sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

50. Os sertões - Euclides da Cunha



Refeição Cultural - Cem clássicos

(atualizado às 16:24h, de 07/11/23)


A retomada da leitura de Os sertões (1902), clássico famoso de Euclides da Cunha, se deu por causa do curso do ICL - "13 livros para compreender o Brasil" -, ministrado por Suze Piza e Lindener Pareto. 

Muitos anos atrás, eu havia lido as duas primeiras partes do livro - "A terra" e "O homem" - e não quis ler a 3ª parte "A luta", parte maior do livro contando sobre as 4 campanhas necessárias para que o governo republicano derrotasse os "favelados" liderados pelo beato Antônio Conselheiro.

Na época da leitura das duas primeiras partes achei o texto difícil por causa da linguagem utilizada por Euclides da Cunha. Os textos eram repletos de termos técnicos sobre geologia, engenharia e ciências em geral, inclusive com palavras e expressões inventadas pelas pseudociências que existiam para que a elite intelectual arrotasse preconceitos contra tudo e todos.

Antes de retomar a leitura diretamente na 3ª parte - A luta - eu dei uma repassada nas duas partes introdutórias e, com meu olhar de hoje, fiquei horrorizado com tanta merda, tanto preconceito sem qualquer fundamento científico utilizado à época para desqualificar e diminuir segmentos populacionais e regiões do país. Sei que tenho que considerar o lugar de enunciação do texto no século 19, mas que é muita merda, é!

Enfim, já que comecei a fazer um apanhado geral das obras clássicas que já li ou que estou lendo, abro essa postagem de um livro com leitura em andamento para retomar o texto toda vez que eu achar necessário registrar alguma coisa que tenha me chamado a atenção na leitura. 

Este blog é minha biblioteca de estudos e ao mesmo tempo acaba servindo de fonte de leitura para os milhares de leitores e leitoras que acessam ele todos os meses.

Sigamos lendo, pois é melhor ler que não ler os clássicos, como nos ensinou Italo Calvino.

William

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EXCERTOS DE OS SERTÕES

Diz Euclides:

"O jagunço destemeroso, o tabaréu ingênuo e o caipira simplório serão em breve tipos relegados às tradições evanescentes, ou extintas." (in: Nota preliminar)

Pergunto a mim mesmo um século depois: será?

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A TERRA

Os campos gerais

Euclides descreve o locus do Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, meio século antes.

"Estiram-se então planuras vastas. Galgando-as pelos taludes, que as soerguem dando-lhes a aparência exata de tabuleiros suspensos, topam-se, a centenas de metros, extensas áreas ampliando-se, boleadas, pelos quadrantes, numa prolongação indefinida, de mares. É a paragem formosíssima dos campos gerais, expandida em chapadões ondulantes - grandes tablados onde campeia a sociedade rude dos vaqueiros..." (in: A terra, capítulo 1, preliminares)

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"Acredita-se que a região incipiente ainda está preparando-se para a Vida: o líquen ainda ataca a pedra, fecundando a terra. E lutando tenazmente com o flagelar do clima, uma flora de resistência rara por ali entretece a trama das raízes, obstando, em parte, que as torrentes arrebatem todos os princípios exsolvidos - acumulando-os pouco a pouco na conquista da paragem desolada cujos contornos suaviza - sem impedir, contudo, nos estios longos, as insolações inclementes e as águas selvagens, degradando o solo.

Daí a impressão dolorosa que nos domina ao atravessarmos aquele ignato trecho do sertão - quase um deserto - quer se aperte entre as dobras de serranias nuas ou se estire, monotonamente, em descampados grandes..."  (in: A terra, capítulo 1, Um sonho de geólogo)

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O HOMEM

(Postar excertos marcados na edição que tenho da Ediouro, o de capa vermelha)

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A LUTA

Na última etapa do conflito, já esgotados os lutadores do Arraial de Belo Monte, já falecido Antônio Conselheiro (em setembro daquele ano de 1897), como se soube depois, o exército brasileiro, com milhares de soldados ao redor de Canudos, passou a praticar as maiores barbaridades contra aquela gente desvalida, faminta e acuada.

