domingo, 7 de janeiro de 2018

Leitura: Aquele mundo de Vasabarros (1982) - José J. Veiga



Primeira leitura literária do ano: José J. Veiga.

Refeitório Cultural

"Se houve algum dia quem desejasse conhecer Vasabarros por dentro, esse desejo se desvanecera há muito tempo. Vasabarros agora era um lugar situado fora dos caminhos e das cogitações do mundo..."


Nesta primeira postagem do ano aqui no blog, busquei no autor goiano José J. Veiga a já conhecida surpresa do fantástico, do estranho, do incomum ao adentrar em suas estórias. Queria uma espécie de distância dos sentimentos tristes que tomam conta de mim e do mundo que habito, o Brasil, o maior país sul-americano, que enfrenta uma virada política espantosa após golpe de Estado em 2016.

Conheci o autor goiano naquele ano do Golpe. Li os sete primeiros livros dele em ordem cronológica, e posso dizer que sei que sua obra não é leve no sentido de ser descontraída, porque todas elas nos põem a pensar muito. Mas é literatura da melhor qualidade! Já li Os cavalinhos de Platiplanto (1959), A hora dos ruminantes (1966), A estranha máquina extraviada (1967), Sombras de reis barbudos (1972), Os pecados da tribo (1976), O professor Burrim e as quatro calamidades (1978), De jogos e festas (1980).

Quando falo que optei por começar o ano com Veiga pensando em afastar a tristeza, é porque em dezembro comecei a ler um romance que havia lido na adolescência e que senti necessidade de rever: Nada de novo no Front (1928), do alemão Erich M. Remarque, a respeito da 1ª Guerra Mundial. Pesado! E quis lê-lo novamente porque tenho leitura que o crescimento do fascismo, do ódio e da intolerância vai nos levar para a guerra. Não terminei ainda. Não quis começar o ano comentando este romance.

Peguei o livro de Veiga no sábado achando que era leitura rápida. Era nada! Acabei lendo o romance nos dois dias, intercalando a ficção com outras coisas a fazer com a família (ver animes com o filho e esposa, correr e pedalar e amenidades). Também intercalei o lazer com o trabalho exaustivo que estou fazendo de releituras e pesquisas em relação ao balanço de meu mandato na Cassi.

Amig@s leitores, Aquele mundo de Vasabarros é o nosso mundo hoje. Incrível! Pode ser o Brasil. Pode ser o Rio de Janeiro e sua grave crise institucional. Pode ser os Estados Unidos e seu presidente impensável. Pode ser qualquer lugar, qualquer empresa. Que metáfora!

Os governantes de Vasabarros são o Simpatia e a Simpateca. Os conselheiros do lugar são os senescas; temos os órgãos de investigação e repressão - os merdecas e os mijocas. Uns poucos privilegiados vivem nas partes altas das grandes construções. Nos calabouços e entranhas do lugar, além dos ratos e bichos, vivem todas as pessoas, sem direito a rir, reclamar, cantar... sem direito a qualquer coisa. Por qualquer erro ou por se pegar envolvida em algo, até sem ter culpa, a pessoa era condenada à morte sendo enfiada dentro de uma barrica.

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"A vida em Vasabarros tinha mudado muito desde a assunção do atual Simpatia. Antes ainda havia um pouco de claridade, havia uma relativa alegria nas pessoas, e um certo entusiasmo pelo que elas faziam, apesar da preocupação doentia com os regulamentos, esse um mal de todos os tempos. Mas com o novo Simpatia o arrocho aumentou, as pessoas foram perdendo os restos de alegria, de cordialidade, de confiança em si mesmas..."

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Os filhos do senhor Simpatia e da senhora Simpateca - Andreu e Mognólia, ambos no início da adolescência - começam a questionar a si mesmos e aos pais e conselheiros porque as coisas são como são, tristes, com tanta miséria para todo mundo com exceção deles da família do governante etc.

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"- Por que tem que ser assim, seu Zinibaldo? - perguntou Mognólia de repente.
- Assim como?
- Esses meninos, gente igual a mim e Andreu, viverem vigiados, castigados por qualquer brincadeira que fazem, não poderem ter um cachorrinho, um gato, um passarinho para distraí-los. Só trabalho e obediência o tempo todo. Acha direito, seu Zinibaldo?
- É a lei - disse o senesca evasivamente.
- O senhor não acha que essa lei devia cair? - perguntou Mognólia.
- Cair? Lei não cai. Está aí para ser aplicada.
- Está vendo, Mogui? Está tudo errado, mas não pode ser discutido. É a lei. A nossa lei - disse Andreu..."

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Ao correr da estória, fui vendo situações as mais absurdas possíveis e fui percebendo o quanto a ficção se mistura com a realidade. Esse diálogo acima é básico.

Eu fico me perguntando até quando o povo brasileiro vai aceitar cumprir as "leis" que os golpistas que assaltaram o poder nos impuseram - os três órgãos do poder da república sul-americana chamada Brasil (agora brazil?). A cada mês desde que o Golpe foi perpetrado a partir de abril de 2016 nos são retirados direitos, nosso patrimônio público é dilapidado e doado, nossa moral e nossa soberania são achincalhadas pela camarilha de ladrões que ocupou setores do executivo, legislativo e judiciário.

O final do romance traz mensagens interessantes para reflexão.

Ainda durante os desfechos finais, outro diálogo me chamou a atenção, porque sempre disse isso para as pessoas com quem convivo e para aquelas que represento, os trabalhadores.

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"- É. Está parecendo tapera.
- E vai ficar cada vez pior, se você não se compenetrar. Você agora é o dono. Tem que se compenetrar.
Outro silêncio longo. O céu lá em cima havia mudado de azul claro em azul escuro. Alguns pássaros já voltavam para seus ninhos na jaqueira e nos furos das paredes.
- E se a gente fugisse? Eu e você?
- Fugisse pra onde?
- Sei lá. Pra outras terras. O resto do mundo não pode ser triste como isso aqui.
- Sei não. Não conheço o resto do mundo. Mas se for melhor, não será porque os que vivem lá fizeram ele melhor?"

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Amig@s leitores, eu vejo o mundo assim. Acho que temos que fazer o que deve ser feito para mudar as coisas para melhor. A nossa vida, o nosso trabalho, a nossa comunidade, os nossos direitos, o nosso comportamento. Tudo.

Abraços a tod@s. O livro é fácil de encontrar em sebos e sites de vendas virtuais. Eu comprei assim por dez reais.

William

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