quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Vendo filmes (XXII)


Imagem criada a partir de CartaCapital n.1321 

Refeição Cultural

ONDE ESTÁ A LOUCURA?

Os dois filmes se passam nos Estados Unidos da América. Um lançado no final dos anos noventa e outro no final da década seguinte, mas ambientado nos anos cinquenta, após a participação do país na 2ª Guerra Mundial.

As histórias abordam crimes e investigação criminal. O que me faz comentar juntos os dois filmes, a liga entre eles, é a questão da psicopatia, da loucura que leva à morte ou causada pela morte.

No filme O Colecionador de Ossos, há um assassino serial cometendo crimes e deixando sinais por algum motivo, quer chamar a atenção de alguém ou de alguma instituição. A solução do caso fica a cargo de uma jovem policial e um excelente detetive criminal preso em seu próprio corpo após acidente que o deixou tetraplégico.

A história do filme A Ilha do Medo é uma trama incrivelmente bem escrita, complexa em sua interpretação e cheia de detalhes que fazem a diferença na compreensão e solução do caso: um detetive que vai até uma ilha onde fica um sanatório para criminosos de alta periculosidade com problemas mentais. Ele deve desvendar o desaparecimento de uma paciente que assassinou os três filhos pequenos.

Vendo os dois filmes, a gente fica pensando nas complexidades da mente humana e as contradições inerentes ao que nós somos enquanto espécie animal que mesmo estando numa condição que a sociedade denomina como "normal" ou "sem moléstia mental" somos uma comunidade de gente insana, cuja loucura é normalizar as maiores bizarrices e atrocidades que se contraponham à tal racionalidade que dizemos ter.

Se nos filmes são considerados como anormais no comportamento ou loucos os personagens que mentem, manipulam pessoas, até tiram a vida de seres humanos, pessoas identificadas com psicopatias sérias e antissociais, na vida real no mesmo país onde se passam os filmes, os EUA, o povo acabou de eleger presidente do país alguém que mente, manipula pessoas, réu em diversos processos criminais e condenado em alguns deles. 

E aí, que dizer sobre isso?

A pessoa na função pública com maior poder de destruição e morte coletiva no planeta Terra é um sujeito que mente, manipula as pessoas, prega o ódio e a violência, caga para a questão ambiental no mundo, e terá um poder nunca visto pois detém maiorias em todas as instituições de poder no país.

Quem são ou doentes (ou loucos)? Se fôssemos usar a razão, a lógica, as estatísticas, as ciências em geral, para comparar as capacidades de destruição de um assassino serial, de alguém responsável por mortes na família por doença mental e uma pessoa que decide ao sabor do dia um bloqueio que traz miséria e morte a milhões de crianças, mulheres, idosos e civis na comunidade afetada pelo bloqueio, o que definiríamos como doença (ou loucura)?

Loucura maior é a escolha dos milhões de norte-americanos nesta semana, ao colocar na função mais poderosa do país um sujeito que mente, que manipula, que prega o ódio aos outros e declara a supremacia do seu grupo em relação ao restante dos seres vivos no planeta.

Um mundo doente é o que temos na vida real. Os filmes com personagens acometidos com algum tipo de doença mental só nos fazem refletir que o problema maior é quando a doença mental não é mais episódica, pontual e sim sistêmica e coletiva.

O mundo tá f...

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FILMES

O Colecionador de Ossos (The Boner Collector), de 1999. Direção: Phillip Noyce, com roteiro de Jeremy Iacone, baseado no romance "The Boner Collector", de Jeffery Deaver. Com: Denzel Washington, Angelina Jolie e Queen Latifah.

