domingo, 12 de janeiro de 2025

Livro: Bagagem - Adélia Prado



Refeição Cultural 

Janeiro de 2025


"AS MORTES SUCESSIVAS 

Quando minha irmã morreu eu chorei muito

e me consolei depressa. Tinha um vestido novo

e moitas no quintal onde eu ia existir.

Quando minha mãe morreu, me consolei mais lento.

Tinha uma perturbação recém-achada:

meus seios conformavam dois montículos

e eu fiquei muito nua,

cruzando os braços sobre eles é que eu chorava.

Quando meu pai morreu, nunca mais me consolei.

Busquei retratos antigos, procurei conhecidos,

parentes, que me lembrassem sua fala,

seu modo de apertar os lábios e ter certeza.

Reproduzi o encolhido do seu corpo

em seu último sono e repeti as palavras

que ele disse quando toquei seus pés:

‘deixa, tá bom assim’.

Quem me consolará desta lembrança?

Meus seios se cumpriram

e as moitas onde existo

são pura sarça ardente de memória."


Finalmente conheci a poesia de Adélia Prado. 

Ao ver entrevistas dela na atualidade, fica fácil confirmar o que se percebe de sua poética desde seu primeiro livro Bagagem, de 1976. A poeta é muito religiosa e seu fazer poético contém toda a visão de mundo dela.

O livro está organizado em quatro seções: "O modo poético", "Um jeito e amor", "A sarça ardente I", "A sarça ardente II" e um desfecho: "Alfândega".

Vocabulário:

Sarça ardente é uma planta, com flores pequenas. 

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DA 1a SEÇÃO, "O modo poético", diversos poemas me agradaram. A começar pelo poema "Com licença poética"

Vejam o começo:

"Quando nasci um anjo esbelto,

desses que tocam trombeta, anunciou:

vai carregar bandeira."

Vi numa entrevista Adélia dizer que Drummond foi um dos poetas que a identificaram e apoiaram no início da carreira. 


No poema "Grande desejo" Adélia se apresenta e diz a que veio:

"(...)

sou é mulher do povo, mãe de filhos, Adélia.

Faço comida e como.

(...)

Quando dói, grito ai,

quando é bom, fico bruta,

as sensibilidades sem governo."


Como disse, gostei bastante da 1a parte.

"Procuro sol, porque sou bicho de corpo.

sombra terei depois, a mais fria." (Poema Sensorial)


O poema "Tabaréu" é mais um daqueles nos quais a poeta se define para seus leitores:

"(...)

Porque, mercê de Deus, o poder que eu tenho

é de fazer poesia, quando ela insiste feito

água no fundo da mina, levantando morrinho de areia."

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DA 2a SEÇÃO, "Um jeito e amor", gostei dos poemas "O sempre amor", "Enredo para um tema" e outros também. 

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DA 3a SEÇÃO, "A sarça ardente I", adorei o poema "Ensinamento". Ler aqui.

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DA 4a SEÇÃO, "A sarça ardente II", gostei bastante dos poemas "Episódio" e "Uma forma de falar e de morrer". Achei demais "As mortes sucessivas".


"(...) mais dolorido canta quem não é cantor", verso do poema "Modinha". 

É de alguém observador.

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DIMINUINDO AS LACUNAS CULTURAIS  

Nas últimas semanas, descobri poetas que ainda não tinha lido. 

Agora já conheço alguma coisa de Adélia Prado, Mario Quintana, T. S. Eliot, Baudelaire e Maiakóvski, poetas reconhecidos internacionalmente. 

Sigamos lendo e diminuindo nossa ignorância cultural, pois somos seres incompletos, como nos ensina Paulo Freire.

William 


Bibliografia:

PRADO, Adélia. Bagagem [recurso eletrônico]. 1. ed. - Rio de Janeiro: Record, 2021.

 

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