quarta-feira, 3 de julho de 2019

O que é a Cassi? Como fortalecer a associação?



Materiais informativos da Cassi aos associados sobre a reforma
estatutária de 2007, que teve 3 consultas ao corpo social.
 

Opinião

Como associado da Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil, uma associação criada pelos trabalhadores na década de quarenta do século passado (lembrem-se que o BB tem mais de dois séculos), tive a oportunidade de ser um dos gestores eleitos da autogestão em saúde entre os anos de 2014 e 2018. Foi então que percebi um dos maiores desafios a serem superados pela Cassi: ser compreendida por seus associados e a partir daí estar preparada para enfrentar os problemas comuns inerentes a existência de um sistema cooperativista e solidário de assistência à saúde de seus participantes.

Dias atrás, conversamos com os bancários e bancárias do Paraná a respeito da Caixa de Assistência. Fui convidado pelo organizadores do Encontro Estadual BB e Caixa para falar a respeito da Cassi e contribuir para os debates que os trabalhadores estão fazendo dentro do processo de organização nacional dos bancários, uma categoria que tem Convenção Coletiva Nacional, mesas de negociações maduras com minutas de reivindicação construídas a partir de processos democráticos que duram semanas, começando com fóruns locais e finalizando com congressos de bancos e conferência nacional da categoria.


Diagnóstico correto é fundamental para encontrar a solução adequada à natureza da entidade em questão

Outro dia, li um artigo do senhor presidente do Conselho Deliberativo da nossa Caixa de Assistência onde ele se mostrava preocupado com a busca de soluções para a atual crise econômico-financeira de nossa autogestão logo após uma consulta ao corpo social não ter alcançado o resultado esperado por aqueles que compõem a direção da associação neste momento.

Em linhas gerais, o artigo dizia que muitos dos problemas da Cassi são de ordem estrutural, que é inadequado o custeio estar definido no estatuto social da entidade, por questões inerentes ao setor em que a associação opera, o mercado de saúde privado, cuja variação dos custos médico-hospitalares é muito maior que a inflação oficial, chegando a ser 3 ou 4 vezes maior que o índice inflacionário que, via de regra, reajusta salários e benefícios (ou não). Além do "problema do custeio", haveria o problema do "modelo de governança", ambos inadequados por serem estatutários e de certa forma engessados para tomadas de decisões.

Segundo o dirigente eleito, a solução seria "elevar a cada ano a parcela da renda destinada à saúde" ou "reduzir o padrão de assistência à saúde para manter o mesmo percentual de comprometimento da renda"; ou combinar ambos. No artigo, ele também opina que "não há empresa que subsista se não houver um mecanismo que lhe permita decidir" e que "a pior decisão é sempre a não decisão". Ao final, o nosso colega faz uma avaliação pessoal a respeito de influências políticas atrapalharem as decisões técnicas e isso ser fator preponderante nos problemas da associação, da Caixa de Assistência. Respeito a opinião, mesmo tendo leitura diferente.


O que é a Cassi? Como fortalecer a associação?

Algumas questões são centrais na análise de problemas para se pensar soluções para eles. Se os associados de uma entidade de autogestão em saúde e seus gestores não tiverem clara a natureza do que estão discutindo, dificilmente encontrarão respostas satisfatórias para a manutenção da mesma, que dirá para avançar nos objetivos existenciais da associação.

A Cassi não é uma seguradora ou medicina de grupo como, por exemplo, Bradesco Saúde ou Grupo Amil. A Cassi não é uma cooperativa de profissionais de saúde como, por exemplo, o Grupo Unimed. A Cassi não é uma empresa que vende planos de saúde como as do mercado privado (ela até vende planos, mas vende para um segmento específico da própria comunidade BB - o Cassi Família para pessoas até 4º grau de parentesco consanguíneo). A Cassi é na essência o Plano de Associados da entidade.

