sábado, 23 de janeiro de 2021

Tempo (XXI)



Refeição Cultural

"Portanto, anunciar o futuro somente tem sentido se ele não é determinado, isto é, se é imprevisível. Nesse caso, a 'previsão' se torna uma atividade de caráter mágico, que se destina a produzir o futuro desejado. É entre esses dois extremos contraditórios que a atividade de previsão se move há séculos: ler sem nenhum proveito um futuro inevitável, ou prever um futuro que não existe e ainda deve ser inventado. Tanto num caso como noutro, predizer é uma ilusão." (MINOIS, p. 02)


Sábado, Osasco, Brasil. Tempos de crises. Bolsonarismo. Pandemia mundial de Covid-19. O presente é esse. O futuro? 

Não posso dizer que estou na mesma que antes em relação a buscar um sentido na vida, em relação ao que acredito ou não acredito, em relação a dar um sentido à vida neste tempo que me resta de existência, que pode ser de segundos ou de décadas.

Fui crente em tudo quanto foi crença inventada pela mente humana ao longo de décadas de vida. A começar pela base de formação cultural do homem ocidental ao longo de séculos, a crença no cristianismo, em Deus, na igreja católica apostólica romana. E a partir daí, ao espiritismo, ao candomblé. Em vida depois da morte, em espírito, anjos, demônios, seres extraterrestres, mundos paralelos e por aí afora.

O que sou é fruto do que já fui, não tem jeito. Antonio Candido nos fala sobre isso, é um conceito muito bonito e tolerante, que nos dá algum conforto, mesmo quando sabemos que tivemos um passado cheio de momentos ruins e difíceis, quando fizemos coisas que não faríamos no presente.

"O que somos é feito do que fomos, de modo que convém aceitar com serenidade o peso negativo das etapas vencidas." (CANDIDO, 1981)

Por décadas, refleti cheio de dúvidas se a história do mundo, das sociedades ou dos humanos, ou um misto disso talvez, enfim, se a história seria linear, cíclica, pendular e concepções do tipo. Se o futuro era ou não uma repetição do passado. E com isso, se a vida humana vinha pré-determinada, se havia destino, se nós carregávamos carmas de outras vidas ou não.

Não estou no mesmo ponto de partida, realmente. Cinco décadas depois de caminhar por essa vida única não tenho mais ilusões em relação a maioria dessas coisas. Não tenho.

O texto de George Minois - História do futuro - nos faz refletir muito a respeito dessas coisas. Se o acaso me permitir, eu seguirei vivendo por um tempo. O acaso é tudo e qualquer coisa: se meu corpo permitir, se eu não pegar Covid-19 ou se pegar e ela não me vencer, se um tiro ou uma pancada não me matar, se o prédio que moro não desabar, se um meteoro não cair na minha cabeça.

Se seguir caminhando por aí, que fazer para mim e para meu entorno para que valha a pena estar vivo? Isso é dar sentido para alguma coisa, porque as coisas em si não têm sentido, não têm que ter sentido. Uma pedra é uma pedra. Um pássaro é um pássaro. Um humano é um humano. Essas coisas são até o momento em que não são mais.

Minha vida teve sentido durante o tempo em que fui um representante da classe trabalhadora e militante das causas sociais. Foi um dos períodos de maior sentido de minha existência. Na verdade, foi o que fiz de melhor e mais útil nessa vida.

Não estou no mesmo ponto de partida dessa vida. A passagem do tempo e a caminhada pela vida serviu para esclarecer algumas coisas para mim. Não tenho ilusões. Estou ciente de minha vida, de minha morte um dia, do que fiz no passado.

William


Bibliografia:

MELLO E SOUZA, Antonio Candido. in: "Prefácio" da 6a edição (1981) de Formação da Literatura Brasileira - Momentos Decisivos de 1957.

MINOIS, George. História do futuro. Dos profetas à prospectiva. Trad. Mariana Bachalar. São Paulo: Unesp, 2015.

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