quinta-feira, 2 de abril de 2020

020420 (d.C.) - Diário e reflexões





"Não aprendi a me render
Que caia o inimigo então
Tudo passa, tudo passará



E nossa história não estará pelo avesso
Assim, sem final feliz

Teremos coisas bonitas para contar

E até lá, vamos viver
Temos muito ainda por fazer
Não olhe para trás
Apenas começamos
O mundo começa agora
Apenas começamos" 


(Metal contra as nuvens, Legião Urbana. Epígrafe em Post Scriptum)


Acordei por volta de 8h30 desta manhã de quinta-feira. Como de costume, peguei o celular no criado mudo e passei a primeira meia hora do dia vendo notícias e amenidades. O mundo enfrenta uma pandemia. No Brasil, a contabilidade oficial de pessoas que contraíram até ontem o novo coronavírus (Covid-19) aponta 6,9 mil pessoas e 245 vítimas fatais. Os números reais são muito maiores porque as autoridades competentes afirmam que a subnotificação é enorme. Países como Itália, Espanha e agora Estados Unidos estão contabilizando quase mil mortos por dia. Essa é a tal "gripezinha" que alguns néscios afirmam não ser motivo para se fazer quarentena.

Estamos obedecendo à quarentena recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelas principais instituições do mundo civilizado por ser a melhor forma de adiar o contágio do vírus e com isso evitar o colapso dos sistemas de saúde existentes em cada localidade porque uma porcentagem das vítimas precisa de internação e auxílio de aparelhos respiratórios por duas a três semanas para tentarem reagir aos efeitos do Covid-19. O mundo parou. Especialistas dizem que nada será como antes.

Como uma pessoa que adora literatura e conhecimentos gerais ligados à cultura eu deveria estar lendo muito neste período de quarentena e isolamento social. No entanto, não estou com a cabeça boa para o deleite da leitura literária. Minha vida de dedicação à luta de classes e de representação dos trabalhadores por quase duas décadas dificulta muito a capacidade que temos que ter de abstrair do cenário dramático em que se encontram meus irmãos, o povo trabalhador, os pobres, as pessoas humildes que são a ampla maioria da população desta terra de exploração chamada Brasil. A sensação de impotência bloqueia parte essencial de nossa capacidade intelectiva e de sentir prazer.

Faço parte de uma comunidade de pessoas com uma história importante no país: a comunidade de funcionários da ativa e aposentados do Banco do Brasil, o maior banco público do país e que tem mais de dois séculos de serviços prestados ao povo brasileiro. Fazemos parte da parcela pequena da sociedade brasileira que consegue sobreviver durante a pandemia porque temos casa para morar, um rendimento mensal regular por termos sido assalariados a vida toda e com essas condições básicas da cidadania diria que estamos em condição privilegiada ao olharmos ao nosso redor num dos países de pior distribuição de renda do planeta e ainda sob golpe de Estado que destruiu o Brasil e os direitos básicos de dezenas de milhões de pessoas. 

Me sinto incomodado ao saber que meus colegas da ativa estão trabalhando e estão expostos a condições terríveis de trabalho. Fui sindicalista e uma das características que marcaram minha vida de representação foi o fato de sempre ter estado junto a eles na base. Por 16 anos tive mandatos eletivos e por 16 anos estive ao lado dos bancários do Banco do Brasil de todas as formas, sobretudo presencial. As coisas mudaram muito no país em pouquíssimo tempo após o golpe de 2016. Canalhas se apossaram do Estado nos 3 poderes e acabaram com direitos trabalhistas, com direitos em saúde, acabaram os sistemas de proteção do cidadão; até a esperança de meus pares da classe trabalhadora feneceu. E isso me traz muita tristeza e sensação de impotência.

Enfim, não quero me alongar muito nestas reflexões que venho fazendo durante a quarentena e as pandemias que enfrentamos, a do novo coronavírus que mudou o mundo para sempre e a pandemia da ignorância, fanatismo e do ódio a tudo, representada pelo bolsonarismo. O fato é que fazer politicagem com a pandemia como estão fazendo os néscios do novo regime e seus apoiadores, indo contra as necessidades de isolamento social e quarentena, fará com que eles tenham em suas mãos o sangue das vítimas fatais que poderiam estar vivas entre seus entes queridos. E o cenário para os mais pobres será dantesco, com cenas de mortandade inesquecíveis.

Como um guerreiro que esteve ao lado do povo pobre e trabalhador a vida toda, reconheço minha impotência no contexto do momento, mas também busco em meu coração, em meu cérebro e no sangue que corre em minhas veias e artérias a energia que me fez caminhar com uma garra e gana incansáveis ao defender meus pares e as nossas instituições e direitos. Conclamo que busquemos e encontremos a energia necessária que sempre moveu as pessoas da esquerda em busca de um mundo melhor, mais plural e coletivo, com mais amor e solidariedade, com mais justiça para todos.

Minha solidariedade a todas as pessoas que estão trabalhando e se expondo ao risco de morte, aos colegas bancários que representei por tanto tempo, aos trabalhadores dos serviços essenciais para os milhões de pessoas que dependem do apoio do Estado para exercer os seus direitos humanos. Não seríamos nada sem vocês.

Viver! Sobreviver às duas pandemias! Recomeçar e reconstruir um mundo melhor para as pessoas!

William

Post Scriptum: na tentativa de sobreviver para ver o mundo renascer após as pandemias, estou me cuidando como posso. É o mínimo que posso fazer pelos meus entes queridos e pela luta da classe trabalhadora. Não contrair e não espalhar o vírus é um dever de cada um de nós. Devemos também contribuir como pudermos com aqueles que estão precisando e com aqueles que estão nas linhas de frente pela manutenção do cotidiano da sociedade sob crise.

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