sexta-feira, 5 de junho de 2009

Crônica - Infância



Refeição Cultural

Infância! Aquele foi um bom tempo. As lembranças são flashs de coisas boas que ficaram. Até os dias de enchente eram legais.

Aquele barquinho azul que vinha boiando naquela água suja e marrom da enxurrada. Ele estava na sala, com água pela cintura, olhando pela janelinha da porta da sala daquele sobrado no bairro Rio Pequeno, quando viu o barquinho. Nas devidas proporções, o barco vinha naquele oceano só, abandonado, vindo não se sabia de onde, à procura de um porto (todo brinquedo precisa de uma criança e vice-versa). Ah! O menino ficou louco, começou a gritar dentro de casa que queria aquele barquinho. Tanto gritou, que seu pai saiu à rua e o pegou. Foi uma alegria só.

Quantos anos de enchente! Os adultos choram, as crianças se divertem.

Quando seu pai saía para trabalhar depois do almoço naquele Fuscão 1600 ou depois no Chevette laranja, ele estava lá na rua da esquina, ora jogando bolinha de gude, ora jogando bola com "golzinhos" ou rodando peão. Papai buzinava para ele que corria na hora para pedir cinco centavos, ou para comprar geladinho (suco de fruta congelado em um saquinho plástico comprido que se passava por sorvete) na rua de trás ou para tomar guaraná ou Crush (refrigerante de laranja da época) lá na Avenida do Rio Pequeno.

Lembranças, lembranças!

Ele sempre afirmava que a melhor fase da sua vida foi até os 10 anos de idade: “Aos 10, fui feliz...”.

Na verdade, ele, mais ou menos, dividia sua vida em infância sadia até os 10 em São Paulo, Capital; adolescência, conturbadíssima até os 17 em Uberlândia, Minas Gerais; segunda adolescência, sofrida, mas dividida entre momentos de tristeza e felicidade em São Paulo; e fase adulta, que ele considerava estar vivendo na época (após sua separação e nascimento de seu filho).

(Cabe aqui um poema feito na passagem dos 30 anos de idade):

POEMA 1

Aos 10, fui feliz.
Aos 15, quis me matar.
Aos 17, parti.
Aos 20, enamorei.
Aos 25, enfureci.
Aos 26, me separei.
Aos 27, fui pai.
Aos 28, viajei, fui feliz.
Aos 30 estou só,
e só.

Wmofox, abril de 1999

Sua vida experimentou momentos tão distintos que ele tinha o desejo muito grande de deixar isso escrito, pelo menos para seu filho, pois ele acreditava na tese de que as pessoas podiam aprender com os erros dos outros e evitar alguns dissabores na vida e ganhar tempo na caminhada rumo a um fim digno.

Apesar de todos os erros que cometeu ao longo de sua vida, ele acreditava que o caráter e honestidade que tinha haviam sido adquiridos na sua infância. A maneira como sua mãe o educara, com amor e ao mesmo tempo com severidade, pois ela não pensava duas vezes antes de colocá-lo de castigo quando fazia coisa errada, isso foi crucial para o que ele era na época. E também foi o freio, o cabresto, que o impediu de estragar sua vida nos momentos negros por que passou.

Engraçado que quando ele tinha entre 6 e 10 anos de idade e fazia coisa errada, implorava para que sua mãe lhe batesse. É verdade! Ele ficava indignado por ver seus amiguinhos apanharem e logo em seguida estarem liberados para brincar novamente. Aquilo para ele era o fim.

Um dia estava na rua empinando pipa, já de tardezinha, quando o seu enroscou no fio bem em frente de sua casa. O fio estava descascado e ia direto para uma caixa de força no poste. “Pra que!”. Ele tanto puxou a linha tentando tirar a pipa do fio que de repente os fios se encostaram e começou a sair fogo para todos os lados. Na hora ele se jogou embaixo de um carro parado junto ao meio-fio. Sei que o saldo final da brincadeira foi que acabou a energia da rua inteira e sua mãe, assim como os outros vizinhos, saiu para ver o que havia ocorrido e lá estava ele, com a cara mais sem-graça do mundo. Resultado: Ficou de castigo dentro de casa, enquanto seus colegas voltaram a soltar pipa.

