sábado, 20 de abril de 2019

O Capital - Ainda o fetichismo da mercadoria no modo de produção capitalista



Refeição Cultural

"O reflexo religioso do mundo real só pode desaparecer quando as condições práticas das atividades cotidianas do homem representem, normalmente, relações racionais claras entre os homens e entre estes e a natureza. A estrutura do processo vital da sociedade, isto é, do processo da produção material, só pode desprender-se do seu véu nebuloso e místico no dia em que for obra de homens livremente associados, submetida a seu controle consciente e planejado. Para isso, precisa a sociedade de uma base material ou de uma série de condições materiais de existência, que, por sua vez, só podem ser o resultado natural de um longo e penoso processo de desenvolvimento." (Pág. 101, O Capital, Karl Marx, 1867 - o sublinhado é do blog)



Ao reler as quinze páginas da parte d'O Capital em que Marx fala do fetiche da mercadoria - "O fetichismo da mercadoria, seu segredo" -, a gente fica refletindo sobre um monte de coisas. (postagem anterior AQUI)


Outro dia, um colega de leituras me contou que na faculdade a turma dele estudou o ano todo O Capital e o professor disse aos alunos que entender a questão do fetichismo da mercadoria era algo importante. Me deu um certo alivio saber que o tema é espinhoso mesmo.


Os exemplos que Marx nos dá das diversas formas de produção material em determinadas sociedades ou comunidades baseadas na divisão social do trabalho, além da forma atual predominante, a do modo de produção capitalista, em que o objetivo da produção material é a produção de mercadorias, nos faz refletir que certos objetivos que perseguimos ao longo de nossa vida de representação e organização social da classe trabalhadora não são objetivos impossíveis, irreais ou utópicos; pelo contrário, são factíveis.


É possível nos organizarmos enquanto sociedade e enquanto seres livres de formas associativas e ou cooperativas para a produção material de tudo que necessitamos para nossa vida e respeitando a individualidade de cada participante daquele sistema social. É possível. Já foi prática comum de diversos povos e coletividades ao longo da história humana.


Num dos exemplos, a divisão social do trabalho se dá numa indústria patriarcal rural:


"Constitui um exemplo próximo a indústria patriarcal rural de uma família camponesa, que produz, para as próprias necessidades, trigo, gado, fio, tela de linho, peças de roupa etc. Essas coisas diversas são, para a família, produtos diversos do seu trabalho, mas não se confrontam entre si como mercadorias. As diferentes espécies de trabalho que dão origem a esses produtos - lavoura, pecuária, fiação, tecelagem, costura etc. - são, na sua forma concreta, funções sociais, por serem funções da família, que tem, como a produção de mercadorias, sua própria e espontânea divisão do trabalho. Diferenças de sexo e de idade e as condições naturais do trabalho, variáveis com as estações do ano, regulam sua distribuição dentro da família e o tempo que deve durar o trabalho de cada um de seus membros." (p. 99)


Noutro exemplo, Marx cita associativismo e cooperativismo de homens livres:

"Suponhamos, finalmente, para variar, uma sociedade de homens livres, que trabalham com meios de produção comuns e empregam suas múltiplas forças individuais de trabalho, conscientemente, como força de trabalho social. Reproduzem-se aqui todas as características do trabalho de Robinson (personagem Robinson Cruzoé, citado antes), com uma diferença: passam a ser sociais, ao invés de individuais. Todos os produtos de Robinson procediam de seu trabalho pessoal, exclusivo, e, por isso, eram, para ele, objetos diretamente úteis. Em nossa associação, o produto total é um produto social.  Uma parte desse produto é utilizada como novo meio de produção. Continua sendo social. A outra parte é consumida pelos membros da comunidade. Tem, portanto, de ser distribuída entre eles. O modo dessa distribuição variará com a organização produtiva da sociedade e com o correspondente nível de desenvolvimento histórico dos produtores..." (Pág. 100)


Reflexões

Vejam, amig@s leitores, tanto nesta citação acima, quanto na primeira que fiz como epígrafe da postagem, temos uma referência à palavra "desenvolvimento". Lembrei-me de nosso lema no movimento dos trabalhadores brasileiros durante os governos democráticos e populares de Lula e o 1º de Dilma, pouco tempo atrás, quando defendíamos o "desenvolvimento com distribuição de renda".

Níveis de desenvolvimento e condições de produção material de uma determinada sociedade são fatores importantes para a definição de que tipo de sociedade humana queremos para nós. 

Na epigrafe que citei, Marx fala em "relações racionais entre homens", inclusive racional em relação à natureza (pensem na questão contemporânea da sustentabilidade!); ele chama o processo de produção material de "vital"; ainda em relação ao processo da produção material Marx nos lembra da necessidade da livre associação entre os homens para tal; por fim, afirma a necessidade de um processo de desenvolvimento para se alcançar uma base material satisfatória.

Profundo, não?

A condição de produção material de uma sociedade tem influência sobre as diversas dimensões sociais dessa mesma sociedade. A situação de momento dos componentes de uma sociedade humana não é algo regido por leis naturais; as coisas não são como são porque têm que ser assim (por exemplo: má distribuição de bens e renda). A condição de momento dos componentes de uma sociedade não é como a lei da gravidade ou qualquer outra das ciências físicas, químicas e da natureza.

Nós somos o reflexo do mundo em que vivemos. Mas nós podemos alterar o mundo em que vivemos para sermos novamente reflexo daquele mundo novo em que vivemos.

As produções materiais das sociedades humanas ao longo da história da humanidade não tiveram como objetivo serem mercadorias como no modelo de produção capitalista, dentro do que Marx explica como valores de uso e valores de troca.

Com o avançar da leitura de O Capital, espero que vá ficando cada vez mais claro aquilo que já aprendi ao longo da existência como algo que não favorece a nossa vida de trabalhadores: os bens da nossa produção humana serem tratados como mercadorias.

Não é correto saúde ser tratada como mercadoria; educação ser tratada como mercadoria; direitos elementares à existência dos seres humanos serem tratados como mercadorias. Isso não é correto!


Síntese da reflexão

A produção material e a divisão social do trabalho em uma coletividade humana (com laços comuns como uma determinada nação, um Estado, uma sociedade) não precisam estar organizadas na forma capitalista de produção de mercadorias para suprir as necessidades humanas.

É isso, por enquanto!

William
Um leitor


Post Scriptum:

As postagens anteriores sobre a leitura de O Capital podem ser acessadas AQUI.

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