A CARIDADE - MACHADO DE ASSIS
Ela tinha no rosto uma expressão tão calma
Como o sono inocente e primeiro de uma alma
Donde não se afastou ainda o olhar de Deus;
Uma serena graça, uma graça dos céus,
Era-lhe o casto, o brando, o delicado andar,
E nas asas da brisa iam-lhe a ondear
Sobre o gracioso colo as delicadas tranças.
Levava pelas mãos duas gentis crianças.
Ia caminho. A um lado ouve magoado pranto.
Parou. E na ansiedade ainda o mesmo encanto
Descia-lhe às feições. Procurou. Na calçada
À chuva, ao ar, ao sol, despida, abandonada
A infância lacrimosa, a infância desvalida,
Pedia leito e pão, amparo, amor, guarida.
E tu, ó caridade, ó virgem do Senhor,
No amoroso seio as crianças tomaste,
E entre beijos — só teus — o pranto lhes secaste
Dando-lhes pão, guarida, amparo, leito e amor.
Do livro Crisálidas, de 1864
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COMENTÁRIO:
Hoje, escolhi ler os poemas do mestre Machado de Assis. Li seu primeiro livro de poesia, Crisálidas, de 1864. Machado tinha 25 anos.
Seus poemas abordam temas comuns na época, imagino eu. Amor romântico, religião e fé inquestionável em Deus, técnicas do fazer poético etc.
Um século e meio depois, o poema "Caridade" segue mais atual que nunca. Entre o passado e o presente, nada mudou: as crianças seguem nas ruas, e suas mães também, e a fome também.
Como a casa-grande não admite um Estado republicano de verdade, com a 'res pública" (vide o orçamento secreto para os ladrões fdp), só apelando poeticamente por "caridade" para lidar com os miseráveis do capitalismo, descritos desde aquela época por Victor Hugo.
William
Bibliografia:
ASSIS, Machado de. Obras Completas IV - Poesia Completa. ePUB.
Esse Machado é um tiro: "e na ansiedade ainda o mesmo encanto."
ResponderExcluirAmiga, estou conhecendo aos poucos, mais um tiquinho da produção do Bruxo do Cosme Velho. Vou ler todos os seus poemas, aos poucos. Beijos pro'cês!
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