sábado, 24 de junho de 2023

Diário e reflexões - Cuba XXVI (24/06/23)



Refeição Cultural - Cuba (XXVI)

Osasco, 24 de junho de 2023. Sábado.


"Félix Varela nos ensinou a pensar, Martí no ensinou a lutar e Fidel nos ensinou a vencer" (Armando Hart)


No início deste ano decidi que iria estudar um pouco a respeito de Cuba e de seu povo aguerrido (e insurgente). Já sabia desde meados do ano anterior que iria conhecer o país de regime socialista. A viagem correu tudo bem e por duas semanas pudemos vivenciar na Ilha um pouco do dia a dia do povo cubano.

Passados seis meses de leituras sobre o tema Cuba, eu diria que sigo sabendo menos do que gostaria, contudo posso afirmar que sei um pouco mais do que sabia antes. 

Já tenho alguma noção sobre a história de Cuba e seu povo, sobre José Martí, sobre Fidel Castro, sobre Ernesto Che Guevara, sobre a importância da educação e cultura para o povo e o regime socialista cubano. Repito, não sei quase nada, mas já tenho algumas noções sobre Cuba. Se considerar que vivemos num mundo de gente meio sem noção das coisas, já é alguma coisa conhecer um pouquinho da história da Ilha.

Hoje li o 2º capítulo do livro da doutora e mestra em Educação Maria Leite - Cuba insurgente: identidade e educação (2023). É muito interessante ler sobre o país socialista depois de ter estado lá por alguns dias. É alentador saber da importância da educação na manutenção do regime após mais de seis décadas de Revolução, um processo revolucionário de libertação do povo iniciado por insurgências populares no mínimo desde 1868. Algumas referências retroagem a 1511, como é o caso do cacique Hatuey.

EDUCAÇÃO EM CUBA E NO BRASIL - Quando me lembro da situação da identidade e da educação do Brasil após o golpe de Estado de 2016, após os dois governos de destruição nacional, dois canalhas que tinham como meta desfazer os poucos avanços do povo brasileiro em mais de um século de lutas, e quando me lembro ainda da reforma do ensino médio brasileiro, que acabou de vez com qualquer chance de uma educação universal de verdade, fico muito decepcionado ao não ver o Novo Ensino Médio (NEM) cancelado pelo nosso governo. 

Sabemos das dificuldades de um governo de composição, de frente ampla, mas não revogar o NEM até agora é frustrante. O NEM é um projeto de destruição da educação do Brasil, projeto mais que neocolonial, um projeto de ampliação da desigualdade de conhecimento entre os ricos e seus filhos e a ampla maioria de pobres do país em relação ao acesso à educação de qualidade.

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A LEITURA

No 1º capítulo, vimos sobre a formação da sociedade cubana (ler breve comentário aqui).

Neste 2º capítulo, foram abordados os seguintes subtemas:

A REVOLUÇÃO CUBANA: Logros, retrocessos e avanços.

2.1 A anatomia do entusiasmo

2.2 A educação como pedra angular da revolução

2.3 A universalização do ensino fundamental

2.4 Os organismos políticos e de massas em Cuba

2.5 A retificação de erros.


ALFABETIZAÇÃO E PARTICIPAÇÃO SOCIAL

"A Campanha de Alfabetização conjurou dialeticamente diversos fatores, contribuindo para que o fazer educativo assumisse uma forte dimensão político-social e o ensino fosse convertido em instrumento participativo." (p. 65)

A INSPIRAÇÃO DO MOVIMENTO 26 DE JULHO, LIDERADO POR FIDEL CASTRO EM 1953: MARTÍ

"Foi a partir desta conjuntura que um pequeno destacamento, autodenominado Generación del Centenario, de diversas procedências geográficas e sociais, adotaram a estratégia insurrecional. Para esse grupo de jovens, era impossível tolerar passivamente que, 100 anos depois do natalício de Martí, reinasse na nação o despotismo e a entrega das riquezas da Ilha, sem manifestações da rebeldia, que o próprio 'apóstolo' da independência demonstrara desde sua infância e sua juventude." (p. 66)

