sexta-feira, 19 de julho de 2019

190719 - Diário e reflexões - Perdemos! (até agora)





Refeição Cultural

Ainda não consegui superar a morte de Paulo Henrique Amorim. Parece que perdemos um dos poucos guerreiros da comunicação que parecia que estaria conosco por muito tempo ainda. Por décadas, PHA insistiu em fazer jornalismo peitando os donos do poder. Mais de uma centena de processos por censura, para liquidá-lo, para calar sua voz e sua opinião e ele seguia firme. O coração parou, e ele se foi. Que merda!

A gente tá enfiado num mundo sem esperanças, onde quase ninguém reage mais a toda a prática inversa ao que aprendemos que era certo na existência humana. A ascensão do bolsonarismo na sociedade brasileira como consequência de um processo muito maior de dominação do imperialismo americano, processo planejado pelos donos do poder econômico nacional e internacional, nos deixou na lona, nocauteados. 

Perdemos! Nossa geração que lutou por um mundo mais justo e igualitário nas últimas décadas, e que chegou a vislumbrar esperanças de uma sociedade alternativa ao capitalismo selvagem quando viu por quase duas décadas governos latino-americanos progressistas peitarem o Consenso de Washington e estabelecerem políticas anticíclicas que beneficiaram milhões de pessoas em governos mais populares e nacionalistas, enfim, nossa geração não consegue reagir à destruição total implementada pelo governo americano e seus lacaios colocados nos governos de nossos países. Não estamos conseguindo reagir!

Nossa geração não aprendeu a reagir com nossos corpos, com nossas vidas, ao golpe que sabíamos que viria. Foi só decidirem acabar com a conciliação de classes, que todas as conquistas de décadas se foram, estão indo embora, e nós ficamos catatônicos ao vermos tirarem tudo de uma vez. Como não tivemos a consciência de compreender que as estruturas do Estado burguês são dos burgueses, achamos que era só confiar que os humanos tinham limites éticos, que as instituições burguesas tinham limites éticos, que seriam protetoras dos fracos e oprimidos.

Nós não reagimos a toda a desgraça multidimensional, desgraças de destruição de todos os direitos do povo e destruição do próprio Estado nacional, feitas estrategicamente em todas as áreas e diariamente pelo bolsonarismo e sua laia de apoiadores de merda porque nosso cérebro, nossos corpos, nossa doutrinação "progressista", "esquerdista", "socialista" é uma doutrina estupidamente moralista, como disse o intelectual Jessé de Souza, nos faz acreditar que as instituições vão funcionar, que a justiça vai ser justa, que a destruição não vai chegar ao fim etc.

Pode ser loucura os derrotados escreverem sobre a derrota. Mas acho que temos que escrever. Só conhecemos as histórias dos derrotados ao longo da história humana porque foram encontrados registros desses derrotados. Quando tive acesso ao livro de Victor Klemperer descrevendo todo o período do 3º Reich, sob a ótica da linguagem como filólogo que era, é porque ele registrou tudo de 1933 a 1945. E foi possível sabermos sobre as mudanças na linguagem alemã durante a ascensão e duração do nazismo. O mesmo se dá ao sabermos dos diários da jovem Anne Frank.

Perdemos! Mas por que não reagimos enquanto povo e mudamos essa história brasileira a partir de amanhã, de depois de amanhã? Por quê? Por que não organizamos o povo? Por que não superamos as divisões entre nós do movimento de luta dos trabalhadores e saímos em frente ampla para derrotar os desgraçados que estão nos destruindo, destruindo nossos direitos, destruindo nosso mundo? Por quê?

Por causa de nossa vaidade. Por causa de nosso orgulho. Porque também fomos contaminados com o vírus do ódio. Talvez porque ficamos lassos, burocráticos, crentes nas instituições que não são por nós, são contra nós. Por medo do diferente; por costume e rotina no gostoso automatismo do dia a dia. Por medo da morte. Mas aí vem o minuto seguinte e o coração para, como aconteceu com PHA. E aí, valeu não arriscarmos a luta, a mudança da rotina?

Que mais precisamos para enfrentar o inimigo com as armas necessárias ao contexto em que nos pegamos? Finalizo essa reflexão triste com um ensinamento de Nelson Mandela, justificando eventuais ações do povo negro na luta contra o apartheid:

É O OPRESSOR QUE DEFINE A NATUREZA DA LUTA

"A lição que aprendi com a campanha (contra a remoção do povo negro de Sophiatown em 1955) foi que no final nós não tínhamos alternativa alguma senão resistência armada e violenta. Repetidamente, havíamos utilizado todas as armas de não violência em nosso arsenal - discursos, delegações, ameaças, marchas, greves, ficar em casa, prisões voluntárias - tudo em vão, pois tudo o que fazíamos era respondido com mão de ferro. Um guerreiro pela liberdade aprende da maneira mais difícil que é o opressor quem define a natureza da luta, e ao oprimido frequentemente não se deixa recurso algum senão utilizar métodos que espelham aqueles do opressor. Em certo momento, só é possível lutar contra o fogo usando fogo" (pág 206. Longa Caminhada até a Liberdade, Nelson Mandela)


- Ai se fôssemos mandelas...

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