Também pregou muitos sustos em seus pais.

Só ensanguentado chegou umas quatro ou cinco vezes em casa. Teve 3 cortes na cabeça. Todos antes dos 10 anos. Uma latada, uma dentada e uma pedrada. Vamos a eles:

Um dia estava na frente da casa do vizinho, segunda casa à esquerda, depois da casa do Robson e antes da casa do Nenê (Wellington). Estava brincando com um menininho bem menor que ele. O menino estava na janela de cima do sobrado e ele na garagem. O menino com uma lata de óleo com linha amarrada a uma pedra e jogando a pedra lá embaixo, enquanto ele tentava pegar a pedra que fazia as-vezes de um pêndulo. Então, assim que ele conseguiu pegar a pedra, puxou-a com tanta força que o menino não conseguiu segurar a lata. Cara! que latada que ele levou bem no coco. Na hora ele só abaixou e pôs a mão na cabeça. Abaixou porque sua mãe estava na garagem ao lado. Quando ele tirou a mão da cabeça e a viu toda ensanguentada, começou a chorar. Aí sim correu para chamar sua mãe. Nesse dia levou dois pontos.

Outro dia, jogava bola na mesma esquina já citada, pois sempre brincava ali. Toda a molecada estava na parede da casa da esquina e havia um murinho baixo que separava a casa da calçada. Um menino ficava na rua jogando a bola na parede para cair dentro do corredor enquanto todos os moleques se espremiam e se jogavam em cima da bola para ver quem a pegava. De repente, ele pula em cima da bola e sente uma fincada bem atrás da cabeça. Era um dos meninos que havia caído com a boca aberta e acertado uma dentada nele. Como da outra vez, mão na cabeça, aquela dor e quando olha a mão, sangue. Corre de novo para sua heroína mãe com a cabeça escorrendo sangue. Dessa vez não houve pontos.

Terceiro episódio envolvendo cabeça e sangue. Estava no campinho soltando pipa com a turma. Naquela época, havia uma certa rivalidade entre os meninos do lado dele e do outro lado do rio (um córrego também chamado de Córrego Rio Pequeno que separava o Morro Branco do Jardim Ivana). Quando o vento estava para o lado deles, eles pegavam as pipas dos garotos do Morro Branco. E quando estava para o outro lado, eles dançavam, pois todas as pipas que vinham lá de cima da Avenida do Rio Pequeno, iam direto para o lado dos outros. Acontece que, quando o córrego estava muito baixo, mesmo sendo a água de esgoto, os moleques do lado de lá se atreviam a vir para o lado deles. Certo dia, começaram uma guerrinha de pedras contra eles. Meu! De repente os caras atravessaram o rio e vieram atrás da turma dele. Não é preciso nem dizer que os moleques do morro branco estavam em maior número. Foi pedrada para todo lado. No meio daquela chuva de pedra, ele começou a correr com as mãos protegendo a cabeça. Mas eis que uma pedra acertou sua cabeça, bem entre as mãos. Dor, sangue, lágrimas, corrida para debaixo da saia da sua mãe.

Quase se conclui sobre a famosa máxima popular de que ser mãe é padecer no paraíso...

Foram tempos de uma infância muito feliz... até que eles foram embora pra Minas, mas isso já é outra história.

DESCOBERTAS:

Reli o livro Libertinagem, de Manuel Bandeira, em 13.6.09, e no texto da Cronologia, tem uma referência sobre a infância de Bandeira que coincide com a minha infância. Fiquei encantado com a descoberta!

"Escreveu o poeta sobre esse período de sua infância (dos 6 aos 10 anos): 'Quando comparo esses quatro anos de minha meninice a quaisquer outros de minha vida de adulto, fico espantado do vazio destes últimos em cotejo com a densidade daquela quadra distante.' (itinerário de Pasárgada)"

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