A Cassi não tem por missão ou objetivo cuidar apenas de uma parte ou segmento dos trabalhadores da empresa Banco do Brasil como, por exemplo, somente aqueles que ganham mais ou que não estão doentes no momento da entrada no sistema, ou ainda cuidar apenas dos "empregados" e não dos "ex-empregados"; sua essência é ser solidária, cooperativa e cuidar de todos os membros da comunidade BB de acordo com suas possibilidades contributivas e necessidades, sendo os associados definidos em seu estatuto social.

A Cassi não faz seleção de público beneficiário de acordo com o perfil do risco epidemiológico como ocorre normalmente no mercado privado de planos de saúde, fazendo isso para ter em suas carteiras segmentos populacionais que podem trazer lucro ou resultado operacional positivo para a empresa. Se assim o fizesse, a Cassi seria qualquer coisa, menos a Caixa de Assistência criada na forma de associação solidária e com participação no custeio de forma mutualista e intergeracional. 

Se assim o fosse, a Cassi não teria no Plano de Associados 152.735 aposentados e dependentes, bem como não teria 19.562 pensionistas (Relatório Cassi 2018). Ou alguém acha que um plano de mercado, que cobra por perfil epidemiológico, teria interesse em manter nas "carteiras" segmentos que utilizam mais o sistema de saúde por questões óbvias de natureza biológica (idade, por exemplo)? Se assim o fosse, a Cassi cobraria no Plano de Associados por dependente, por cabeça, não importando se um dependente "doente" desse mais despesas que três "sadios" de outro titular; cobraria mais por faixa etária; cobraria mais de pessoas com doenças genéticas, doenças crônicas; cobraria mais de Pessoas com Deficiência (PcD). 

De que maneira a maioria dos associados conseguiria permanecer no sistema, se cerca de 70% da ativa e dos aposentados não têm altas remunerações ou benefícios de aposentadoria ou pensão? E o gravíssimo problema do descomissionamento, que faz com que um bancário tenha um salário de acordo com o seu crescimento na carreira e de uma hora para outra pode perder tudo, voltando a ganhar como um escriturário? Isso é real! Hoje um colega não tem filhos, amanhã pode ter uma criança com alguma necessidade maior de uso do plano pelo resto da vida; ou seu cônjuge. Hoje o colega está bem, amanhã sofre um acidente de trânsito ou um AVC e passa a precisar muito mais do sistema solidário Cassi. Amig@s, essa é a realidade de um sistema de saúde solidário mutualista intergeracional no custeio e na utilização.

Entender essas questões essenciais da natureza da Cassi é fundamental para se pensar soluções para o atual momento de desequilíbrio econômico-financeiro da entidade de autogestão em saúde. Em tese, não se cria uma associação, uma cooperativa de trabalhadores, numa canetada autoritária de alguém. Todas as entidades que nós criamos na comunidade Banco do Brasil são fruto de diálogo, de construção de consensos, de participação dos membros dessa comunidade. Ou seja, são fruto de participação política.


A Cassi é Caixa de Assistência. Sem empoderamento e pertencimento, sem participação e democracia não haverá solução satisfatória

Para finalizar essa reflexão sobre o que é a Cassi e as possibilidades que temos para encontrar soluções para os problemas atuais da nossa autogestão em saúde, entendo que há outras saídas além daquelas refletidas pelo nosso colega presidente do Conselho Deliberativo, cujas opiniões entendo serem sinceras e honestas.

O Estatuto Social e as definições nele contidas são para o patrocinador BB e para nós associados da Caixa de Assistência direitos e obrigações importantes na relação entre capital e trabalho, são conquistas possíveis oriundas dos processos negociais ocorridos em condições específicas num determinado tempo. Foi assim na reforma estatutária de 1996, foi assim na reforma estatutária de 2007. Foi assim na mini reforma estatutária de 2016. Foi assim nas reformas ocorridas desde 1944.

