domingo, 21 de julho de 2019

Papéis Avulsos I (1882) - Machado de Assis





Refeição Cultural


"A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente" (Simão Bacamarte, em: O alienista)


A leitura de Machado de Assis é sempre uma oportunidade para compreendermos porque os grandes escritores são diferenciados e permanecem interessantes com o passar do tempo.

Machado viveu no Rio de Janeiro durante boa parte do século XIX (nasceu em 21/06/1839) e vivenciou o reinado de Dom Pedro II, que foi de 07/04/31, ainda criança, até 15/11/89. 

O escritor já era famoso e um dos mais importantes do país quando se deu a queda do império com o golpe militar que instituiu a chamada Primeira República Brasileira ou República Velha. Machado de Assis faleceu em 29 de setembro de 1908.

Contexto de minha releitura

Minha leitura atual dos quatro contos reunidos no livro "Papéis Avulsos I", publicado em 1882, se deu num momento ímpar da história brasileira: julho de 2019. Estamos sob os 200 dias de destruição de tudo no Brasil pós-bolsonarismo.

O país sofreu novo golpe de Estado em 2016, desta vez para apear do governo a primeira mulher presidenta do Brasil, que sucedeu o primeiro metalúrgico sindicalista, presidente por duas vezes. O país nunca havia feito tanto em tão pouco tempo em benefício das classes populares. A fome havia sido reduzida em 82% sob os governos do PT e o país havia saído do mapa da fome; foram criados nos governos do PT 21 milhões de empregos com direitos sociais (carteira assinada), além do aumento significativo do salário mínimo; a educação nunca havia avançado tanto.

O consórcio golpista foi composto por representantes das elites reunidos nos três poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário -, além dos empresários do setor financeiro, dos meios de comunicação, latifundiários e rentistas. Segundo diversos meios de comunicação popular, esses "brasileiros" vira-latas e lesas-pátrias contaram com apoio e subsídios do império norte-americano no processo de lawfare brasileiro. O vice-presidente da república e o corrupto presidente da câmara dos deputados conspiraram contra a nação.

Para continuar o golpe de Estado após o impeachment sem crime de responsabilidade da presidenta do país, entrou em cena o poder judiciário do Brasil, condenando numa rapidez nunca vista, sem provas e sem crime, o ex-presidente Lula, que ganharia as eleições presidenciais em primeiro turno. Ele foi preso, colocado numa masmorra e ficou incomunicável até que fosse eleito presidente um mentecapto boçal através de uma eleição fraudulenta baseada em mentiras via redes sociais, um sujeito representante do ódio criado pelos empresários da comunicação durante os mandatos de Lula e Dilma.

Enfim, esse é o cenário em que reli pela enésima vez os quatro contos reunidos neste livro de Machado de Assis.

Os temas abordados pelo Mestre do Cosme Velho em seus romances e contos são atemporais porque o comportamento humano e as relações sociais são os materiais trabalhados nos enredos. Não faltam críticas inteligentes e com ironia refinada aos representantes da casa grande e da elite tupiniquim, já eivados no século XIX das características que marcariam para sempre a elite e "classe média" brasileira: serem vira-latas, improdutivas e lesas-pátrias.

Escritor apresenta seu livro ao leitor

Machado de Assis apresenta o livro que reúne quatro contos com a seguinte advertência:

"Advertência

Este título, de Papéis Avulsos parece negar ao livro uma certa unidade; faz crer que o autor coligiu vários escritos de ordem diversa para o fim de os não perder. A verdade é essa, sem ser bem essa. Avulsos são eles, mas não vieram para aqui como passageiros, que acertam de entrar na mesma hospedaria. São pessoas de uma só família, que a obrigação do pai fez sentar à mesma mesa.

Quanto ao gênero deles, não sei que diga que não seja inútil. O livro está nas mãos do leitor. Direi somente, que se há aqui páginas que parecem meros contos e outras que o não são, defendo-me das segundas com dizer que os leitores das outras podem achar nelas algum interesse, e das primeiras defendo-me com S. João e Diderot. O evangelista, descrevendo a famosa besta apocalíptica, acrescentava (XVII, 9): 'E aqui há sentido, que tem sabedoria'. Menos a sabedoria, cubro-me com aquela palavra. Quanto a diderot, ninguém ignora que ele, não só escrevia contos, e alguns deliciosos, mas até aconselhava a um amigo que os escrevesse também. E eis a razão do enciclopedista: é que quando se faz um conto, o espírito fica alegre, o tempo escoa-se, e o conto da vida acaba, sem a gente dar por isso.

Deste modo, venha donde vier o reproche, espero que daí mesmo virá a absolvição.


Machado de Assis

Outubro de 1882"

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O alienista

O conto aborda o tema da loucura. O professor Simão Bacamarte decide dedicar sua vida ao estudo das diversas formas de demência. Machado aborda de forma extraordinária os defeitos humanos mais comuns. Se utilizarmos as diversas descrições de demências na obra para classificarmos as pessoas ao nosso redor neste momento do Brasil pouca gente ficaria de fora da Casa Verde. Leiam o conto aqui.

Teoria do medalhão

Pai dá conselhos ao filho que completou 21 anos para que o jovem se dê bem na vida naquela sociedade branca patriarcal. Ele deve ser um sujeito sem ideias próprias, uma pessoa sem posição política, não deve se meter em discussões mais complexas e ser neutro em tudo. Imaginem se Machado vivesse em nosso contexto de redução drástica das leituras, das discussões políticas, do advento dos memes e mensagens de no máximo alguns segundos ou poucas palavras? Leiam o conto aqui.

A chinela turca

O velho major do exército brasileiro Lopo Alves quer ser escritor e deseja ler seu trabalho de estreia para o jovem Duarte, que estava de saída naquela noite para um baile e para o encontro com a recém amada. Amig@s, não sei porque vi nesse velho major alguns dos senhores militares que infestam as linhas bolsonaristas golpistas e contrárias à democracia brasileira. O conto é bem imaginativo e com final interessante. Leiam aqui.

Na Arca

Machado de Assis acrescenta três capítulos ao Gêneses. E nos apresenta os filhos de Noé envoltos numa discussão bem moderna de divisão de propriedade da terra (da Terra toda). Gente, que estória engraçada e que temática contemporânea discutida dois séculos atrás. Bem legal! Leiam aqui.

Somos hoje os personagens machadianos do passado

Os quatro contos abordam a temática do comportamento humano e todos eles nos colocam a pensar no animal humano que habita esse Brasil do século XXI, o país que permitiu a destruição de todos os direitos sociais conquistados após quase 4 séculos de escravidão, permissão dada pelo povo brasileiro aos da casa grande basicamente por preconceito e ódio do pobre, do negro, das minorias, do popular. 

O Brasil de todos os tipos de dementes e mentecaptos; a terra dos militares de pijama que fazem de tudo, menos defenderem a pátria; o país dos herdeiros de Noé, gente "escolhida" por Deus para herdar toda a terra; a eterna colônia dos medalhões inúteis que não produzem nada a não ser a manutenção de sua inutilidade em prol de si mesmos e contra o país e a coletividade.

É isso!

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