"A degola 

Chegando à primeira canhada encoberta, realizava-se uma cena vulgar. Os soldados impunham invariavelmente à vítima um viva à República, que era poucas vezes satisfeito. Era o prólogo invariável de uma cena cruel. Agarravam-na pelos cabelos, dobrando-lhe a cabeça, esgargalando-lhe o pescoço; e, francamente exposta a garganta, degolavam- na. Não raro a sofreguidão do assassino repulsava esses preparativos lúgubres. O processo era, então, mais expedito: varavam-na, prestes, a facão." (from "Os sertões" by Euclydes da Cunha)


Como confiar num exército bárbaro e imoral, que tortura e mata covardemente as pessoas que se entregam no cenário do conflito?

"Os próprios jagunços, ao serem prisioneiros, conheciam a sorte que os aguardava. Sabia-se no arraial daquele processo sumaríssimo e isto, em grande parte, contribuía para a resistência doida que patentearam." (from "Os sertões" by Euclydes da Cunha)


Um exército sem leis, sem regras, sem autoridades. Um bando de soldados sanguinários, na base do olho por olho, dente por dente.

"A degolação era, por isto, infinitamente mais prática, dizia-se nuamente. Aquilo não era uma campanha, era uma charqueada. Não era a ação severa das leis, era a vingança. Dente por dente. Naqueles ares pairava ainda, a poeira de Moreira César, queimado; devia-se queimar. Adiante, o arcabouço decapitado de Tamarindo; devia-se degolar. A repressão tinha dois pólos — o incêndio e a faca." (from "Os sertões" by Euclydes da Cunha)

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Um exército fortemente armado contra casebres miseráveis da favela de Canudos

"A soldadesca varejando as casas pusera fora, às portas, entupindo os becos em monturos, toda a ciscalhagem de trastes em pedaços, de envolta com a farragem de molambos inclassificáveis: pequenos baús de cedro; bancos e jiraus grosseiros; redes em fiapos; berços de cipó e balaios de taquara; jacás sem fundo; roupas de algodão, de cor indefinível; vasilhames amassados, de ferro; caqueiradas de pratos, e xícaras, e garrafas; oratórios de todos os feitios; bruacas de couro cru; alpercatas imprestáveis; candeeiros amolgados, de azeite; canos estrondados, de trabucos; lascas de ferrões ou fueiros; caxerenguengues rombos..." (from "Os sertões" by Euclydes da Cunha)

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Enfim, venceram o "poderoso" inimigo miserável!

"Custava-lhes admitir que toda aquela gente inútil e frágil saísse tão numerosa ainda dos casebres bombardeados durante três meses. Contemplando-lhes os rostos baços, os arcabouços esmirrados e sujos, cujos mulambos em tiras não encobriam lanhos, escaras e escalavros — a vitória tão longamente apetecida decaía de súbito. Repugnava aquele triunfo. Envergonhava. Era, com efeito, contraproducente compensação a tão luxuosos gastos de combates, de reveses e de milhares de vidas, o apresamento daquela caqueirada humana — do mesmo passo angulhenta e sinistra, entre trágica e imunda, passando-lhes pelos olhos, num longo enxurro de carcaças e molambos..." (from "Os sertões" by Euclydes da Cunha)

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(segue...)



Bibliografia:

CUNHA, E. Os sertões. [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010. 516 p.

CUNHA, Euclides da, 1866-1909. Os sertões: (Campanha de Canudos). 20ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1998.

CUNHA, Euclydes da, 1866-1909. Os sertões: campanha de Canudos / Euclydes da Cunha - 39ª ed. - Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora; Publifolha, 2000. (Grandes nomes do pensamento brasileiro)

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