Refeição Cultural
"Sua mulher, Tia Liduína, então morreu, quase de repente, no entrecorte de um suspiro sem ai e uma ave-maria interrupta..." (Nada e a nossa condição, Rosa, p. 74)
Sabadão... eu indeciso se sigo lendo mais uns contos de Rosa, se me perco na política - meu tempo tá encurtando à jato (e já não apito nada) -, se pego firme na sistematização de meus textos de uma vida, ameaçados de inexistir nas nuvens inimigas. Dilemas de quem tem a noção do tempo indo.
Quisera eu, quando meu fim chegar, daqui a um minuto ou vinte anos, que fosse ao modo de dona Liduína. Sonho de consumo daqueles que sabem da morte como parte da vida.
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NADA E A NOSSA CONDIÇÃO
Eu fiquei pensando no nome do conto de Rosa... "Nada e a nossa condição".
No fim, o nada é algo que faz parte do todo. Os nadas fazem parte do todo. Eu sou nada. E, no entanto, pertenço ao todo. Natureza...
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UM MOÇO MUITO BRANCO
"Ela, que, a partir dessa hora, despertou em si um enfim de alegria, para todo o restante de sua vida, donde um dom..." (p. 94)
Alegria
Ao ler o conto, me lembrei da resposta de Rubem Alves ao entrevistador Abujamra, que lhe perguntou certa vez "A vida é uma causa perdida?", e Alves responde que sim por sabermos que vamos morrer, mas cita Guimarães Rosa que falava da alegria nos momentos de distração.
A moça do conto, ganhou em sua vida, o dom da alegria.
Profundo isso!
Gostaria de ter tido esse dom.
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LUAS-DE-MEL
"No mais, mesmo, da mesmice, sempre vem a novidade. Naquela véspera, eu andava meio relaxo, fraco; eu já declinava para nãoezas? Nos primeiros de novembro. Sou quase de paz, o quanto posso..." (p. 96)
É sempre isso. Quando leio Guimarães Rosa, automaticamente me vem à cabeça Uberlândia, me vem o Mato Grosso, anos oitenta, minha família e o mundo onde cresci.
Apesar de ser, em suas narrativas, uma língua inventada pelo escritor, em grande parte, relembro a língua de onde vivi nos anos oitenta.
Guimarães Rosa me transporta ao passado do Brasil onde vivi.
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Comecei a ler esse pequeno livro de contos de Guimarães Rosa há mais de vinte anos. Nunca terminei.
Li pela primeira vez "As margens da alegria" em 2003. Alguns contos eu já li várias vezes nesse tempo todo.
Agora, decidi ler os contos que não havia lido ainda.
Uma vez, li em voz alta, na cozinha da casa de meus pais em Uberlândia, o conto "A terceira margem do rio". De repente, comecei a chorar, soluçar... e quase não consegui acabar a estória.
Com "Sorôco, sua mãe, sua filha" a emoção também é no limite.
"Famigerado" é um dos contos mais marcantes do livro.
E assim, vou finalizar minha leitura do Primeiras Estórias (1962), do mestre Guimarães Rosa. Já é tempo de finalizar coisas antigas não concluídas.
Retomarei o trabalho de sistematização dos meus textos em seguida.
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Post Scriptum:
DARANDINA
"Pois, de repente, sem espera, enquanto o outro perorava, ele se despia. Deu-se à luz, o fato sendo, pingo por pingo. Sobre nós, sucessivos, esvoaçantes - paletó, cueca, calças - tudo a bandeiras despregadas. retombando-lhe a camisa, por fim, panda, aérea, aeriforme, alva. E feito o forró! - foi - balbúrdias. Na multidão havia mulheres, velhas, moças, gritos, mouxe-trouxe, e trouxe-mouxe, desmaios. Era, no levantar os olhos, e o desrespeitável público assistia - a ele in puris naturalibus..." (p. 132)
A gente sabe tão pouca coisa nesta vida, tão nada, que às vezes até se surpreende, mesmo entrado décadas na existência.
Após ler este conto de Guimarães Rosa, Darandina, eu fui pesquisar alguma coisa sobre ele e me surpreendi com a grandeza da estória. Tem revista universitária com o nome do conto, tem diversos trabalhos acadêmicos e ensaios muito interessantes sobre ele. O texto é gigante! Eu nunca tinha me dado conta dele... tão nada, tão pequeno somos quando se trata de conhecer literatura... (eu, né, eu, não falo pelos outros, só por mim).
Teria que renascer e ter foco na literatura desde que me entendesse por gente para poder dar conta de um mínimo que queria conhecer sobre literatura... (mas como não há mágica na vida, minha única unicazinha vida foi essa que já se vai definhando...)
Li um estudo acadêmico analisando o conto "Darandina" e o conto "O alienista", do bruxo do Cosme Velho. A temática da loucura, ou da razão, ou da "desrazão", e fiquei encantado com o texto e as interpretações do autor.
Fiquei pensando uns instantes sobre os 21 contos do livro Primeiras Estórias, de 1962. Muitos personagens e casos contados no livro são exatamente essa questão da razão e "desrazão" das coisas humanas.
Olha, nenhuma frase ou texto comentando obras como essa de Guimarães Rosa dá conta da imensidão de coisas contidas ali. Dá não!
Temos que lidar com humildade com o nosso pouco saber das coisas.
Sigamos lendo alguma coisinha enquanto somos, estamos.
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É isso!
Will i am
Bibliografia:
ROSA, Guimarães. Primeiras Estórias. Rio de Janeiro, Nova Fronteira: 1988.
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