos tão sombrios de destruição do nosso país, do nosso mundo, de nossa sociabilidade e das características que nos diferenciaram dos demais animais e bestas-feras ao longo do caminhar da humanidade, penso estar alimentando o que pode haver de melhor em nós, nosso cérebro e nossa capacidade para o belo, para a solidariedade, para o amor, para o coletivo no viver.
Leiam poesia. É uma experiência diferente! O cérebro da gente sai modificado em cada leitura desafiadora que lhe apresentamos.
William
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