quinta-feira, 18 de abril de 2019

Relembrando A Montanha Mágica - Thomas Mann



Refeição Cultural

"O segredo e a existência da nossa era não são a libertação e o desenvolvimento do eu. O que ela necessita, o que deseja, o que criará é: o terror." (Naphta, personagem de A Montanha Mágica)


Eu tive o privilégio de ler entre 2008 e 2009 esta obra monumental do escritor alemão Thomas Mann. A obra foi publicada em 1924, após a 1ª Guerra Mundial, mas o autor começou a escrevê-la no início da década de dez. O livro narra a história de um jovem chamado Hans Castorp, que passa um longo tempo nas altas e nevadas montanhas em Davos, na Suíça, cuidando de uma tuberculose.

Uma das temáticas que mais me chamaram a atenção na obra foi a questão das reflexões a respeito da subjetividade do tempo. Ao longo da minha existência, o tempo tem sido um fator de incômodo ao pensar na existência humana, na vida no planeta, no Universo. O tempo pode ser longo, pode ser curto. Muito mais que o tempo cronológico apurado através das leis da física, o tempo subjetivo é algo que fascina e ao mesmo tempo incomoda e assusta a todos nós humanos.

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"Lia-se avidamente nos alpendres de repouso e nas sacadas particulares do Sanatório Internacional Berghof - sobretudo entre os novatos e os pensionistas de curto prazo, pois os pacientes que ali permaneciam por muitos meses ou mesmo por vários anos, havia muito que tinham aprendido a matar o tempo sem distrações nem esforços intelectuais e a deixá-lo atrás graças a um virtuosismo interior. Declaravam até que era uma falta de habilidade, própria de sarrafaçais, essa de se agarrar à leitura. Quando muito admitiam que um livro repousasse sobre os joelhos ou na mesinha, o que já era suficiente para as pessoas sentirem-se abastecidas..." (p. 366)
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A minha edição da Nova Fronteira (2006) tem quase mil páginas, com tradução de Herbert Caro e apresentação de Antonio Cicero. É fascinante!

O livro tem passagens profundas de debates filosóficos em voga. E tem questões triviais que nos tocam, como a passagem abaixo. Eu não gosto de ler livros emprestados - nem de bibliotecas, nem de conhecidos - porque eu tenho por hábito meter o rabisco e anotações nos livros que leio.

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"Tratava-se de livros de anatomia, fisiologia, biologia, redigidos em vários idiomas - alemão, francês, inglês - e que lhe tinham sido remetidos um belo dia pelo livreiro do lugar, evidentemente porque Hans Castorp os encomendara por sua própria iniciativa e clandestinamente, durante um passeio que dera até 'Platz' (...) Joachim perguntou por que Hans Castorp, se desejava ler esse tipo de literatura, não o pedira emprestado ao dr. Behrens, que certamente dispunha de um rico sortimento. Mas Hans Castorp replicou que preferia possuir os livros, e que a leitura era bem diferente quando o livro lhe pertencia; além disso, gostava de sublinhar e assinalar certos trechos a lápis. Durante horas a fio, Joachim ouvia do compartimento de sacada do primo o ruído da espátula que ia abrindo as folhas." (p. 368)
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Thomas Mann era um homem de seu tempo, um alemão de seu tempo naquele início de século XX. Vemos nas personagens encerradas naquelas montanhas por longo tempo as visões do mundo que surgia do século XIX e que culminariam na destruição total da civilização ocidental através das guerras mundiais. Veja abaixo uma passagem sobre a questão da ciência e da vida:

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"Que era a vida? Ninguém sabia. Ninguém conhecia o ponto donde brotava a natureza, e no qual ela se acendia. A partir desse ponto, nada havia na vida que não estivesse motivado ou o estivesse apenas insuficientemente; mas a própria vida parecia não ter motivo. A única coisa que se podia, talvez, afirmar a seu respeito, era que a sua estrutura devia ser de tal modo evoluída que não tinha, nem de longe, igual no mundo inanimado. Entre o pseudópode da ameba e o animal vertebrado, a distância era insignificante, desprezível, em comparação com aquela que existe entre o fenômeno mais simples da vida e a outra parte da natureza que nem sequer mereceria ser qualificada de morta, uma vez que era inorgânica. Pois a morte não era senão a negação lógica da vida; entre esta, porém, e a natureza inanimada abria-se um abismo por cima do qual a ciência em vão se empenhava em lançar uma ponte..." (p. 370)
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Interessante. Eu peguei o livro na estante porque reli uma curta postagem minha no blog (junho de 2008), onde comentava que estava lendo a obra de Mann. Reli, então, algumas passagens do episódio "Pesquisas", contido no capítulo 5. Reli também a apresentação de Antonio Cicero.

Amig@s leitores, é impressionante a sensação nítida de déjà vu que senti ao refletir que vivemos hoje o clima de intolerância e ódio estimulado que o mundo viveu nas décadas iniciais do século XX, e que levou à guerra que destruiria a Europa e mataria milhões de pessoas.

O final da história de Hans Castorp me levou à catarse, fiquei emocionado e arrepiado de forma que nunca me esqueci. Só de manusear a obra novamente, senti a mesma coisa.

O mundo em que vivemos hoje, o mundo da mentira que passou a ser a forma de vivência, que passou a ser aceita pelas pessoas de forma cínica, de forma burra, de forma inocente e o fim do papel das instituições políticas, sociais e estatais que regularam o mundo do pós guerras mundiais, como a ONU e um determinado estado de bem estar social, com respeito à alteridade e com freios e contrapesos, vai nos levar a uma terceira guerra envolvendo diversos países e povos, e creio que o mundo humano não sairá o mesmo como ainda saiu das duas primeiras guerras.

É isso! Quem não tiver lido ainda A Montanha Mágica, o momento mundial é muito propício para o contato com a obra de Thomas Mann, que é um romance de ficção, mas que nos leva a reflexões profundas sobre a realidade material.

William
Um leitor

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