terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Leitura: Poemas 1913-1956 - Bertolt Brecht


Refeição Cultural

"A MINHA MÃE

Quando ela acabou, foi colocada na terra
Flores nascem, borboletas esvoejam por cima...
Leve, ela não fez pressão sobre a terra
Quanta dor foi preciso para que ficasse tão leve!
"

(BRECHT, 2012, p. 21)


Completei a leitura do livro Poemas 1913-1956 de Bertolt Brecht. A edição é da Editora 34; a seleção e tradução é de Paulo César de Souza. São 260 poemas abrangendo diversas fases da vida do escritor, dramaturgo e poeta alemão.

São poemas engajados, politizados e com fortes críticas à alienação, à religião e à falta de reação da classe trabalhadora e de suas lideranças em relação à exploração humilhante e assassina por parte dos burgueses e capitalistas. Os poemas são muito pertinentes para os tempos que vivemos, de necrocapitalismo, neoliberalismo, e ampliação da exploração das massas humanas no século 21.

1913-1926

Difícil citar só alguns poemas. A seleção já fala por si, afinal de contas é uma "seleção" organizada por Paulo César de Souza. Mesmo assim, cito alguns poemas ou alguns versos para se ter uma ideia da poética de Brecht.

O poema "Ó FALLADAH, AÍ ESTÁS PENDURADO!" tem como Eu lírico um cavalo de carroça, que após uma vida de fome, exploração e miséria cai na sarjeta, esgotado, e é cortado e comido ainda vivo pelo povo faminto, o mesmo povo que lhe dava comida quando parava por ali. A imagem é impressionante.

"Mal acabara de cair, no chão o pescoço
(O cocheiro criou asas)
Já saíam correndo das casas
Pessoas famintas; um pedaço de carne queriam obter
Com facas arrancaram-me a carne do osso
E eu que ainda vivia, não havia terminado de morrer
"

(p. 14)

Alguns poemas são bem ácidos em relação às personagens da religião cristã. O poema "MARIA" é um exemplo. Outro é o "HINO A DEUS", veja a primeira estrofe:

"No fundo dos vales escuros morrem os famintos.
Mas você lhes mostra o pão e os deixa morrer.
Mas você reina eterno e invisível
Radiante e cruel, sobre o plano infinito.
"

(p. 13)

Poemas do Manual de devoção de Bertolt Brecht

Dessa parte da seleção de poemas, um dos que são mais chocantes, na minha opinião, porque são poemas que nos incomodam, é o poema "DA COMPLACÊNCIA DA NATUREZA". Vejam uma estrofe:

"E à noite o gemido fundo e lascivo da mulher
Cobre o choro da criança no canto do quarto.
E na mão que bateu no menino cai carinhosa
A maçã da árvore mais exuberante de um ano farto.
"

(p. 44)

1926-1933

Nesta fase, os poemas são críticas agudas à ascensão do fascismo na Alemanha e na Europa. Os poemas têm como pano de fundo a miséria da crise econômica mundial.

"QUEM SE DEFENDE

Quem se defende porque lhe tiram o ar
Ao lhe apertar a garganta, para este há um parágrafo
Que diz: ele agiu em legítima defesa. Mas
O mesmo parágrafo silencia
Quando vocês se defendem porque lhes tiram o pão.
E no entanto morre quem não come, e quem
              [não come o suficiente
Morre lentamente. Durante os anos
              [todos em que morre
Não lhe é permitido se defender.
"

(p. 73)

O poema "SOBRE A MANEIRA DE CONSTRUIR OBRAS DURADOURAS" nos coloca a pensar sobre a questão do tempo, da necessidade de lidar com os tempos duríssimos que estamos enfrentando no Brasil. Não devemos nos acomodar, mas temos que ter paciência porque as coisas talvez demorem muito para mudar e temos que resistir. 

No entanto, outro poema de Brecht, do mesmo período, nos relembra daquele conceito de Paulo Freire, que esperança não é esperar, é esperançar, é uma atitude ativa, de fazer, de organizar, de criar o futuro desejado.

"OS ESPERANÇOSOS

Pelo que esperam?
Que os surdos se deixem convencer
E que os insaciáveis
Lhes devolvam algo?
Os lobos os alimentarão, em vez de devorá-los!
Por amizade
Os tigres convidarão
A lhes arrancarem os dentes!
É por isso que esperam!
"

(p. 102)

Há muitos outros poemas que refletem os tempos que correm, de guerras, de perseguições, de ódio e violência, de incertezas no amanhã.

Esse período até 1933, tem muitos poemas marcantes. O livro fecha o período com "ELOGIO DO APRENDIZADO", "ELOGIO DO PARTIDO" e "MAS QUEM É O PARTIDO", seguidos pelo poema "ALEMANHA".

A questão da importância do coletivo é muito forte. Também a importância do estudo, sobre aprender sempre.

Vou terminar a postagem porque ela ficaria enorme se eu fosse perpassar período por período da seleção de poemas de Brecht. São 260 poemas e devem ser relidos com prazer.

Os outros períodos são: "1933-1938", "Dos Poemas de Svendborg", "1938-1941", "1941-1947" e "1947-1956". Ao fazer a postagem, acabei relendo a primeira parte que havia lido em 2018, foram mais 100 páginas de leituras.

Vale a pena conhecer e ler Bertolt Brecht.

Seguimos esperançosos na vida e no remédio que o tempo nos proporciona. Uma hora esse período de ascensão e predomínio do mal aqui no Brasil vai passar, esses genocidas e gente bandida e desprezível serão retirados das posições de poder e outros tempos virão. 

A pandemia de Covid-19 vai passar, demore ou não a vacina. E se tivermos as condições básicas para ficarmos em casa e evitar aglomerações, devemos seguir as recomendações de distanciamento social, uso de máscaras, higienização etc. 

E como diz o poema "PASSAGEM DA NOITE", de Drummond: 

"Saber que ainda há florestas,
sinos, palavras; que a terra
prossegue seu giro, e o tempo
não murchou; não nos diluímos.
Chupar o gosto do dia!
Clara manhã, obrigado,
o essencial é viver!
"


William


Bibliografia:

BRECHT, Bertolt. Poemas 1913-1956. Seleção e tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Editora 34, 2012 (7ª Edição).


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