Se o patrocinador Banco do Brasil injetou recursos nas negociações de 2007 - 300 milhões para ESF e serviços próprios, assumiu o déficit dos dependentes indiretos e passou a pagar corretamente 4,5% para os pós 1998 - foi por reconhecer questões estatutárias de 1996 não cumpridas por ele próprio como, por exemplo, o recolhimento a menor de 3% sobre a remuneração dos funcionários admitidos após 1998, ou seja, reconheceu não cumprir o Estatuto Social de 1996 nas negociações de 2007, como lemos nos materiais apresentados pela própria Cassi à época, cuja gestão já era compartilhada entre patrocinador BB e associados durante aprovação da reforma de 2007.

Dizer que a autogestão Cassi é engessada por não ter mecanismo de decisão é um equívoco ou exagero político e ideológico, não técnico. A escolha do mecanismo foi definida na mesma reforma estatutária de 2007. A correlação de força daquele processo fez com que o patrocinador BB impusesse aos associados diversas questões que ele pretendia como, por exemplo, mais poder na gestão e instituir coparticipação sobre exames. Está lá no material de propaganda para aprovação da reforma, que o patrocinador passará a indicar a metade do CD, da Diretoria e do CF, sendo qualquer decisão 50% + 1. Está lá que passará a existir cobrança de coparticipação sobre exames em 10% com teto de 1/24 do salário ou benefício, em vez única, sem ser cumulativa.

Então, quando uma área de atividade-fim como as dos eleitos, a Diretoria de Saúde ou de Planos de Saúde, propõe um benefício novo tipo um novo programa de saúde ou mais unidades CliniCassi e as áreas de atividade-meio dos indicados pelo patrocinador não concordam com os novos direitos dos associados, a instrução dada a eles é votarem contra na Diretoria Executiva (2x2) e no CD (4x4), utilizando assim a ferramenta de gestão para não aprovar algo. Isso é decisão e não "indecisão"! 

O mesmo se dá, por exemplo, quando áreas do patrocinador propõem aumentar os custos dos associados internamente, sem consulta estatutária, como aumentar coparticipações sobre consultas e exames, ou criar franquias nas internações. Apesar do conceito de coparticipação ser redução de despesas (fator moderador), muitas vezes as proposições "técnicas" são claramente para aumentar as receitas de forma a onerar somente um lado dos responsáveis pelas entradas financeiras na autogestão Cassi: o lado dos associados. 

As áreas afetas ao patrocinador fizeram propostas assim desde a confecção do orçamento da Cassi para o exercício de 2015, em novembro de 2014. Os gestores representantes dos associados usaram a mesma ferramenta estatutária de gestão e foram contrários (2x2) na Diretoria e (4x4) no CD. Com isso, os eleitos à época, eu entre eles, procuraram as entidades representativas, a Comissão de Empresa da Contraf-CUT, por exemplo, e foi iniciado um processo de mobilização e encontros que gerou uma mesa negocial que fez com que o patrocinador injetasse a partir de novembro de 2016 um montante próximo a 850 milhões de reais, e os associados algo como 650 milhões (Memorando de Entendimentos).

Qualquer solução para a entrada de novos recursos para a Caixa de Assistência terá melhores perspectivas de sucesso se partirem de processos nascidos no seio do corpo social e seus fóruns democráticos, para depois serem negociados com o patrocinador Banco do Brasil. Cabe aos trabalhadores associados a construção de mobilização, confecção de propostas e unidade para retomar o caminho dos objetivos da Cassi, de cuidar do conjunto dos associados da ativa, aposentados, pensionistas e dependentes, de forma solidária, sem excluir segmentos por falta de condições de se manterem no sistema Cassi. Uma Cassi para todos.

Abraços e voltaremos ao tema com sugestões de propostas para serem pensadas entre os associados e suas entidades representativas.

William Mendes


Post Scriptum:

Para ler opinião sobre o aumento nas coparticipações, clique aqui.

Para ler opinião sobre êxitos das autogestões Cassi e Cassems, clique aqui.

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