Este blog é para reflexões literárias, filosóficas e do mundo do saber. É também para postar minhas aulas da USP. Quero partilhar tudo que aprendi com os mestres de meu curso de letras.
sábado, 30 de setembro de 2017
Casa-grande & Senzala - Miscigenação ou fome os males do brasileiro?
Refeição Cultural
"A fome do homem
A fome do homem.
A fome que come o homem.
O homem com fome.
A fome de ontem.
A fome que come o homem.
A fome não some.
O homem não come.
A fome de ontem.
O homem que some."
(Poema de wmofox, pseudônimo de William Mendes)
Em relação à leitura do Prefácio do ensaio de Gilberto Freyre, ele nos aponta por onde irá seu plano de compreensão a respeito das consequências da colonização portuguesa nos primeiros séculos de conformação do povo brasileiro.
"Foi o estudo de antropologia sob a orientação do professor Boas que primeiro me revelou o negro e o mulato no seu justo valor - separados dos traços de raça os efeitos do ambiente ou da experiência cultural. Aprendi a considerar fundamental a diferença entre raça e cultura, a discriminar entre os efeitos de relações puramente genéticas e os de influências sociais, de herança cultural e de meio. Neste critério de diferenciação fundamental entre raça e cultura assenta todo o plano deste ensaio. Também no da diferenciação entre hereditariedade de raça e hereditariedade de família." (Página 32)
Já ouvi nos círculos intelectuais e também nos ambientes populares uma tese de que o povo brasileiro não seria boa coisa por ser fruto de miscigenação de índios, negros e portugueses. Nunca gostei da teoria e acho ela ideologizada, o que é natural na disputa de hegemonia de ideias nas sociedades. É através das narrativas dos segmentos sociais que se formam as culturas e as hegemonias.
Freyre apresenta a questão do materialismo histórico e da influência das questões de produção econômica no resultado das conformações sociais.
"Por menos inclinados que sejamos ao materialismo histórico, tantas vezes exagerado nas suas generalizações - principalmente em trabalhos de sectários e fanáticos - temos que admitir influência considerável, embora nem sempre preponderante, da técnica da produção econômica sobre a estrutura das sociedades; na caracterização da sua fisionomia moral. É uma influência sujeita a reação de outras; porém poderosa como nenhuma na capacidade de aristocratizar ou de democratizar as sociedades; de desenvolver tendências para a poligamia ou a monogamia; para a estratificação ou a mobilidade."
"É uma questão de economia, estúpidos" como se diz por aí.
Ainda que Freyre esteja falando nos anos trinta, ele comenta que mesmo que se considerasse avanços na eugenia, sem resolver as questões sociais de miséria e má distribuição da produção humana, os proletários sofreriam as influências físicas da má nutrição.
"Lembra Franz Boas que, admitida a possibilidade da eugenia eliminar os elementos indesejáveis de uma sociedade, a seleção eugênica deixaria de suprimir as condições sociais responsáveis pelos proletários miseráveis - gente doente e mal nutrida; e persistindo tais condições sociais, de novo se formariam os mesmos proletários."
Ou seja, passadas tantas décadas de discussão a respeito da fome e miséria a que são submetidos os povos de nosso querido Brasil, o que vimos entre o início dos anos dois mil e 2015, com os governos do Partido dos Trabalhadores, através das presidências de Lula e Dilma, foi a quase extinção da fome no País. Com os programas sociais implementados, saímos do mapa da fome mundial.
E agora, com o Golpe de Estado em 2016, golpe que contou com a participação do sociólogo que apresentou este ensaio de Freyre, o senhor FHC, estamos caminhando para voltarmos ao mapa da fome e a caçada aos direitos sociais já provoca miséria e fome a milhões de proletários de nosso País.
Depois o autor vai entrar nas explicações que eu já li em Celso Furtado sobre os efeitos danosos da monocultura da cana de açúcar sobre o solo e áreas cultiváveis e a consequência maléfica da carestia de alimentos para o conjunto das populações no entorno, inclusive da casa-grande.
Mais adiante, o autor vai falar de supostas vantagens da miscigenação entre os brancos europeus e as mulheres que aqui estavam - índias e negras oriundas da escravidão.
No entanto, é importante o fato de Freyre desfazer o mito da "degeneração de raça" devido à miscigenação. Ele afirma que o problema na saúde dos povos miscigenados é a fome e a miséria.
Além da miséria e da fome, nos é lembrado também de uma herança negativa trazida pelo branco europeu: a sífilis.
"Salientam-se entre as consequências da hiponutrição a diminuição da estatura, do peso e do perímetro torácico; deformações esqueléticas; descalcificação dos dentes; insuficiências tiróidea, hipofisária e gonadial provocadoras da velhice prematura, fertilidade em geral pobre, apatia, não raro infecundidade. Exatamente os traços de vida estéril e de físico inferior que geralmente se associam às sub-raças: ao sangue maldito das chamadas 'raças inferiores'. Não se devem esquecer outras influências sociais que aqui se desenvolveram com o sistema patriarcal e escravocrata de colonização: a sífilis, por exemplo, responsável por tantos dos 'mulatos doentes' de que fala Roquete-Pinto e a que Ruediger Bilden atribui grande importância no estudo da formação brasileira" (Página 34)
Enfim, fica a reflexão aos amig@s leitores sobre discussões tão antigas a respeito da formação de nosso povo brasileiro.
Apesar de ser um cidadão atuante nas lutas por uma sociedade mais humana, justa e igualitária, não tem como negar a tristeza que temos sentido ao ver o grau de degradação por que passa nosso País após o golpe que ceifou a democracia e abalou as estruturas do Estado.
Conhecer nosso passado, refletir sobre ele e sobre o presente, analisando erros e acertos, é uma forma de alimentar nossa inteligência na busca por saídas alternativas ao marasmo em que nos colocamos no momento atual de crise institucional.
Abraços a tod@s,
William
Cidadão leitor
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