sábado, 24 de outubro de 2020

Tempo (IV)



Refeição Cultural

Muito interessante a leitura do capítulo 3 do livro O tempo na narrativa, de Benedito Nunes. O educador nos fornece novos conceitos após nos explicar sobre o tempo da história e o tempo do discurso.

Em linhas gerais, a obra literária épica ou narrativa possui 3 planos: "o da história, do ponto de vista do conteúdo, o do discurso, do ponto de vista da forma de expressão, e o da narração, do ponto de vista do ato de narrar." (NUNES, 1995, p. 27)

O tempo da história é o do imaginário, ele é pluridimensional, diferente do tempo do discurso, que é em geral linear.

É comum nos textos literários uma anacronia nos tempos, uma discordância entre o tempo do discurso e o tempo da história. É possível narrar um longo acontecimento da história dentro do romance de forma rápida e o contrário também, contar um acontecimento rápido de forma mais longa no discurso, no texto escrito ou narrado verbalmente.

"AS VARIAÇÕES NO TEMPO - O tempo da narrativa, explicitado pela teoria da literatura, é, ao lado do ponto de vista o foco, do modo de apresentação e da voz, uma das categorias do discurso." (p. 30)

ORDEM - Os acontecimentos no romance podem ser narrados de diversas formas, pelo início mesmo, pelo fim ou pelo meio da ação, chamado de in media res.

As formas de composição da narrativa são variadas e muito interessantes. Os retrospectos (analepse) e as prospecções (prolepse) são muito utilizados.

"Assim, a narrativa pode desenvolver-se na ordem inversa à cronológica, deixando em aberto sequências posteriormente completadas num movimento para trás..." (p. 32)

Olha que interessante o começo do Cem anos de solidão, de García Márquez, no qual Benedito Nunes denomina a composição como "antecipação de um retrospecto (prolepse analéptica)":

"Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía haveria de recordar aquela tarde remota em que seu pai levou-o a conhecer o gelo." (p. 32)

DURAÇÃO - O texto nos explica a questão das variações de duração, entre o tempo dos acontecimentos na história narrada e o tempo despendido para narrar os acontecimentos. Nunes cita A montanha mágica, de Thomas Mann para nos dar exemplos. Esse clássico felizmente eu li.

"Em suma, a história que leva um tempo imaginário breve, cronologicamente delimitado, pode desenvolver-se num discurso longo, em desproporção com aquela, e ainda assim parecer de curta duração. No entanto, para compreendermos essa aparência, bem como o seu inverso, a longa duração de uma história, cronologicamente dilatada dentro de um discurso reduzido, teremos que abandonar o referencial quantitativo da extensão ou do comprimento (longo/curto) pelo qualitativo de andamento, que importa em diferença de velocidade (vagaroso ou lento/célere ou rápido)." (p. 33)

E cita Mann:

"Sabe-o o próprio narrador de A montanha mágica ao dizer-nos que o tempo do conteúdo da história pode ultrapassar enormemente o da duração da narrativa, por uma espécie de exageração, semelhante ao processo mórbido, familiar aos tomadores de ópio, da passagem célere, em poucos minutos, de algumas dezenas de anos, e que é um 'feitiço hermético' da arte de narrar." (p. 33)

FIGURAS DE DURAÇÃO - Aqui Nunes nos lembra das ferramentas muito comuns nos romances: o sumário, a cena, o alongamento, a pausa e a elipse.

O sumário, comum nos romances românticos ou realistas, "abrevia os acontecimentos num tempo menor do que o de sua suposta duração na história, imprimindo (...) rapidez à narrativa.

O alongamento tem efeito oposto ao do sumário, o tempo do discurso dura mais do que o da história. Entre eles está a figura da cena. "Um movimento requer paragens e interrupções, assim como a narrativa, pausas e elipses. O tempo da história pára e o do discurso prossegue, na pausa que corresponde à descrição, um quadro estático salientando o espaço na ficção realista-naturalista. Equivalente ao corte na linguagem cinematográfica, a elipse é um curto-circuito: anula o tempo do discurso enquanto prossegue o da história." (p. 35)

FIGURAS RETÓRICAS - "Pode-se ver, então que o sumário, o alongamento, a cena, a pausa e a elipse são figuras retóricas avalizadoras do estatuto fictício do texto..." (p. 35)

FREQUÊNCIA - "noção distinta das de ordem e duração, certamente não fica à parte desse sistema, porquanto se relaciona com a repetição, um dos dados preliminares da experiência comum do tempo..." (p. 36)

A frequência é a capacidade do discurso de "reproduzir" os acontecimentos recorrentes. O verbo no imperfeito permite isso: 

"O imperfeito marca o prolongamento de um estado, como escreveu Proust a propósito da diferença dos modos de representar as ações e as coisas, que resultam da transição sutil, característica do subjetivismo de Flaubert em A educação sentimental, no emprego desse tempo em contraste com o presente do indicativo, o particípio presente e o pretérito perfeito. Esse último é o tempo canônico da narração, que singulariza as ocorrências." (p. 37)

Fim do capítulo...

William


Bibliografia:

NUNES, Benedito. O tempo na narrativa. Série Fundamentos. Editora Ática, São Paulo, 1995.


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