SINOPSE: O detetive criminalista Lincoln Rhyme (Washington) se une a uma policial novata, Amelia Donaghy (Jolie), para investigar os crimes de um assassino serial que deixa sempre sua assinatura nas cenas dos crimes: um fragmento de osso de suas vítimas. Rhyme está numa cama imobilizado após um acidente que o deixou tetraplégico e ele já se decidiu pelo suicídio assistido, porque seu corpo está morrendo e ele pode virar um ser vegetativo a qualquer momento. Ele não quer chegar a essa situação. O contato entre ele e a novata Amelia se dá pela boa percepção dela ao encontrar as primeiras vítimas do assassino: ela não destruiu as pistas e ainda fez bom uso delas, o que chamou a atenção de Rhyme. Ele solicitou a convocação de Amelia por seu excelente instinto forense.

COMENTÁRIO: Uma trama muito bem desenvolvida e dirigida por Phillip Noyce. Uma cena que chama a atenção na atualidade é a cena de Amelia na janela olhando o horizonte... e lá estão as Torres Gêmeas, que iriam abaixo dois anos depois do lançamento do filme.

A trama policial faz justiça à safra de filmes que saíram naquela época. O ano de 1999 presenteou os amantes do cinema com filmes como Matrix, O Sexto Sentido, Beleza Americana e Clube da Luta, para citar alguns que gostei bastante.

O final é eletrizante! Imagino que poucos espectadores desvendaram a trama e imaginaram quem seria o assassino serial.

Passado um quarto de século, tenho a opinião de que o filme resistiu bem ao tempo, vale a pena sentar-se e apreciar O Colecionador de Ossos.

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Ilha do Medo (Shutter Island), de 2010. Direção: Martin Scorsese. Com: Leonardo DiCaprio, Mark Ruffalo, Ben Kingsley, Max Von Sydow e Michelle Williams.

SINOPSE: Em 1954, os agentes federais Edward "Teddy" Daniels (DiCaprio) e seu novo parceiro Chuck Aule (Ruffalo) viajam para o Hospital Ashecliffe - para criminosos insanos - na Ilha Shutter. Eles devem investigar o desaparecimento de uma paciente que afogou seus três filhos pequenos. Os agentes não conseguem a cooperação do psiquiatra responsável, Dr. John Cawley (Kingsley) e de ninguém na ilha. Após uma tormenta danificar bastante a ilha, inclusive os equipamentos de segurança, a dupla começa a descobrir coisas muito estranhas.

COMENTÁRIO: Uma sonoplastia assustadora. Tentei ver o filme de madrugada, mas o som inicial me incomodou como se eu estive atrapalhando a tranquilidade dos vizinhos. Então, assisti ao filme em outro horário. 

O começo da história é impactante. O mar, a ilha no horizonte, a chegada ao porto, os guardas carrancudos e armados com cara de assustados... Tudo muito cinza e escuro. 

Como o personagem principal, Teddy Daniels, foi soldado na 2ª GM e vivenciou a libertação dos sobreviventes dos campos de concentração nazistas, a história segue num tom sombrio, pois Daniels se lembra o tempo todo das cenas do Holocausto. 

O detetive Daniels também vive um conflito psicológico trágico: disse ao novo parceiro, Chuck, que perdeu a esposa num incêndio provocado por um lunático, Andrew Leaddis. 

O médico responsável pela Ilha-presídio, Cawley, diz que a fugitiva matou os filhos afogados, mas nada se encaixa na história, ela não conseguiria fugir daquele local. Na cela dela, um bilhete encontrado diz: "A lei dos 4, quem é o paciente 67?"

À medida que a história avança, mais confusos ficam os personagens e os espectadores. Aí o filme entra na fase de solução e o final é surpreendente!

Amig@s, pensem um filme exigente e que tem final surpreendente! Inclusive a frase final do protagonista...

Gostei bastante! Faz a gente pensar sobre nós e nossas complexidades da mente. 

O ator Leonardo DiCaprio é um dos melhores atores de sua geração! E Martin Scorsese é um diretor genial!

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É isso! Espero que tenham gostado das reflexões e que se sintam incentivados a ver esses filmes que comentei. 

O texto anterior sobre filmes pode ser lido aqui.

William Mendes 


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