segunda-feira, 15 de abril de 2019

Marx - O fetichismo da mercadoria




Refeição Cultural

Com este tema do fetichismo da mercadoria, estou fechando a leitura do primeiro capítulo do volume I de O Capital, Crítica da Economia Política (1867). 

A minha leitura deste clássico não é apressada e o importante é o esforço para compreender o ensinamento de Marx. Não à toa, peguei o livro nestes dias e reli as 90 páginas que já havia lido.

Por curiosidade, assisti também ao filme O jovem Karl Marx (2017), com direção de Raoul Peck. Gostei do filme. Vale a pena ver.

Enfim, hoje sei um pouco mais sobre Marx e O Capital do que sabia meses atrás. Minha compreensão dos conceitos de valor de uso, valor de troca e mercadoria no modo de produção capitalista é melhor do que antes. Então, estou menos ignorante no tema. Isso é bom.

Vejam, vendo pelo índice, ainda me falta mais de uma centena de páginas para chegar ao tema da mais-valia. É mole? Após estudar sobre a "Mercadoria", agora vem "O processo de troca", depois vários tópicos sobre "Dinheiro"; a segunda parte vai falar da transformação do dinheiro em capital e só na terceira parte virá o tema da mais-valia.

Repito o que já disse em outras postagens sobre esta leitura de O Capital: não posso dizer que sou marxista, pois não tenho embasamento para isso. As postagens são como fichamentos de leitura, eu transcrevo trechos do próprio autor, faço as citações. É para estudo e releituras rápidas. O que não me impediu de ler quase 100 páginas de novo.

Amig@s leitores, posso dizer que vale a pena comprar o livro, é barato, e compensa sair do mundo das fake news e ler algumas horas por semana obras clássicas como essa. No mínimo não se perde nada e, por outro lado, pode-se ganhar muito com o conhecimento novo.

Isso sim seria uma forma de saber algo para não ser um idiota, parafraseando um sujeito que se diz astrólogo e filósofo, e que faz sucesso por escrever bobagens sem pé nem cabeça e enganar zilhões de desavisados por aí.

Leiam as obras clássicas, obras que influenciaram o pensamento mundial ao longo do desenvolvimento das sociedades. É o que penso.

William
Um leitor


O FETICHISMO DA MERCADORIA: SEU SEGREDO

Segundo Marx, a mercadoria tem um caráter misterioso. Em O Capital, já encontrei passagens descritas por ele de forma irônica, é bem interessante. Vejam essa, quando ele explica que uma mesa, após ser criada a partir da madeira, com trabalho humano, continua sendo de madeira:

"Mas, logo que se revela mercadoria, transforma-se em algo ao mesmo tempo perceptível e impalpável. Além de estar com os pés no chão, firma sua posição perante as outras mercadorias e expande as ideias fixas de sua cabeça de madeira, fenômeno mais fantástico do que se dançasse por iniciativa própria." (p. 93)

Em seguida, Marx reforça que não importa o tipo de mercadoria nem a habilidade humana que a produziu (tecelão, alfaiate etc), importa que as mercadorias são feitas por força de trabalho humano. E "Por fim, desde que os homens, não importa o modo, trabalhem uns para os outros, adquire o trabalho uma forma social".

Seguimos com o mistério das mercadorias: "A mercadoria é misteriosa simplesmente por encobrir as características sociais do próprio trabalho dos homens, apresentando-as como características materiais e propriedades sociais inerentes aos produtos do trabalho; por ocultar, portanto, a relação social entre os trabalhos individuais dos produtores e o trabalho total, ao refleti-la como relação social existente, à margem deles, entre os produtos do seu próprio trabalho". (p. 94)

O filósofo faz uma analogia entre a visão do olho e o que vemos, para nos mostrar que o olho reflete a imagem externa das coisas que vê para o nosso cérebro. E continua:

"Há uma relação física entre coisas físicas. Mas a forma mercadoria e a relação de valor entre os produtos do trabalho, a qual caracteriza essa forma, nada têm a ver com a natureza física desses produtos nem com as relações materiais dela decorrentes."

Marx nos explica que o produto do trabalho humano - mercadoria no modo de produção capitalista -, ganha uma espécie de autonomia que não lhe caberia porque as relações deveriam ser entre os homens e não entre as coisas:

"Uma relação social definida, estabelecida entre os homens, assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas. Para encontrar um símile, temos de recorrer à região nebulosa da crença. Aí, os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, figuras autônomas que mantêm relações entre si e com os seres humanos. É o que ocorre com os produtos da mão humana, no mundo das mercadorias. Chamo a isso de fetichismo, que está sempre grudado aos produtos do trabalho, quando são gerados como mercadorias. É inseparável da produção de mercadorias." (p. 94)

O filósofo nos informa que o conjunto dos trabalhos particulares forma a totalidade do trabalho social. "Em outras palavras, os trabalhos privados atuam como partes componentes do conjunto do trabalho social, apenas através das relações que a troca estabelece entre os produtos do trabalho e, por meio destes, entre os produtores".