FIDEL CASTRO: A HISTÓRIA ME ABSOLVERÁ

"Durante o julgamento, celebrado na raiz do assalto ao Quartel Moncada, o líder da Revolução Cubana não menciona Marx e Lenin, nenhuma vez, porém em mais de quarenta citações faz alusão a Martí, centrando suas ideias na identidade nacional. Esse manifesto se resumia a seis pontos: uso da terra, industrialização, moradias, emprego, educação e saúde." (p. 67)

FIDEL: É A ECONOMIA... ALÉM DA EDUCAÇÃO

Pensamentos de Fidel antes da Revolução Cubana, durante a prisão no regime do ditador Batista.

"Na missiva, ele apontava que tudo o que se fizesse relativo à técnica e à organização do ensino, nada valeria a pena sem alterar de maneira profunda o status quo econômico da nação." (p. 67)

NÃO BASTA UMA REVOLUÇÃO, É PRECISO SUPERAR A INCULTURA E MUDAR O ESPÍRITO DE UM POVO

Dois pensamentos de José Martí que foram referências nos primeiros anos da Revolução Cubana:

"A pobreza mais difícil de ser vencida era a incultura"

e

"El problema de la independencia no era el cambio de formas, sino el cambio de espiritu." (p. 69)

OPÇÃO PELOS POBRES

Superada a etapa de expulsão do ditador Fulgencio Batista e no dia a dia dos primeiros anos de Revolução, Fidel Castro e os líderes revolucionários tiveram que optar por uma das classes internas na sociedade cubana que estavam em disputa pela hegemonia na Ilha: a burguesia ou os pobres.

O movimento 26 de Julho e a guerrilha fizeram a opção pelos "pobres de la tierra" como dizia Martí.

E as leis de reforma agrária foram centrais nessa opção pelos pobres e mais humildes.

A REAÇÃO BURGUESA

A burguesia cubana reage e passa a financiar contrarrevolucionários. Os primeiros anos foram muito difíceis para Fidel, Che e demais líderes da Revolução.

"(...) a burguesia nacional passou a adotar atitudes de agressão e boicotes no processo, dentre os quais se destacam: o abandono da direção das empresas, a recusa em comercializar produtos e serviços e o financiamento de grupos contrarrevolucionários. Esse fato levou à estatização de 383 empresas industriais e comerciais de capital nacional e a função bancária passou a ser exercida unicamente pelo Estado." (p. 72)

QUARTÉIS VIRAM CENTROS DE ESTUDOS

Uma estratégia muito simbólica por parte dos líderes revolucionários foi transformar diversos quartéis e antigos presídios e centros de tortura em escolas e centros de formação de professores. 

"Em 9 de janeiro de 1960, foi iniciada em toda a Ilha a demolição dos muros dos quartéis. Após 19 dias, centenas de operários da construção, estudantes universitários e contingentes da população, em jornadas de trabalho de três turnos diários, converteram o sombrio Quartel Moncada na Ciudad Escolar 26 de Julio, com capacidade para 2 mil crianças. A Ciudad Libertad, que foi até 1959 o Colúmbia, uma típica e vasta instalação militar, onde se gestaram as piores causas, passou a ser um enorme conjunto com escolas de ensinos primário, secundário, especial e superior, na qual a pista de aviões de guerra transformou-se em um enorme organopónico (hortas orgânicas urbanas). Nesse contexto, teve transcendência política e moral a conversão de 69 quartéis em escolas com capacidade para 40 mil alunos." (p. 72)

O POVO PASSA A TER ACESSO A ASSISTÊNCIA MÉDICA UNIVERSAL

"Graças a esses esforços, a população cubana até a atualidade destaca-se pelo elevado nível de escolaridade e pelo usufruto de serviços de saúde pautados pela lógica da prevenção e do direito universal, com a promoção de iniciativas como o Programa del Médico y la Enfermera de la Familia.

O modelo de saúde cubano começou ainda na Sierra Maestra, quando os camponeses passaram a ser atendidos por Che Guevara e seus companheiros profissionais de saúde.

