sábado, 14 de novembro de 2009

Refeição Cultural 38 - Simbolismo (IV)

Lendo D. Duarte (Leal Conselheiro, 1431) e Sigmund Freud (início do século XX).

Em foco a saudade, o luto e a melancolia

"Do nojo, pesar, desprazer, aborrecimento e saudade

Antre nojo e tristeza eu faço tal deferença, por que a tristeza, per qual quer parte que venha, assi embarga sempre continuadamente o coraçom, que nom dá spaço de poder em al (outra coisa) bem pensar nem folgar. E o nojo he a tempos, assi como se vee na morte d'alguus parentes e amigos, onde, aquel tempo que per justa falla ou lembrança se sente, o sentimento he muito rijo. Porem taaes hi ha que, passado o dia, logo riim (riem), fallam, e despachadamente no que lhes praz pensom."

Vemos aqui uma conceituação muito interessante de D. Duarte para a palavra nojo como aquele sentimento de pena que séculos depois Freud iria identificar como um sentimento natural de pesar presente nos estados de luto. Sofrimento momentâneo e diferente daquela tristeza continuada que seria identificada como melancolia por Freud.

Identificamos a conceituação de luto por Freud como "afeto normal do luto" [O alemão 'Trauer', como o inglês 'mourning' (luto), pode significar tanto o afeto da dor como sua manifestação externa] (aqui temos uma nota presente na edição que estou usando dos textos de Freud).

Freud em seu estudo sobre luto e melancolia nos avisa que há várias formas somáticas e não psicogênicas de melancolia, mas que o estudo em questão tratará dos casos de natureza psicogênica indiscutivel.

Na época de D. Duarte, idade média, dizia-se que as pessoas estavam afetadas por um líquido interno denominado como humor merencório.

"O luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante. Em algumas pessoas, as mesmas influências produzem melancolia em vez de luto; por conseguinte, suspeitamos que essas pessoas possuem uma disposição patológica."

Freud considera o estado de luto como normal e até necessário, porém, passageiro. Já a melancolia é fruto de alguma tendência patológica da pessoa.

Vemos assim a mesma descrição feita por D. Duarte quatro séculos antes: "E o nojo he a tempos, assi como se vee na morte d'alguus parentes e amigos, onde, aquel tempo que per justa falla ou lembrança se sente, o sentimento he muito rijo. Porem taaes hi ha que, passado o dia, logo riim (riem), fallam, e despachadamente no que lhes praz pensom". Finaliza depois explicando que "E o nojo nom continuadamente se sente".

Freud descreve as características comuns do estado de luto e melancolia:

"Os traços mentais distintivos da melancolia são um desânimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade, e uma diminuição dos sentimentos de auto-estima".

Todos estes sentimentos estão presentes no luto. A diferença entre eles é: "A perturbação da auto-estima está ausente no luto."

COMENTÁRIO: ao final das leituras talvez consiga compreender um pouco mais a minha melancolia ou meu luto por perdas de ideais ou sei lá o que... bom, ao final posso não ter parido um trabalho de literatura até porque preciso achar um liame entre este estudo e pelo menos o Saudosismo Português, sem falar no Simbolismo, mas quem sabe não descubra meu humor merencório.


Bibliografia:
FREUD, Sigmund. Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Volume XIV (1914-1916). Imago Editora Ltda, Rio de Janeiro.
DOM DUARTE. Leal Conselheiro e Livro da ensinança de bem cavalgar toda sela. Colecção Literária 'Atlântida'. 1973, 2a edição.

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