Nesse modelo de produção para troca temos: "relações materiais entre pessoas e relações sociais entre coisas, e não como relações sociais diretas entre indivíduos em seus trabalhos".

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"A igualdade completa de diferentes trabalhos só pode assentar numa abstração que põe de lado a desigualdade existente entre eles e os reduz ao seu caráter comum de dispêndio de força humana de trabalho, de trabalho humano abstrato." (p. 95)
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Marx escreve no século XIX, numa época em que várias áreas das ciências sequer existiam. Mesmo assim, ele é muito assertivo em suas afirmações. Vejam essa que ele faz a respeito da linguagem, muito antes das concepções da linguística:

"O valor não traz escrito na fronte o que ele é. Longe disso, o valor transforma cada produto do trabalho num hieróglifo social. Mais tarde, os homens procuram decifrar o significado do hieróglifo, descobrir o segredo de sua própria criação social, pois a conversão dos objetos úteis em valores é, como a linguagem, um produto social dos homens." (p. 96)


SEGREDO OCULTO

Marx segue analisando a mercadoria, o valor da mercadoria e as relações de troca.

"Nas eventuais e flutuantes proporções de troca dos produtos desses trabalhos particulares, impõe-se o tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção, que é a lei natural reguladora (...) A determinação da quantidade do valor pelo tempo do trabalho é, por isso, um segredo oculto sob os movimentos visíveis dos valores relativos das mercadorias."


DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO NÃO É CRIAÇÃO DO CAPITALISMO

No início do livro O Capital, Marx já havia dito que a divisão social do trabalho não era uma criação do capitalismo, que, no entanto, precisa dela para a produção das mercadorias.

"No conjunto formado pelos valores de uso diferentes ou pelas mercadorias materialmente distintas, manifesta-se um conjunto correspondente dos trabalhos úteis diversos - classificáveis por ordem, gênero, espécie, subespécie e variedade -, a divisão social do trabalho. Ela é condição para que exista a produção de mercadorias, embora, reciprocamente, a produção de mercadorias não seja condição necessária para a existência da divisão social do trabalho." (p. 64, sublinhado meu)

Naquele momento, citou uma comunidade indiana como exemplo.

Nesta parte de considerações finais do capítulo I que trata da "Mercadoria" ele retoma vários conceitos. Aqui está falando a respeito de propriedades coletivas e trabalhos coletivos ou em comum.

"Constitui um exemplo próximo a indústria patriarcal rural de uma família camponesa, que produz, para as próprias necessidades, trigo, gado, fio, tela de linho, peças de roupa etc. Essas coisas diversas são, para a família, produtos diversos do seu trabalho, mas não se confrontam entre si como mercadorias. As diferentes espécies de trabalho que dão origem a esses produtos - lavoura, pecuária, fiação, tecelagem, costura etc. - são, na sua forma concreta, funções sociais, por serem funções da família, que tem, como a produção de mercadorias, sua própria e espontânea divisão do trabalho. Diferenças de sexo e de idade e as condições naturais do trabalho, variáveis com as estações do ano, regulam sua distribuição dentro da família e o tempo que deve durar o trabalho de cada um de seus membros." (p. 99)


PARA OS BURGUESES SÓ HÁ UM MODO CORRETO DE PRODUÇÃO: O DELES

Ainda nestas páginas finais do capítulo, em que Marx faz avaliações diversas - econômicas, políticas, históricas etc -, gostei desta nota que cito abaixo, tirada de sua obra de resposta à obra de Proudhon:

"Os economistas têm uma maneira de proceder singular. Para eles só há duas espécies de instituições, as artificiais e as naturais. As do feudalismo são instituições artificiais; as da burguesia, naturais. Equiparam-se, assim, aos teólogos, que classificam as religiões em duas espécies. Toda religião que não for a sua é uma invenção dos homens; a sua é uma revelação de Deus - Desse modo, havia história, mas, agora, não há mais." (nota 33, p. 103)


COM A PALAVRA, AS MERCADORIAS

O capítulo termina com as mercadorias dando a opinião delas, diante de tantas questões que Marx coloca para serem respondidas por burgueses e seus economistas e seguidores.

O filósofo fecha assim a questão do fetichismo da mercadoria:

"Sem maior avanço nesta análise, limitamo-nos a ilustrar com mais alguns elementos o fetichismo da mercadoria. Se as mercadorias pudessem falar, diriam: 'Nosso valor de uso pode interessar aos homens. Não é nosso atributo material. O que nos pertence como nosso atributo material é nosso valor. Isto é o que demonstra nosso intercâmbio como coisas mercantis. Só como valores de troca estabelecemos relações umas com as outras'." (p. 104)


Post Scriptum:

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