sábado, 26 de novembro de 2022

48. Macunaíma - Mário de Andrade



Refeição Cultural - Cem clássicos


"- Eu menti.

Todos os vizinhos ficaram com cara de André e cada um foi saindo na maciota. E André era um vizinho que andava sempre encalistrado. Maanape e Jiguê se olharam, com inveja da inteligência do mano. Maanape inda falou pra ele:

- Mas pra que você mentiu, herói?

- Não foi por querer não... quis contar o que tinha sucedido pra gente e quando reparei estava mentindo..." (Macunaíma, M. Andrade)


Osasco, 26 de novembro de 2022. Sábado ensolarado.


Terminei a releitura de Macunaíma - O herói sem nenhum caráter (1928). Li o clássico pela primeira vez em 1999, já aos 30 anos de idade. Depois reli o texto em 2009, aos 40 anos. Agora releio aos 53 anos. São muitas leituras, poderia dizer que sou trezentos, como dizia Mário de Andrade. De fato, posso dizer que o leitor de 2009 não era o leitor de 1999 e que esses leitores não foram o mesmo leitor de agora.

Me lembro que a leitura de 1999 foi feita no contexto de estudos para o vestibular da Fuvest, que faria no ano seguinte. A leitura de 2009 se deu após estudar literatura e os modernistas.

CONTEXTO DA LEITURA ATUAL

Nesta postagem não vou fazer uma análise da obra de Mário de Andrade. Não é pra isso meu registro. A leitura de Macunaíma me deixou muito incomodado... e isso é bom! Macunaíma nos incomoda até hoje!

Na leitura deste leitor que vos fala, vi o Brasil de 2022 lendo a estória de Macunaíma, o herói mau-caráter e sem nenhuma característica definida, sem ancestralidade definida ("sem nenhum caráter"). A postagem é só de estímulo, é pra dizer aos leitores que vale a pena ler este clássico. É um texto de permanência, ele permanece cutucando a gente. E isso é bom! 

O BRASIL DE MACUNAÍMAS, FABIANOS, PAULO HONÓRIOS, CUBAS, RIOBALDOS

Desde que o Brasil sofreu o último golpe de Estado em 2016 e passou a ser governado novamente pelas representações da casa-grande e da burguesia mais chinfrim* do mundo (*tranqueira eu quis dizer, porque canalha e perversa todas as burguesias são), venho tentando entender por que as coisas são como são em nosso país e a leitura e releitura de textos cânones e referenciais são necessárias para vermos com olhos mais experientes o que nos molda, o que nos acultura e o que nos engaiola. A ideologia está em tudo. A ideologia da classe dominante está em tudo.

A burguesia brasileira ficou nua após as eleições fraudadas em 2018, eleição na qual a casa-grande prendeu e condenou sem crime algum o candidato popular que venceria as eleições, Lula, e normalizou um verme fascista como alguém normal (a escolha difícil entre o professor da USP e o amante de torturador - lembram da "escolha difícil" d'O Estadão?). 

O papel da mídia empresarial somado às mentiras em escala industrial (fake news) construíram a realidade da chegada ao Planalto Central de um representante do crime organizado. E vários de nós que gostamos de história e cultura nos perguntamos desde então como isso aconteceu? Como isso foi possível? Como pode estarmos num inferno desse?

Desde então, já li e reli dezenas de livros, dezenas! E sigo buscando compreender quem somos e por que somos o que somos.

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A MENTIRA...

A citação do trecho acima, de Macunaíma, sobre a mentira e sobre mentir descaradamente, me lembrou o vaticínio de Lula ao falar para o juiz parcial da operação Lava Jato que ao mentir e se basear em mentiras, uma após a outra, ele juiz estaria condenado a seguir mentindo porque as mentiras não teriam fim e não se poderia voltar atrás com as mentiras porque uma mentira gera outra e assim vai se perdendo tudo, tudo em relação à verdade factual. 

E assim sucedeu com o Brasil e o povo brasileiro, nos perdemos num mundo de mentiras. As mentiras viraram políticas de governo, de governos da extrema-direita e de movimentos fascistas e autoritários, tudo isso com os interesses capitalistas por trás, lógico!

Temos que enfrentar e combater um maldito mundo de mentiras.

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13 LIVROS PARA COMPREENDER O BRASIL

Eu sei que a postagem é para registrar minha 3ª leitura do clássico da literatura brasileira Macunaíma... mas a introdução que fiz é uma espécie de contextualização do presente (quase metade do Brasil bolsonarista), do mundo violento e racista do Brasil de todos os séculos de sua história, do locus de referência de onde saíram clássicos com personagens como Brás Cubas, Riobaldo Tatarana, João Miramar, Paulo Honório, Fabiano, Macunaíma e tantos outros e outras figuras que representam ou tentam representar o que somos ou o que poderíamos ser. 

Todo bom livro gera em seus leitores sentimentos intensos, inquietações, reflexões, desejos, frustrações, sentimentos vários e até antagônicos. Macunaíma é um livro provocador ao extremo. O personagem e as peripécias da estória permitem leituras diversas sobre os mais variados temas da nossa gente. 

É uma ficção, é uma obra ficcional, não nos esqueçamos disso. Mas até por ser um livro de literatura é que se pode permitir todas as licenças poéticas necessárias para autor e leitores viajarem no mundo do lúdico e no mundo das ideias. E nesse sentido, Macunaíma segue sendo uma leitura importante, necessária, porque nela vemos a permanência dos temas inseridos na narrativa ficcional. 

O impulso para essa nova leitura do clássico de Mário de Andrade foi acelerado por participar do Instituto Conhecimento Liberta (ICL) e estar inscrito no curso "13 livros para compreender o Brasil", com os professores Lindener Pareto e Suze Piza. Macunaíma foi uma das obras escolhidas pelos organizadores para o curso. Agradeço a escolha e a oportunidade dada a leitores como eu que já havia lido o livro em outras épocas, sendo eu outra pessoa como todos nós somos, pessoas em constante mudança enquanto o viver prossegue.

A leitura de Macunaíma neste momento de minha história e da história do Brasil foi uma leitura diferente das outras que fiz. O livro segue muito provocativo, e diria que segue sendo um livro difícil de se ler, por causa da linguagem, das metáforas, da ironia refinadíssima, das referências que nós não temos, do uso de uma linguagem fora do padrão etc. 

Vale a pena ler porque toda leitura de livros clássicos e de bons autores e autoras traz o desafio de vencer a leitura e compreendê-la e isso é um processo, um percurso necessário a todo leitor e leitora. Saímos diferentes quando terminamos a leitura das grandes obras da cultura humana. 

Enfim, está dito e registrado neste meu blog de cultura (diário de reflexões e leituras) o que gostaria de apontar neste momento. 

Caso alguém tenha curiosidade de ver anotações que fiz da leitura de 2009 com citações de frases e passagens do livro (após cursar Letras na USP), é só clicar aqui

Seguimos lendo e buscando sentidos e significando a vida.

William


Bibliografia:

ANDRADE, Mário de. Macunaíma. Coleção vestibular de O Estado de São Paulo/Klick Editora. São Paulo, 1999.


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