A EDUCAÇÃO COMO PEDRA ANGULAR DA REVOLUÇÃO

"A primeira etapa da Revolução favoreceu mudanças que estabeleceram novos fundamentos educacionais, inspirados em Martí, com alicerces fincados na autoctonia. A busca do homem novo pela reapropriação da natureza humana, tornou-se o centro da mobilização da sociedade. Segundo Guevara (1988, p. 16), 'o homem novo alcançaria sua plena condição humana quando produzisse sem a compulsão da necessidade física de vender-se como mercadoria." (p. 75)

UNIVERSALIZAÇÃO DO ACESSO À EDUCAÇÃO

Alguns eixos são centrais na nova etapa educativa em Cuba.

"A criação das bases do novo modelo tentava transformar a saúde, a educação e a cultura em direitos de toda a população." (p. 76)

e

"Produziu-se, portanto, a reforma integral do ensino, que representou um primeiro esforço para estruturar um sistema escolar harmônico." (ibidem)

Martí, sempre uma referência:

"Al venir a la tierra, todo hombre tiene derecho a que se le eduque y después, en pago, el deber de contribuir a la educación de los demás." (p. 77)

CHE GUEVARA E OS IDEIAS DO HOMEM NOVO

"As ideias que Guevara (1988) legou à educação podem ser sintetizadas na tarefa de criar um 'homem novo', pelo desenvolvimento da consciência participativa na produção socialista." (p. 78)

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COMENTÁRIO 

A universalização do ensino fundamental foi abrangida pela autora no item 2.3 do capítulo e no item 2.4 os organismos políticos e de massas em Cuba.

Os subtemas são tão importantes que eu teria que citar muitas partes do texto.

Nada substitui a leitura do livro por parte dos interessados neste conhecimento que a professora Maria Leite compartilhou conosco.

DISCIPLINA - A pedagogia educacional em Cuba trabalha muito a questão da disciplina como um meio para se atingir os objetivos e uma questão socializante também, cooperativa e coletiva.

"O cumprimento das metas estabelecidas por todos só era possível com uma direção firme. Por isso, os alunos tinham consciência de que a disciplina não era um fim, mas um meio, um recurso para vencer as dificuldades." (p. 80)

VOLUNTARIADO - Outro tema importante na sociedade cubana é o trabalho voluntário, cooperativo.

ORGANISMOS POLÍTICOS E DE MASSA - Numa nova sociedade como a cubana, organismos sociais com espírito de pertencimento são fundamentais como, por exemplo, o Partido Comunista de Cuba, os sindicatos de categorias profissionais, os Comitês de Defesa da Revolução, a Federação das Mulheres Cubanas, a União dos Jovens Comunistas, dentre outros.

Com o avanço das conquistas socialistas do povo cubano, a pedagogia foi se aperfeiçoando através das experiências e participações de especialistas da área.

"Em dezembro de 1975, foi editada a Tese de Política Educacional, que oficializava a pedagogia de cunho marxista-leninista, sem perder de vista o pensamento educativo martiano e a herança histórica do pensamento educacional cubano de todos os tempos. O tripé formado pelo Estado, as organizações de massa e o PCC passou a constituir a base do socialismo adotado na Ilha." (p. 83)

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Finalizo a leitura do capítulo com uma preocupação ao me lembrar do Brasil em 2023. 

Aqui, apesar de suspenso para consulta pública, as bases da educação fundamental do governo Lula é o Novo Ensino Médio (NEM). 

A suspensão só ocorreu por causa do grande esforço feito pelas entidades da sociedade civil envolvidas com educação e direitos sociais e as denúncias dão conta de que o NEM é uma esculhambação, um modelo aprovado pelos governos golpistas.

É isso! Deu trabalho fazer a postagem, mas enquanto escrevi, forcei meu cérebro a se exercitar... isso é bom!

William


Post Scriptum: clique aqui para ver a última postagem com o tema Cuba.


Bibliografia:

LEITE, Maria do Carmo Luiz Caldas. Cuba insurgente: Identidade e Educação. Editora CRV, Curitiba, 2023.


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